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Joaquim Levy

Perspectivas para o segundo semestre

Só forte alta do dólar, do petróleo ou sequelas da crise no Sul podem fazer a inflação se afastar muito da meta em 2024

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Aumento da produção de petróleo e as dezenas de GW de geração elétrica instalada nos últimos anos favorecem o cenário da inflação | Foto: Getty Images

Está claro desde abril que o Fed não tem pressa em baixar os juros. Eles pouco impactam a dívida das famílias, cuja sensibilidade à inflação aumentou com a alta de preços pós-covid. Quase metade da inflação recente se deve ao reajuste de alguns poucos preços como os da moradia, que deve persistir, até pela forma como são calculados. O baixo desemprego também pode preocupar o Fed e outros bancos centrais, mas talvez o fator que mais tenha estimulado o consumo recentemente seja a valorização da bolsa americana em perto de US$ 8 trilhões em nove meses. Um aumento de mais de perto de 30% do PIB americano (ou duas vezes o alemão) reflete na riqueza das famílias e na sua propensão a consumir.

A surpresa com a resiliência da economia e do mercado de trabalho, que desautorizou as expectativas de recessão nos EUA, também encontra eco no Brasil. Mais do que a leniência com a demanda, os EUA se beneficiam hoje de três choques de oferta favoráveis. Esperava-se que a imigração voltasse aos níveis pré-pandemia e ela está três vezes maior, somando 3 milhões de pessoas à força de trabalho. A produção de petróleo, que poderia declinar com a consolidação do setor de “shale”, alcança volumes recorde, com o gás natural que andou a US$ 9/MMBTU em 2022, lutando para ficar acima de US$ 2, após ir abaixo de US$ 1,5 há pouco. Os investimentos em software somam quase
um PIB brasileiro, enquanto a inteligência artificial dá saltos com os recentes VEO, Image 3 e outras inovações. Tudo isso torna mais difícil uma recessão nos EUA ou preços globais de petróleo disparando.

Os choques de oferta favoráveis no Brasil não são tão óbvios, com a força de trabalho estacionada e as empresas ainda investindo pouco na modernização. Mas é evidente que os salários nominais ajustados à qualificação da mão de obra crescem moderadamente, assim como o custo unitário do trabalho. Também tem sido uma surpresa positiva o aumento da produção de petróleo e as dezenas de GW de geração elétrica instalada nos últimos anos, que se traduzem nos 30% de aumento das exportações de petróleo e no preço de energia (PLD) persistentemente no mínimo regulatório de R$ 61,07/MWh.

Se não chega a um choque, o aumento de produtividade com a tecnologia embarcada na agricultura e nas plataformas digitais de serviços, inclusive financeiros e na saúde, não é desprezível. A logística também tem melhorado, com redução de 48% para 32% das rodovias federais em estado inadequado em 2023 e novas concessões. A produção de soja deve beirar 170 Mt em 2025, com a recorrência de saldos comerciais de US$ 80 bilhões, quase o dobro da década passada, ajudando a estabilizar o câmbio. É difícil medir, mas o crescimento potencial PIB pode estar subindo, com reflexos no hiato do produto.

Melhor do que nos EUA, a inflação cheia ao consumidor brasileiro manteve trajetória de desinflação, com melhora dos núcleos e queda no índice de difusão, ainda que certas métricas em serviços acendam um sinal âmbar para alguns. Nesse sentido, o aumento da remuneração dos empregados com carteira de trabalho vem caindo para níveis próximos aos observados em 2017-19, com variação trimestral anualizada próxima a 4%.

Apesar da provável queda dos dissídios, é difícil essa taxa cair muito mais, não só pelo aumento do salário mínimo no primeiro trimestre, mas pela mudança na composição da força empregada, com mais trabalhadores com ensino superior e menos com apenas ensino fundamental. Esse fenômeno é ainda mais forte entre empregados sem carteira, tradicionalmente associados à informalidade, mas cada vez mais representantes daqueles contratados para a prestação de serviços técnicos, o que significa que não é tanto o pedreiro ganhando muito mais, mas novos participantes do mundo digital sendo contratados “na física” com RPAs.

Provavelmente apenas uma forte alta do dólar ou do petróleo, e as sequelas das inundações no Sul, podem fazer a inflação divergir fortemente da meta em 2024. Para os próximos anos, uma eventual divergência pode se ligar à dificuldade de implementação do arcabouço fiscal em um quadro de crescimento do PIB abaixo de 2% anuais e à dificuldade de se antever a manutenção dos juros acima do seu nível neutro indefinidamente. E nunca é demais reforçar a visão de que o estímulo à concorrência e facilitação da entrada de novas firmas tem grande potencial de aumentar a oferta agregada e atenuar as altas de preço.

Em um mundo com muitas incertezas, especialmente fora do Brasil, é encorajador ver o índice FGV de confiança da indústria subir 6 pontos desde outubro. O time de macroeconomia do Banco Safra tem apontado a correlação positiva desse indicador com a formação bruta de capital físico (investimento), a qual parece começar a se recuperar, com, por exemplo, maior produção de bens de capital. Os modelos do Banco Safra sugerem que o investimento cresça 3% em 2024, sem contar as despesas para enfrentar o desastre no Rio Grande.

A aceleração do investimento será crucial para o PIB também crescer 2,5% em 2025, com a inflação perto da meta. Ela representa mais oferta agregada no futuro, ajudará a demanda a depender menos do consumo quando a queda dos juros arrefecer, e é o passaporte para maior produtividade do trabalho, acompanhando a melhora da qualificação da mão de obra.

A boa notícia aqui é que as empresas brasileiras estão bem, com um primeiro trimestre sólido e perspectivas de crescimento positivas, inclusive pela queda da inflação e estabilidade do câmbio com o robusto superávit comercial e pouca dívida externa. Há disposição para investir, não só entre as grandes empresas.

As decisões de investir, especialmente entre empresas médias, ainda estão, no entanto, inibidas por dúvidas mais ou menos enraizadas em relação aos rumos da política econômica, a despeito da consistência da ação da Fazenda. Portanto, gestos como uma sinalização segura e serena quanto às prioridades e limites do governo, reforçando o compromisso com a previsibilidade, estabilidade e credibilidade, se feitos logo, concorrem para destravar o investimento privado e promover o crescimento econômico no ano que vem.

  • Publlicado originalmente no Valor Econômico.

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Joaquim Levy é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Ex-Ministro da Fazenda, Levy é engenheiro naval pela UFRJ, mestre pela FGV e PhD em economia pela Universidade de Chicago. Tendo sido CFO e Diretor Gerente do Banco Mundial e Vice-Presidente de Finanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele foi Presidente do BNDES e Secretário do Tesouro Nacional do Brasil, além de ter trabalhado no mercado financeiro, tendo sido responsável por uma das principais gestoras de ativos do país.

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