close

Joaquim Levy

O Real pode flutuar?

O desafio agora é dar clareza aos rumos do investimento, reforçando a confiança dos empresários

Transição energética

As possibilidades da transição energética podem ser fulgurantes, como a estreia na bolsa da montadora de automóveis vietnamita – a Vin Fast | Foto: Getty Images

O panorama macroeconômico evolui para a inflação mundial continuar cedendo. Essa queda deve bastante ao aperto dos juros ao redor do mundo. A política monetária tem efeitos defasados e é preciso paciência para obtê-los. Mas ela funciona.

Uma pergunta agora é se a alta dos juros levará a uma recessão, ou a inflação convergirá para as metas sem traumas. Parte da sua resposta está na tensão entre a política fiscal americana – contida em 2022 e mais expansionista em 2023 – e o impacto dos juros no sistema financeiro americano, além dos efeitos da transformação do mercado de trabalho nos EUA.

O déficit federal americano em dólares constantes foi em 2022 uns 15% abaixo daquele em 2019. Já em 2023 ele deve subir para US$ 1,5 trilhão devido à queda de receitas, programas de gasto e maior pagamento de juros. Essa expansão explica parte da “resiliência” da economia americana que tem intrigado o mercado. Ela começou em janeiro com o corte de impostos em Estados republicanos com as finanças folgadas pelas transferências federais da época da covid, e continua com o aumento do déficit federal nos últimos meses.

Essa virada foi obscurecida pelo pulo que o déficit federal pareceu dar no final do ano fiscal de 2022, quando se imputou a ele o custo que o perdão da dívida dos estudantes teria ao longo das próximas décadas. Esse efeito contábil sumiu quando a Suprema Corte americana julgou o perdão inconstitucional, trazendo o déficit de 2022 para menos de US$ 1 trilhão. Essa evolução ganhou destaque quando o recente corte na nota de crédito da dívida americana foi justificado pelo salto do déficit federal de 4% do PIB para 6% em um ano.

Do lado contracionista, os juros do Fed estão cerca de 2% acima da inflação, muito além dos juros neutros nos EUA. O impacto dos juros altos nos bancos médios e pequenos – que são aqueles que dão capilaridade ao crédito – cresce por conta de dois efeitos. O primeiro é que a subida de juros deprimiu o valor dos títulos públicos que muitos bancos compraram como resposta ao aumento de depósitos durante a covid, como ficou claro para o Silicon Valley Bank. Após o susto de março, a fuga de depósitos tem sido evitada, mas o capital dos bancos continua sendo erodido, o que diminui sua capacidade de emprestar.

O outro canal é a grande exposição desses bancos ao financiamento de escritórios e lojas. As mudanças das formas de trabalho e consumo têm esvaziado muitos desses imóveis, e o seu refinanciamento a taxas mais altas tem criado estresse – o que também retrai a oferta de crédito. Esses dois fatores e a recente disparada dos juros longos podem esfriar a economia americana mais fortemente no final do ano, beirando uma recessão. Isso levaria o Fed a modular a política monetária em novembro, indicando cortes de juros em 2024. Essa possibilidade seria reforçada se a acomodação do mercado de trabalho americano via maior produtividade pela adoção de novas tecnologias e arranjos de trabalho identificadas pelo time macro do Banco Safra se mostrar robusta.

Ao possível esfriamento nos EUA se somam os desafios da economia chinesa, onde a confiança do consumidor parece fraca, o setor imobiliário problemático, a infraestrutura às vezes redundante, e as exportações com menos espaço em um mundo em que a demanda por bens industriais tem minguado. A prioridade do governo chinês agora parece ser evitar que essa desaceleração se transforme em uma crise financeira, dado o alto endividamento dos agentes econômicos. A retomada da China deve ser, portanto, gradual.

E o Brasil? O preço das commodities deve declinar, sem despencar, mesmo que uma freada nos EUA dê um pouco de susto. Pelos modelos do Banco Safra, a exportação de minério de ferro não sofrerá tanto com a contração da construção de moradias na China e da demanda por eletrodomésticos, ou com as vendas de automóveis fracas, até pelo maior teor de ferro do nosso minério, que implica em menos emissões de CO2 por tonelada de aço. O preço da soja vai se acomodar, mas a produção ainda crescerá. E as exportações de petróleo devem aumentar. Esse quadro não é ruim para o real, se os juros mundiais ficarem estáveis e a política econômica brasileira não se deteriorar.

O real em 2024 deve ser influenciado também pela trajetória da Selic e a ampliação das oportunidades de investimentos no Brasil. Juros mais baixos depreciam a moeda, enquanto mais oportunidades atraem capitais e fortalecem o real, facilitando a convergência da inflação para a meta em 2024. Portanto, o desafio agora é dar clareza aos rumos do investimento – reforçando a confiança dos empresários, que geralmente aumenta quando as vendas melhoram com a queda dos juros.

Vai-se formando a convicção de que a reforma tributária, o reforço da arrecadação sem criar fricções excessivas e a “transição ecológica” são um tripé para estimular o investimento privado e o crescimento nos próximos anos. É em parte o que o PAC também procura sinalizar.

As possibilidades da transição energética podem ser fulgurantes, como a estreia na bolsa da montadora de automóveis vietnamita – a Vin Fast. Mas, mesmo sem acrobacias, a criação de valor com automóveis de tração elétrica é grande. No Brasil, essa tração pode contar com três maneiras complementares de carregar a bateria que alimenta o motor elétrico. A primeira é com um gerador de combustão interna embarcado e movido a etanol ou mesmo gasolina, a segunda puxando eletricidade da rede pública e a terceira por uma célula de hidrogênio obtido a partir do etanol.

A primeira é a que pode crescer mais rápido em todo o país, mas o Brasil também será vencedor com a gradual adoção das outras duas. Há ainda oportunidades imediatas para a indústria local com ônibus elétricos nas grandes cidades e a expansão dos eixos ferroviários oeste-leste, entre tantas que, se sistematizadas, podem logo mobilizar o setor privado e ancorar a moeda. Essa discussão está vibrante e já envolve economistas estrangeiros que reconhecem as possibilidades do Brasil e confiam na capacidade da sociedade fazer escolhas construtivas e inclusivas na boa hora.

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico.

Abra sua conta no Banco Safra.


Joaquim Levy é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Ex-Ministro da Fazenda, Levy é engenheiro naval pela UFRJ, mestre pela FGV e PhD em economia pela Universidade de Chicago. Tendo sido CFO e Diretor Gerente do Banco Mundial e Vice-Presidente de Finanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele foi Presidente do BNDES e Secretário do Tesouro Nacional do Brasil, além de ter trabalhado no mercado financeiro, tendo sido responsável por uma das principais gestoras de ativos do país.

Assine o Safra Report, nossa newsletter mensal

Receba gratuitamente em seu email as informações mais relevantes para ajudar a construir seu patrimônio

Invista com os especialistas do Safra