O presidente da Câmara, Arthur Lira, começou a semana tentando correr atrás do estrago provocado pela gambiarra que vai mudar o cálculo do teto de gastos sob o pretexto de ampliar os pagamentos de um Bolsa Família turbinado, o Auxílio Brasil. Lira, para quem a operação só vai “ferir um pouco” o teto, falou como se não fosse um dos principais líderes do Centrão, o pilar político que livrou Jair Bolsonaro do impeachment mas que, ao fim e ao cabo, é o responsável pela implosão eleitoral da âncora fiscal do governo. O deputado jogou a culpa no Senado, que vem se recusando a aprovar uma reforma do Imposto de Renda considerada ruim por dez entre dez tributaristas — mas que, aprovada na Câmara, iria transferir recursos da taxação de dividendos para o programa social.
Isso é conversa para botar panos quentes no mercado, do qual Lira se aproximou em sua campanha para presidir a Casa. Obtido o que queriam — gastar —, agora Lira e outros governistas da ala política tentam evitar o pior. Com o objetivo de reduzir a tremenda insegurança que tomou conta dos investidores, estão tentando retomar a narrativa de que ainda será possível aprovar alguma reforma no Congresso este ano. Acredite quem quiser na nova lorota.
O destelhamento do governo Bolsonaro consumado na semana passada, foi uma operação longamente gestada pela ala política, que finalmente fechou o cerco em torno de Paulo Guedes — que perdeu quatro de seus principais auxiliares — e se completou com a tomada de territórios ambicionados há tempos. Se Bolsonaro hesitava antes, as pesquisas desfavoráveis e a proximidade do ano eleitoral o convenceram. Já bombardeada, a última trincheira, a da política econômica, foi conquistada. Não é mais de Bolsonaro, e nem de Guedes — é do Centrão, e seus propósitos passam longe de qualquer sensibilidade em relação às condições de vida da população mais vulnerável.
Em poucos dias, não vai parar de pé nem mesmo a versão de que o governo decidiu furar o teto para beneficiar os pobres. Na verdade, os cerca de R$ 30 bilhões que vai custar a ampliação do novo Bolsa Família poderiam sair de remanejamentos orçamentários, sem necessidade de destelhar a política fiscal. Só de emendas parlamentares, por exemplo, o gasto deste ano foi de R$ 37 bilhões. Esse discurso, assumido por Bolsonaro e pelo próprio Guedes, não corresponde, portanto, à realidade.
O que explica de verdade a “tomada do teto” nessa batalha vitoriosa do Centrão são as ambições desse grupo de gastar mais no ano que vem — e não exatamente para eleger Bolsonaro, mas a si próprios. Quando se juntam as peças do quebra-cabeças, que inclui a aprovação da PEC que dá um semi-calote nos precatórios, monta-se um cenário em que o espaço fiscal extra no Orçamento de 2022 chegará a mais de R$ 80 bilhõess. Ganha um guarda-chuva para se proteger das goteiras no teto quem adivinhar quais serão os beneficiários.
Traduzindo: o Auxílio Brasil é apenas o começo, pois os ministros e aliados políticos do governo ainda vão gastar muito nessa farra eleitoral. Bolsonaro, iludido pela conversa de que será beneficiado com isso, vai bater palmas. Guedes, subitamente transformado em cabo eleitoral, vai ter que ter estômago. A porteira foi aberta e não dá mais para segurar a boiada. É bom sair da frente.
Por exemplo: se o presidente achou que estava fazendo muito sucesso ao prometer subir os pagamentos do programa social para R$ 400 mensais, poderá se deparar com um aumento nesse valor por parte do Congresso quando a medida provisória que criou o Auxílio Brasil for votada. Não por acaso o ex-presidente Lula, principal adversário de Bolsonaro na reeleição, não só elogiou o aumento, como disse que os pagamentos deveriam ser de R$ 600, dando a senha para a próxima batalha. A oposição, sozinha, não faz verão. Mas quem disse que o pessoal do Centrão, livre, leve e solto rumo às urnas, vai mostrar a cara e votar por um auxílio menor?