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Claudio Felisoni de Angelo

Mais do mesmo

Por qualquer lado que se queira ver, as manifestações do Presidente da República sobre o Banco Central não contribuem para a superação dos problemas concretos enfrentados pelo seu governo

Críticas recentes do Presidente Lula ao Banco Central e seu mandatário reforçam a visão negativa do mercado sobre a interferência governamental sobre a autarquia | Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A percepção é um processo seletivo. O que se nota a respeito de algo ou de uma situação depende da perspectiva do observador. Muitos são os fatores intervenientes que afetam a construção da coisa observada. É exatamente o resultado desse processo que resulta nas diferentes opiniões.

Não é o caso de discorrer sobre os elementos condicionantes da percepção e suas consequências. Entretanto, é interessante assinalar que em algumas situações mesmo com percepções diferentes a coisa observada não muda de figura.

De que coisa observada tratamos aqui? Mais do mesmo, ou seja, a discussão da taxa de juros. De um lado o Banco Central, representado pelo seu presidente, Roberto Campos Neto. Do outro, o governo do senhor Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.

Depois de uma trajetória de quedas, o Banco Central resolveu interromper esse ciclo de baixas. As razões: risco fiscal, pressão dos preços e câmbio levaram o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) a interromper o ciclo de redução da Selic. Detalhe: decisão tomada por unanimidade.

Deve-se observar que Lula já indicou quatro nomes do referido comitê. Portanto, em que pese o fato de o Presidente da República ter indicado quatro pessoas, todos os nove votaram pela suspenção da trajetória de baixa.

Muito bem, aí vem a percepção da coisa. Uma primeira interpretação é levar a sério os ataques do Presidente ao Copom, e em especial ao seu comandante. As falas que sustentam essa perspectiva são abundantes, por exemplo: “Problema não é que tem que cortar. Problema é saber se precisa efetivamente cortar ou aumentar a arrecadação. Precisamos fazer esta discussão” (26/06/2024). O que se pode dizer dessa visão? O mercado vem respondendo a essa indagação com a piora dos indicadores.

Porém, pode haver uma segunda interpretação da coisa. O Presidente, em consonância com os profissionais por ele indicados, quis passar uma mensagem de apoio a independência do Banco Central. Dito de outro modo, a mensagem que se quis transmitir seria: apesar das severas críticas de Lula ao BC, os indicados decidiram de forma absolutamente independente. Será mesmo? Essa pergunta amplia e prolonga a instabilidade.

Em síntese por qualquer lado que se queira ver as manifestações do Presidente da República não contribuem absolutamente para a superação dos problemas concretos enfrentados pelo seu governo. Olhe por qualquer perspectiva a coisa é a mesma.


Claudio Felisoni de Angelo é professor e coordenador de Projetos da FIA Business School, ligada à Fundação Instituto de Administração da USP. Preside o conselho Laboratório de Finanças e Programa de Administração de Varejo da FIA. É professor titular do Departamento de Administração de Empresas da FEA/USP e presidente do IBEVAR - Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo.

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