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Renata Taveiros de Saboia

A nova moda do vinho e das escolhas financeiras

Partes do sistema emocional, que trazem para a mesa fatores como reputação, tradição e qualidade têm um peso enorme na decisão final acerca da avaliação de uma experiência e de decisões sobre finanças

Close de mãos de casal brindando taças com vinho tinto dentro

A percepção subjetiva que traz a sensação de confiabilidade mais em um vinho do que em outro determina, por exemplo, a preferência por um gestor de um fundo de investimentos em detrimento de outro | Foto: Getty Images

Outro dia eu fui ao supermercado e estava disponível para degustação um novo lançamento: três litros de vinho vendidos numa caixa com uma torneirinha para fazer escoar a bebida de dentro do saco plástico, no interior do reservatório.

Beber e degustar vinhos deixou de ser exclusividade de enólogos e viajantes internacionais e passou a estar disponível para todos, nos mais diferentes preços e formatos, além da garrafa. Nasceram vinhos vendidos em latas e agora, em caixas.

Há pouco tempo, vinhos de boa categoria e premiados, inclusive, só eram encontrados em vinícolas europeias e em alguns poucos países da América do Sul. O Brasil estava fora desta lista.

O glamour envolvido em descobrir os sabores escondidos, apreciar o corpo e o bouquet e observar o escorrer da lágrima deram lugar a uma experiência rotineira. É possível tomar um vinho nos mais diversos ambientes, desde um restaurante sofisticado até uma lanchonete.

A garrafa e a rolha também fazem parte do pacote. Muitos de vocês, leitores, vão se lembrar desta história.

Havia um tempo, aqui no Brasil, quando não se dispunha de importação de bebidas, que o comerciante de um dos únicos vinhos estrangeiros resolveu solicitar à vinícola produtora que engarrafasse este vinho branco numa garrafa azul. Na Europa, ele era vendido numa garrafa da cor de costume dos vinhos brancos.

Porque garrafa azul? Porque ela criava uma ilusão de sofisticação, de algo realmente diferenciado e especial – importado! A aposta do importador foi acertada. Ele se cansou de tanto vender o vinho. “Aquele… da garrafa azul…”.

E o recipiente para avaliar e usufruir da qualidade da bebida?

Nas mãos dos conhecedores, a taça de cristal é fundamental, inclusive com tamanhos e formatos específicos para cada tipo de vinho e de uva. Nas lanchonetes copos de vidro são suficientes e em eventos grandes, copos de acrílico, plástico e até latas resolvem a situação.

Sem falar nas rolhas, antes de cortiça, que era observada, tinha seu aroma aspirado e ficava exposta sobre a mesa numa salva de prata. Foram substituídas por rolhas sintéticas, de vidro, ou ainda, por tampas metálicas de rosca.

Mas, a pergunta que não quer calar é: será que o recipiente e o contexto influenciam o apreço que os consumidores experimentarão ao tomar um vinho?

Antes de me voltar à ciência dedicada a responder esta pergunta, vou compartilhar meu próprio experimento.

Minha família e eu estávamos numa apresentação de cavalos onde só se podia usar copos de materiais não cortantes: acrílico, plástico e descartável. Nada de vidro ou cristal.

A turma, no entanto, aprecia um bom vinho. Trataram de levar um daqueles bem conceituado pelos sommeliers. Oportunidade única para um experimento de ciência do comportamento.

Veja bem, caro leitor, não se trata de fazer uma degustação às cegas para dar uma nota ao vinho. Eu queria mesmo era saber se os envólucros e diferentes recipientes iriam alterar, conscientemente, a percepção da agradabilidade do vinho. Tudo às claras, mas contando com a sinceridade dos meus partícipes.

Abrimos o vinho contido numa garrafa de vidro com uma rolha de cortiça – aquele trazido pelos amantes de vinho e fomos aos testes.

Começamos com um copo de plástico descartável.

As percepções foram: “ah… ok… bom…”.

Depois passamos a uma taça de champanhe de plástico com o logo do evento.

Avaliações: “é, está um pouco melhor, mas não dá exatamente para ver a cor do vinho e sentir o bouquet…”.

