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Renata Taveiros de Saboia

O poder das narrativas

Ideias e histórias se espalham com facilidade, sejam elas verdadeiras ou não, e influenciam a decisão dos agentes econômicos, como nós

Investimentos são voláteis e estão sempre sujeitos aos movimentos de mercado. Porém, ao longo da história, pessoas são seduzidas pela promessa de ganho fácil, motivadas pelas narrativas de sucesso de alguns indivíduos | Foto: Getty Images

Fevereiro de 2022. Mais precisamente, dia 25. A Rússia invade a Ucrânia. O veredito está dado. O conflito seria resolvido em, no máximo, poucas semanas.

A Ucrânia sucumbiria ao poderio militar da Rússia e o objetivo de se aproximar do ocidente, como uma nação soberana, estava fadado ao fracasso.

Abril de 2022. O conflito persiste, contra todas as previsões. E mais, as nações ocidentais, uma após à outra, foram se posicionando ao lado da Ucrânia e impondo sanções cada vez mais sérias à Rússia. Até empresas privadas, não relacionadas aos governos, suspenderam suas atividades no país.

Eu não sou analista e o objetivo desse artigo não é discutir política internacional. É claro que existem muitas segundas intenções e estratégias políticas orientando as decisões de todos os lados. E, claro, cada um conta a sua história.

É sobre isso que quero escrever hoje. Será que, de alguma forma, as histórias que contamos sobre os grandes eventos mundiais influenciam o desenrolar deles? E mais ainda, a economia mundial? Costumamos pensar que não.

Quando se trata da pandemia, conseguimos entender, com certa facilidade, as repercussões econômicas. Falta de produtos por conta das paralisações e excesso de dinheiro nas economias devido às ajudas emergenciais. Resultado: inflação e subida de juros.

Mas, e no caso surpreendente da guerra Ucrânia e Rússia? Robert Shiller, ganhador do Nobel de economia de 2013, nos traz uma ideia intrigante.

Ele estuda como as narrativas a respeito dos principais eventos econômicos podem se tornar contagiosas, “virais” em suas palavras e afetar o curso dos acontecimentos.

Segundo ele, isso acontece pois “uma história não é somente uma representação usada para dar uma explicação ou justificativa” para um fato ou período histórico.

Histórias contém emoção, personagens, arquétipos, “heróis”, com os quais nos identificamos e pelos quais torcemos. Encontramos todos os tipos de aventuras e desventuras nelas!

Elas disparam, rapidamente, narrativas que, de alguma forma, “contribuem para a mudança de espírito dos tempos”, diz Robert Shiller em seu livro “Narrativas Econômicas”.

Essa característica contagiante se torna mais forte quando as pessoas sentem um laço pessoal com a raiz da história e seus envolvidos, sejam eles personagens fictícios ou pessoas reais que se tornam celebridades.

Ideias se espalham com facilidade, sejam elas verdadeiras ou não. Basta lembrar de 2008, onde a ideia de que pessoas ficavam milionárias, da noite para o dia, investindo em imóveis e que seus preços jamais cairiam, criou uma grande bolha financeira que, ao estourar, levou muitas instituições de renome à banca rota.

Sabe-se que investimentos são voláteis, alguns mais, outros menos. Estão sempre sujeitos aos movimentos de mercado. Porém, essas pessoas foram seduzidas pela promessa de ganho fácil, motivadas pelas narrativas de sucesso de alguns indivíduos.

Para mim, que sou neuroeconomista, o assunto é fascinante. Estamos falando de seres humanos, com toda a sua complexidade, que tomam decisões, ao contrário do que sempre acreditamos, a partir de sua emocionalidade – processam os estímulos externos no sistema límbico.

O que isso significa e tem a ver com a guerra?

No meu ponto de vista, houve um momento crucial: quando o presidente Zelensky aparece num vídeo, gravado por um celular, vestido com camiseta e moletom de cores do exército ucraniano, tendo como fundo o céu escurecido de Kiev e seus prédios administrativos.

A mensagem era a de que, ao contrário do que diziam, o presidente não tinha fugido com sua família. Estava lá. “Estamos todos aqui e vamos defender o nosso país” – disse ele em seu discurso.

Sua fala provocou uma grande comoção, tanto no povo ucraniano, que se sentiu apoiado e inspirado a lutar pela manutenção de suas vidas, suas casas, seu trabalho e tudo que haviam construído, quanto na opinião pública em geral, que acabou pressionando os governos de seus países a se posicionarem e a fazerem alguma coisa em relação à situação da Ucrânia, vista e sentida como uma vítima vulnerável, porém, extremamente valente e forte.

