Há não muito tempo, saúde física e mental eram duas dimensões tratadas de maneira distinta no universo corporativo. A primeira merecia atenção, seja por obrigações legais ou como benefício na forma de planos de saúde. A segunda ficava meio escondida nos bastidores, como se as emoções devessem ser deixadas do lado de fora quando o indivíduo adentrasse a empresa. Só que não há como separar corpo e mente.
A pandemia, as intensas transformações do mundo em que vivemos e os desafios profissionais do século XXI deixaram isso ainda mais claro. Depressão, ansiedade, burnout são alguns problemas que alçaram os transtornos mentais ao patamar das principais causas de afastamento do trabalho em nosso país. Isso sem falar em absenteísmo, gastos com tratamentos médicos, queda de produtividade,
aumento dos conflitos nas relações interpessoais e outros “efeitos colaterais” associados a esses transtornos.
Ao lado do preço que cobram com prejuízos para a saúde e qualidade de vida dos seres humanos, o estresse ocupacional custa para as
empresas brasileiras algo próximo de 4% do PIB, segundo estimativa da International Stress Management Association (ISMA).
Dulce Brito, gerente médica de Bem-estar e Saúde Mental do Einstein, tem uma comparação curiosa para descrever o contexto. O homem da caverna sofria um estresse forte quando saía para caçar, superado assim que atingia seu objetivo. Hoje, o estresse é crônico. É como uma torneira que vaza e ninguém se preocupa até que recebe a alta conta da água no final do mês.
O estresse vai fazendo vazar a nossa saúde mental até que se transforma em burnout, ansiedade, crises de pânico e outros problemas, como alcoolismo e consumo de drogas ilícitas adotados como perigosas válvulas de escape.
Estresse também aumenta o risco de doenças físicas, como hipertensão e obesidade, e de contrair viroses, já que fragiliza o sistema imunológico.
A saúde mental é um recurso finito que precisa ser recuperado e regenerado todos os dias. Evidentemente, uma parte da responsabilidade é individual. Mas as organizações não podem ignorar o quinhão que lhes cabe.
Como as empresas podem contribuir? Primeiro com prevenção, ou seja, com políticas e práticas que evitem um ambiente tóxico que expõe o colaborador a um estresse intenso e constante. Valorização da cultura workaholic, lideranças ao estilo “comando e controle”, estímulo à competição e não à colaboração, processos mal desenhados que não deixam claro o papel de cada um, ausência de autonomia e flexibilidade, intolerância ao erro, comunicação violenta e sem espaço para diálogo são alguns exemplos de fatores que jogam contra a saúde mental dos colaboradores.
Um diagnóstico do ambiente corporativo é o primeiro passo para identificar e agir contra esses grandes estressores. Como são os processos? Como o líder se comunica com a equipe? E como se comunica com os seus pares para falar não apenas de negócios, mas também para compartilhar problemas e experiências da liderança?
Como as pessoas são reconhecidas e recompensadas? Que espaço a empresa dá para a diversidade, equidade e inclusão? Há uma racionalidade no número e duração das reuniões ou elas acontecem no “piloto automático”? Há uma oportunidade para o home office? Respostas a perguntas como essas ajudarão a encontrar caminhos para purificar o ambiente tóxico.
Além disso, são essenciais treinamentos para o desenvolvimento das habilidades socioemocionais (sobretudo das lideranças, que é quem dá o “tom”) e a criação de políticas e programas que ajudem a lidar de forma mais saudável com os desafios que a vida profissional e a corporativa naturalmente impõem.
Igualmente importante é entender o perfil do público interno e como efetivamente apoiá-lo nos cuidados da saúde mental. De nada adianta disponibilizar uma academia se a colaboradora, por exemplo, não vai conseguir usá-la porque gasta duas horas ou mais para ir ao trabalho e voltar para casa e ainda tem de cuidar da família e dos filhos pequenos.
O mesmo efeito tem um “espaço de descompressão” do qual o profissional sai para entrar em seguida em uma reunião com o chefe autoritário e agressivo. E poucos terão coragem de ligar para o 0800 disponibilizado pela companhia para conversar com um psicólogo
se temem ser demitidos ou penalizados por causa do alcoolismo ou de uma condição mental como a depressão.
Enfim, antes de escolher remédios, é preciso fazer o diagnóstico correto. Organizações podem ser promotoras ou detratoras da saúde mental. Escolher a primeira opção é o caminho inteligente. E foi com o objetivo de estimulá-lo que o Senado aprovou recentemente uma lei que cria o “Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental”.
A lei ainda precisa de regulamentação, mas será mais um impulsionador do movimento que já vemos em várias organizações que têm colocado a gestão da saúde mental em suas estratégias.
Investir nessa área é cortar os custos visíveis e invisíveis do estresse corporativo e ganhar um ambiente mais saudável, que faz bem para todos – para os colaboradores (profissional e pessoalmente), para a organização, com pessoas mais felizes e produtivas, e para a própria dinâmica dos negócios e da economia.