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Joaquim Levy

De A a A: aviação, agro e mais

Combustíveis sustentáveis brasileiros poderiam suprir cerca de 10% do consumo mundial atual do mercado de aviação

Aviação drones

Modelos inspirados nos drones, como o carro aéreo elétrico da Embraer, e novas tecnologias e biocombustíveis sustentáveis estão mudando a aviação | Foto: Getty Images

A aviação global emitiu perto de 800 milhões de toneladas de CO2 em 2022, equivalentes a mais de 5% das emissões fósseis dos EUA, devendo dobrar suas emissões nas próximas décadas se não adotar novas tecnologias e comportamentos. Felizmente, tecnologias sustentáveis, como biocombustíveis, hidrogênio e motores elétricos a bateria ou célula combustível, além de novas formas de aviões, estão competindo para reduzir essas emissões.

Modelos inspirados nos drones, como o carro aéreo elétrico da Embraer, parecem promissores para voos curtos. Para os longos, aviões com asas em delta, lembrando uma arraia, podem substituir a cabine cilíndrica e o grande leme atuais, que não dão sustentação (lifting).

Aviões em delta surgiram nos anos 1940, mas eram instáveis. A forma só se consolidou na virada do século XXI, com novos sistemas de controle de voo e com aviões furtivos (stealth), com turbinas escondidas nas asas e tintas menos visíveis a radares.

Brevemente, refinamentos no desenho e construção de aviões arraia poderão economizar até 50% de combustível e reduzir o peso e pontos de tensão da fuselagem, tornando-a mais leve e resistente. Ao contrário dos furtivos, os aviões comerciais poderão ter motores externos e usar as asas para armazenar hidrogênio.

O desenvolvimento dos aviões arraia vem se dando muito por startups apoiadas pelo governo dos EUA. A Boeing já explorou o conceito, mas o abandonou, preferindo incrementar seus aviões tradicionais e fazendo lembrar o ocorrido com os carros elétricos.

Fazer um carro elétrico não é muito difícil, afora pela bateria e se for muito carregado de computadores. Mas as grandes montadoras resistiram à tração elétrica, que tornaria seus modelos obsoletos, o que deu à Tesla tempo para se fortalecer e meios de se financiar vendendo créditos de carbono para elas. O jogo só mudou para a empresa quando construtoras chinesas não tradicionais passaram a produzir carros elétricos, levando a China a liderar as exportações mundiais de automóveis.

Assim como com o carro elétrico, haverá dificuldade e custará caro adaptar a infraestrutura atual para a operação de aviões radicalmente novos. Isso ocorrerá gradualmente, permitindo parte da atual frota de aviões comerciais completar seu ciclo de vida. Com isso, abre-se espaço grande e duradouro para os biocombustíveis ajudarem a reduzir as emissões da aviação, trazendo oportunidades para o Brasil.

O consumo mundial de combustível de aviação é de 400 milhões de metros cúbicos por ano, dos quais 8 Mm3 / ano no Brasil. Combustíveis de aviação sustentáveis (SAF) derivados de resíduos da nossa agricultura e outros setores poderiam vir a deslocar todo o combustível fóssil de aviação no Brasil, ainda que geralmente a maior custo. Mas a oferta brasileira pode ser maior e mais competitiva que isso, com cana e milho respondendo por até 20 Mm3 /ano de SAF, e possivelmente perto de 10 Mm3/ano derivados do dendê ou macaúba cultivados em áreas degradadas na Região Norte ou na Bahia (com 3,5t de óleo/ha). O SAF brasileiro poderia suprir cerca de 10% do consumo mundial atual de combustível de aviação.

Investir em usinas de SAF no Brasil e desenvolver 2.5-4 milhões de hectares de palmeiras têm riscos, mas poderia gerar US$ 25 bilhões/ano e promover o uso sustentável da terra na Amazônia
oriental antropizada.

Com respeito à Amazônia antropizada, merece menção a conclusão do 1º Ciclo Unificado de Auditorias na Cadeia Pecuária na Amazônia Legal conduzido pelo Ministério Público Federal, inclusive pelo acesso que ele teve às bases de dados (GTA e CAR) de AM, AC, e PA. Essa Guia de Trânsito Animal traz informação importante, ainda que não individualizada por animal, para o rastreamento da origem dos bovinos. Acessá-la pode ser um passo decisivo para a competitividade internacional da nossa pecuária.

A auditoria automática dos frigoríficos indicou irregularidades em ¼ dos animais no Pará, proporção que caiu para 5% após as justificativas de auditores independentes. As irregularidades no Estado variaram de 46% do rebanho em alguns frigoríficos sujeitos apenas à auditoria automática, até 0% em alguns daqueles com auditores contratados (e.g., Minerva). A auditoria do MPF vem indicando queda na proporção de irregularidades na Amazônia, e deve ser estendida a fornecedores indiretos dos frigoríficos em 2024, valorizando o produtor que obedece a lei e investe na produtividade.

A pecuária também é importante na Argentina, com a produção equivalendo a cerca de 1/3 dos 9 milhões de toneladas anuais produzidas no Brasil. O time macro do Banco Safra estima que a
produção argentina caiu 5% esse ano por conta do clima, com as fêmeas correspondendo a mais de 50% do abate, com efeitos em 2024.

A queda da produção na agricultura lá foi ainda maior, perto de 40%, agravando a contração econômica, a inflação e o déficit fiscal no país. A recuperação da agricultura em 2024 poderá ajudar o governo argentino a enfrentar a inflação, caso um ajuste macroeconômico clássico, com liberação do câmbio, aumento dos juros e redução dos subsídios seja adotado em conjunto com uma maior focalização dos programas de transferência de renda para as famílias. Esses expandiram com pouca disciplina antes da eleição, mas com tecnologia e governança adequadas podem amortizar o impacto do ajuste macro sobre os mais vulneráveis.

A dolarização das receitas, despesas e dívida públicas no fundo estenderia a relação que já ocorre entre partes privadas. Mas não seria trivial. O encolhimento do Estado pela desvalorização do peso durante um período de convivência com o dólar não é impossível, mas seus efeitos distributivos teriam que ser calibrados com transferências às famílias, e aqueles sobre a dívida do Banco Central com juros altos enquanto o peso subsistisse.

Superar esses desafios macro certamente abriria portas para a Argentina competir na nova economia mundial do baixo carbono.

  • Publicado originalmente no Valor Econômico.


Joaquim Levy é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Ex-Ministro da Fazenda, Levy é engenheiro naval pela UFRJ, mestre pela FGV e PhD em economia pela Universidade de Chicago. Tendo sido CFO e Diretor Gerente do Banco Mundial e Vice-Presidente de Finanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele foi Presidente do BNDES e Secretário do Tesouro Nacional do Brasil, além de ter trabalhado no mercado financeiro, tendo sido responsável por uma das principais gestoras de ativos do país.

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