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Maroni João da Silva

A cultura digital demanda um novo design organizacional

Empresas devem dar prioridade a valores considerados pilares da cultura organizacional que inspirem o protagonismo das pessoas e a inovação

Vida digital

Na carreira inteligente, o centro é o indivíduo e seu aprendizado é necessariamente constante e contínuo | Foto: Getty Images

O desalinhamento entre competências comportamentais e a pressão por soluções disruptivas destaca-se atualmente em algumas empresas brasileiras como um grande entrave para a decolagem da transformação digital no mundo corporativo.

O gargalo é fruto tanto do despreparo como do descomprometimento de uma parcela dos colaboradores com as condições culturais que facilitem a implementação dessa mudança tecnológica. O descompasso é alimentado principalmente por práticas de gestão de RH de perfil conservador, que não condizem com a necessidade de um capital humano capacitado, motivado e flexível.

Diante desse cenário, evidencia-se um risco potencial de que as empresas que não reagirem assertivamente contra as consequências negativas do mundo Vuca sejam atraídas pelos concorrentes ou simplesmente banidas da nova geografia dos negócios globais.

Tal ameaça é agravada pela perplexidade de algumas companhias frente a necessidade urgente de mudanças no modus operandi, contemplando a interface entre ferramentas inteligentes no monitoramento dos negócios e a gestão estratégica de pessoas.

Por exemplo, boa parte das empresas médias brasileiras (37%) está menos preparada para enfrentar esse desafio. Por outro lado, mais de 60% das pequenas e grandes buscam ainda adequar seus respectivos modelos de gestão e trabalho.

Os números são de uma pesquisa da consultoria de RH Robert Half e do Núcleo de Estudos de Comportamento Organizacional e Gestão de Pessoas do Insper, divulgada no segundo semestre de 2021. No total, foram ouvidos 300 executivos do Brasil incluindo representantes de empresas de capital aberto e fechado.

Na indústria, em particular, a questão parece ser mais qualitativa do que quantitativa, ou seja, matematicamente, a digitalização vem crescendo, mas sua eficácia nem tanto. De acordo com a CNI, nos últimos cinco anos, 69% das empresas aderiram a novas tecnologias.

Contudo, não existe uma simetria entre a digitalização e o uso efetivo das inovações mais disruptivas. Dentre os setores líderes na implementação de recursos digitais destacam-se os que operam com aplicação intensiva de tecnologias e os que são pioneiros nessa adoção.

Não é propósito deste artigo inventariar todos os prós e contras de um processo de mudança organizacional. A intenção é alertar sobre os riscos do avanço tecnológico nas empresas que priorize o hardware em detrimento do soft, o qual permeia a cultura organizacional de cima abaixo por meio da dimensão humana.

Os efeitos positivos da digitalização são inquestionáveis, quando se observa, por exemplo, a possibilidade de despertar habilidades humanas via sensores e logaritmos que potencializam competências.

Por outro lado, ferramentas inteligentes também empoderam pessoas, flexibilizando regras e hierarquias. Com isso proporcionam ganhos de eficiência operacional e fomentam práticas relacionais mais equilibradas entre capital e trabalho.

Contudo, sob a perspectiva organizacional, a migração de um estágio tecnológico para outro deve ser gerenciada culturalmente. Para que seja bem-sucedida, a transição terá que contemplar certas crenças e pressupostos cultuados pela empresa que sirvam de aporte à cultura de negócios demandada pela mudança disruptiva.

Na prática, deve-se priorizar valores que se constituem em pilares da cultura organizacional, mas que inspirem o protagonismo das pessoas em favor da inovação. É o caso, por exemplo, de pinçar na memória organizacional fragmentos de histórias de sucesso que marcaram o pioneirismo dos fundadores,

Na sequência, recomenda-se a implementação de tecnologias de gestão, de perfil simbólico, capazes de reforçar a sinergia dessas representações com os objetivos estratégicos da digitalização.

Dentre elas destacam-se rituais e dinâmicas motivacionais capazes de ressignificar tradições e ideias do passado. Esse esforço tende a reciclar a cultura organizacional da mesma forma que opera como prática de treinamento e desenvolvimento de pessoas com foco no RH estratégico.

Com base nos fatos e ideias aqui relatados proponho a institucionalização nas empresas de uma espécie de novo design sociocultural. Trata-se de um jeito novo de aprender, desaprender e reaprender.

Com esta receita busca-se também a construção de um imaginário organizacional diferenciado. Ou seja, que inspire as pessoas a serem não apenas mais engajadas, mas sobretudo, ousadas e com maior disposição e coragem para errar e acertar.

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@maronisilva é jornalista, escritor, Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, sócio-diretor da Textocon, Comunicação & Cultura Organizacional, autor dos livros Magazine Luiza – Negócio e Cultura e O lado místico do comércio, além de coautor de Gestão de Pessoas no século XXI: Desafios e Tendências para além de modismos.

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