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Roberto Duailibi

Roberto Duailibi

Meu amigo José, de menino-banqueiro a banqueiro dos banqueiros

Era um homem simples com ideias e ideais sofisticados. Ele via os negócios de uma forma que o mais preparado dos consultores não conseguia.

No tempo em que a rua Barão de Itapetininga era chic, tive a sorte de ser contratado como redator numa agencia com escritórios na galeria Califórnia. O ano era 1955 ou 56 e eu tinha 21 anos.

Ao fim do expediente, costumávamos ir a uma padaria que ficava na esquina da Praça da República. Numa das tardes, vi um grupo de cinco jovens, super bem vestidos, conversando entusiasmados em árabe. Pareciam felizes por algum reencontro, e falavam em voz alta e alegre. Contrastavam com o ambiente ao redor, por seus ternos de corte elegante, gravatas, calçados brilhantes. Eram também jovens de 20, 25 anos.

Não pareciam os sírios e libaneses que eu conhecia da imigração. Eram evidentemente pessoas bem sucedidas e não teriam vindo de alguma aldeia do Oriente Médio. Imaginei que teriam passado pela Europa antes de aportar no Brasil.

Meses depois, nossa agência recebe um convite para atender uma corretora no edifício Conde Prates, na Líbero Badaró, do outro lado do viaduto. O único contato foi indicado para visitá-la e ele resolveu me levar junto.

Ao entrar no escritório, reconheci os jovens que falavam árabe naquela tarde. Ficamos sabendo que se chamavam Safra e haviam decidido adotar o nome para a empresa, por suas associações positivas. Fomos apresentados a dois deles, os irmãos Edmond e José.

Voltamos para a agência e o contato fez um relatório dizendo que não valeria a pena atender a conta. Uma cópia foi mandada para o José, que era o responsável de começar um programa de divulgação.

José ficou furioso com o relatório. Ao invés de ligar para o dono da agência, ou para o contato, resolveu ligar para mim. “Se a sua agência não quer trabalhar conosco, eu quero que você trabalhe”.

Por termos a mesma idade, tratávamo-nos de maneira informal. Ele me chamava de Roberto e eu o chamava de Zé, o que ele gostava.

Na primeira reunião que tivemos — na verdade dois garotos — José disse-me que a garantia de solidez do seu negócio, era sua liquidez superior à soma de todos os depósitos. Citava a frase do pai, que comparava um banco a um barco que, mais cedo ou mais tarde, enfrenta tempestades. E essas, no Brasil, foram muitas – planos econômicos, mudanças de moedas, impeachments, ministros diversos – mas seu banco passou por todas.

Gostava que nossas reuniões fossem depois do expediente, quando contava histórias de sua infância em Beirute, que ele lembrava com saudade e nostalgia. Recordava-se da casa de seus pais, no bairro de Wadi Abou Jamil. Orgulhava-se da figura sempre elegante do pai, e do respeito que inspirava na comunidade.

Continuava trabalhando ao fim do dia, recebendo os diretores, muitos dos quais começaram com ele, e outros que vieram de carreiras brilhantes.

José se orgulhava de ter começado a trabalhar no banco do pais com 12 anos de idade e aos 14 anos já haver captado a essência do negócio, a importância dos contratos e as necessidades dos clientes mais importantes. Chamavam-no de “menino banqueiro”.

Ele mantinha a amizade com alguns colegas da escola de Brighton, na Inglaterra, para onde foi mandado quando a situação no Oriente Médio mudou. Venerava a família e adorava sua mulher Vicky. Aliás, sem querer, testemunhei o primeiro jantar dos dois, antes mesmo de serem namorados, no Guarujá.

Apesar do fato de que seu banco não era nosso cliente, sempre que sua secretária me ligava para atender a alguma reunião, eu atendia com prazer. Era sempre agradável entrar em seu andar, e aspirar o aroma das velas. Havia um sentimento recíproco de amizade, mesmo sem interesse.

José era um homem simples com ideias e ideais sofisticados. Se preocupava com os problemas do Brasil e não média esforços em ajudar em projetos que favorecessem os mais necessitados. Era um amigo leal e homem de família. Como já disse, dedicava-se à esposa Vicky e aos filhos e netos com devoção. E tinha uma capacidade de trabalho descomunal. Ele via os negócios de uma forma que o mais preparado dos consultores não conseguia.

Eu admirava o empenho de José aos projetos, sobretudo os benemerentes. No caso da sinagoga Beit Yaacov, por exemplo, fez questão de examinar pessoalmente modelos dos bancos de madeira, indo à marcenaria que os produzia. Os casamentos na família eram sempre grandes eventos. E o nascimento de cada filho era festejado com muita alegria. Admirei o tempo que dedicou à compra do Banco Sarasin, chegando ao detalhe de escolher como seria a fusão das duas marcas.

Essas reuniões prolongaram-se por 60 anos, sem que José fosse nunca considerado cliente. Nos conhecemos, portanto, a trabalho. Ele começava sua vida de banqueiro em São Paulo e eu, jovem redator publicitário, trabalhava na então a maior agência brasileira.

Muitos anos mais tarde, José já considerado “o banqueiro dos banqueiros”, costumava brincar com ele, dizendo: “Ô Zé! Começamos juntos, mas você progrediu muito mais do que eu” – e ele ria.


Roberto Duailibi é um dos principais publicitários brasileiros. Sócio-fundador da lendária DPZ, é escritor, professor e um dos mais requisitados palestrantes brasileiros. Foi professor e diretor da ESPM, é o decano do Conselho da Instituição e membro da Academia Paulista de Letras.

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