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Laura Karpuska

Laura Karpuska

Palavras importam

Expansão das redes sociais potencializaram a desinformação na política. E pelas redes, o governo federal brasileiro continua a promover falácias sobre a covid-19

No dia 16 de setembro de 2018, numa transmissão feita diretamente do hospital após sofrer um atentado, o então candidato à presidência Jair Bolsonaro levantou suspeita sobre as eleições brasileiras dizendo que a possibilidade de perder a eleição “na fraude” para o candidato do PT, Fernando Haddad, era “concreta”. No dia 7 de janeiro de 2020, o agora presidente continua contestando o próprio processo eleitoral que o levou à presidência dizendo que “se não tiver voto impresso em 2022, vamos ter problema pior que os EUA” – em referência à invasão do Capitólio americano em ato pró-Trump.

Mentiras, metáforas descontextualizadas e desinformação não são novidades da última década na arena política.* Sendo novidade ou não, a expansão das redes sociais certamente trouxe uma nova dimensão de impacto desse problema. Especialmente quando líderes mundiais se utilizam desses meios de comunicação para influenciar o eleitorado e, portanto, o próprio policy making. O governo federal brasileiro continua a apresentar uma escolha falaciosa entre medidas sanitárias para conter a contaminação pelo vírus da covid-19 e a economia – a larga evidência empírica revela que, proteger a vida da sua população e a economia andam de mãos dadas. Além da promoção dessa falácia, o governo incita o mau comportamento popular, minimizando distanciamento social, desrespeitando a ciência e os compatriotas que sofrem com a pandemia. Sem falar no constante ataque às instituições, como o STF, o TSE ou à mídia.

Além de revelarem o foco de um governo, as palavras ditas por um governante funcionam como dispositivo de coordenação social. Há evidência suficiente de que discursos de líderes políticos influenciam o comportamento do seu povo. Se voltarmos ao início da pandemia, um governante sozinho dizer que gostaria de fechar escolas, bares e restaurantes para preparar seu sistema de saúde seria muito menos compreendido pelos seus constituintes do que governantes agindo em conjunto. A coordenação, especialmente numa situação distópica como a que ainda vivemos, dividi os custos político de um lockdown e reforça um sentimento de solidariedade, tão importante numa pandemia. Divisionismos dificultam uma atuação coordenada, cooperativa e colaborativa frente a um inimigo comum. Uma evidência anedótica que nos ajuda em tal constatação foram os discursos do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e a repercussão violenta de seus apoiadores durante a transição de poder da presidência. Palavras, sim, importam.

Quando escrevi o primeiro esboço dessa coluna, foquei na necessidade de ajuste das contas públicas e ampliação dos programas sociais no Brasil. Eu não seria a única a falar sobre essas necessidades. Especialistas escrevem diariamente nos jornais sobre a importância de reformas que nos ajudem a reduzir o curso orçamentário para abrir espaço para gastos sociais e educacionais, nos alertam para os problemas do fim do auxílio emergencial, para a catástrofe ambiental e para o embrolho diplomático que o Brasil se encontra. Entre essas pessoas, estão hoje os melhores especialistas do Brasil. O alcance das suas opiniões, no entanto, é diminuto perto do alcance das palavras do nosso presidente. Ao que parece, nada do que é discutido pelos especialistas importa para quem tem algum poder decisório. Gastamos energia e desperdiçamos capital humano sob a névoa da desinformação promovida pelo governo federal.

É claro que o poder do debate público fica obscurecido. Qualquer plano factível fica obscurecido pela desinformação e falta de foco do próprio governo. Logo, de nada adiante escrevermos sobre a necessidade da reforma tributária, administrativa, planos de vacinação, reabertura de escolas e políticas que combatam o aumento da desigualdade, do desemprego e do desalento se a tecnicalidade não é levada a sério por quem deve coordenar e gerir o país. Não é um problema pontual, mas estrutural deste governo. O espaço para um debate intelectual econômico que gere políticas públicas funcionais no Brasil está diminuído.

*Para os interessados no assunto, recomendo fortemente o livro The Misinformation Age, de Caitlin O’Connor e James Owen Weathrall.


Laura Karpuska é pesquisadora da Escola de Economia de São Paulo da FGV, com doutorado em Economia pela Universidade de Stony Brook. Trabalhou no J.P. Morgan e na BlueLine Asset Management. Coordena o "Podcast das economistas", que busca dar mais voz às pesquisadoras brasileiras e incentivar jovens mulheres à profissão.

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