Em seguida, foi a vez da taça de plástico transparente para vinho com a grife de uma distribuidora renomada.

E agora: “ah! Melhorou! Já dá para apreciar mais os aromas, o vinho “abriu” mais… mais simpático…”.

Infelizmente, não havia taças de cristal…

Conclusão: apesar de, inicialmente, todos terem duvidado da minha declaração de que a apresentação e a forma de degustação alteram a opinião a respeito do vinho, ao final, eles mesmos puderam experimentar e comprovar que a ciência estava certa: todos atestaram sentir de forma diferente dependendo do copo em que tomaram a bebida.

Estava lá, ainda, um empreendedor inaugurando sua produção de vinhos em lata. Provamos também, tomado diretamente na lata.

Veredito: “ah! Esta é outra bebida. Boa para uma ocasião diferente, para jovens, como uma alternativa para a cerveja na balada ou na praia”.

Espera, Renata! O que esta história sobre vinho está fazendo num artigo sobre economia, num portal de uma instituição financeira? Explico.

Nós costumamos minimizar o papel do contexto nas nossas decisões econômicas e de consumo. Achamos que seremos capazes de discernir e mensurar o valor de alguma coisa por si só, independentemente de onde ela está inserida, a quem pertence ou quem aderiu a ela, de quem gostou e dissemina a boa qualidade do produto.

Este é um grande engano! Dependendo do ambiente, da roupagem e do enquadramento mudaremos nossa avaliação e nossa percepção subjetiva a respeito daquele item e estaremos dispostos a pagar mais por isso.

Por que acontece? Porque ao processar todas as informações envolvidas numa experiência, não engajamos somente a parte que faz o processamento primário vindo dos sentidos físicos. Partes do sistema emocional, que trazem para a mesa fatores como reputação, tradição, sensação de pertencimento a um grupo e expectativas a respeito da qualidade do produto têm um peso enorme na decisão final acerca da avaliação da experiência. E altera, claro, nossa disposição de pagar um preço que nos parecerá justo para desfrutá-la. Ela tem valor.

O interessante é que este modo de funcionar na tomada de decisão também se aplica à escolha de produtos financeiros, assessoria de investimentos e instituições financeiras emissoras de títulos de crédito, por exemplo.

É a percepção subjetiva que traz a sensação de confiabilidade mais em um do que em outro, assim como determina, por exemplo, a preferência por um gestor de um fundo de investimentos em detrimento de outro que poderia até oferecer uma perspectiva de maior rentabilidade. O mesmo vale para outros tipos de produtos financeiros e para a escolha das ações que vão compor uma carteira. E, claro, justifica a disposição de pagar mais por estes produtos ou serviços financeiros diferenciados.

O que fazer agora que você sabe disto? Procurar ser o mais isento possível na avaliação do produto, gestora ou instituição financeira. Procure por evidências objetivas, lógicas e racionais para fazer o seu julgamento.

Vá atrás, ainda, de evidências e opiniões contrárias à sua hipótese e a sua preferência, para saber se elas trazem novas informações que alterem sua opinião.

Cautela, crítica, reflexão e critérios consistentes nunca sairão de moda!

Quer saber mais sobre a ciência por trás da avaliação mudar dependendo do copo? Dá uma olhada neste vídeo da National Geographic.

E se o intelecto ainda estiver com fome de informação, este artigo vai satisfazer: “Marketing actions can modulate neural representations of experienced pleasantness”, de Hilke Plassmann, John O’Doherty, Baba Shiv, e Antonio Rangel.

Ainda duvida? Explore suas últimas escolhas financeiras com sinceridade… E aproveite o final de semana para fazer o teste do vinho com sua família e amigos!


Renata Taveiros de Saboia é fundadora da Jeté Consultoria, empresa pioneira na aplicação dos insights da economia comportamental e neurociências dentro das organizações. É economista pela FEA-USP, especializada em Economia Comportamental aplicada à Marketing pela Yale University, pós-graduada em Neurociência pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa. É professora de Neuroeconomia nos cursos de Pós graduação da FGV, FIA, Santa Casa e Einstein. Membro da Society for Neuroeconomics,. Foi bailarina, origem do interesse em desenvolver pessoas com disciplina e excelência.

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