O presidente se tornou uma figura representativa destes ideais e comprometido com seus conterrâneos. Não abandonou o barco, se salvando e deixando o país à deriva.

Os grandes reis da época medieval estavam à frente na linha de batalha durante as guerras, “arriscando a própria pele”, como diz Nassim Taleb em seu livro com o mesmo título. Esse comportamento provoca não só respeito, mas comprometimento, lealdade e uma crença profunda de que morrer pela causa é uma atitude nobre e faz sentido. Desde que, o líder esteja ao lado das pessoas e não trancado em segurança em alguma torre inatingível, olhando de longe o circo pegar fogo e milhares de pessoas morrerem. Zelensky estava lá, não se esquivou.

Quer conferir? Assista à série “Vikings”, no Netflix, meu vício atual, que retrata perfeitamente esse conceito.

O presidente da Ucrânia criou, intencionalmente, ou não, uma narrativa extremamente emocional, gerando todo tipo de sentimentos nas pessoas ao redor do mundo. E Putin? Acabou ficando no lugar de vilão da história. Aqueles que todos odeiam e temem, mas que sem ele, história nenhuma teria graça. No conflito Rússia e Ucrânia, quem tem a razão? Nunca saberemos… sabemos, porém, que foi Zelensky que conquistou a empatia do mundo ocidental.

Essa narrativa começou, então, a impactar nas decisões econômicas. Na Alemanha, por exemplo, o orçamento militar triplicou, medida considerada arriscada desde o final da segunda guerra, devido, mais uma vez, à narrativa que perdura a respeito de um possível perigo da existência de um exército forte e bem equipado no país. Nem preciso explicar aqui o porquê.

Como é, então, que toda a narrativa desse artigo pode ser útil à você, caro leitor? E para suas decisões financeiras?

Em primeiro lugar, saber que as histórias contadas têm o poder de modificar nossa visão a respeito dos fatos. Imparcialidade não existe.

Em segundo lugar, abrir nossos olhos para nossa vulnerabilidade e nos fazer prestar bastante atenção aos contos nos quais estamos caindo e na lábia de quem. Sejam eles políticos, advogados, economistas, conselheiros e até mesmo nossos filhos! Esses são os piores!!!

E, em terceiro lugar, na hora de tomar uma decisão, verificar nosso estado emocional. Como estamos nos sentindo? Confiantes demais? Apreensivos? Pessimistas? Vitoriosos? Qual história que acabamos de ouvir ficou registrada e está influenciando o julgamento que faremos a respeito de um fato, uma pessoa, uma projeção econômica da situação do país, um produto financeiro?

Como exemplo, nós, brasileiros, podemos citar a nossa familiaridade com a inflação, criando uma tal de “inércia inflacionária”. Basta pensar que a guerra na Ucrânia ou a pandemia vai causar uma subida nos preços, que já saímos por aí aumentando os preços, para nos protegermos da velha história inflacionária.

E a profecia se auto realiza…

Sim, guerra e pandemia provocam impacto nos preços, mas será que, se não tivéssemos essa memória inflacionária na nossa história, esse fenômeno teria outro curso?

Nem tudo é negativo, no entanto. Graças à essa mesma memória inflacionária o Brasil saiu na frente, aumentando rapidamente a taxa de juros, o que atraiu bastante capital estrangeiro – especulativo, é verdade – dando um fôlego à nossa taxa de câmbio, ajudando, mesmo que só um pouquinho, a nossa economia.

Para terminar, te faço um convite: quais são as narrativas que estão impressas nas suas memórias e nas suas emoções que, apesar de muitas vezes você desconhecer, influenciam suas decisões?

Quais as histórias que te contaram e que te contam hoje, que te deixam encantado, caro leitor, sonhando com heróis, vilões, aventuras, desafios e sucessos que provocam aquela adrenalina no corpo e sorriso nos lábios? Olho vivo!


Renata Taveiros de Saboia é fundadora da Jeté Consultoria, empresa pioneira na aplicação dos insights da economia comportamental e neurociências dentro das organizações. É economista pela FEA-USP, especializada em Economia Comportamental aplicada à Marketing pela Yale University, pós-graduada em Neurociência pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa. É professora de Neuroeconomia nos cursos de Pós graduação da FGV, FIA, Santa Casa e Einstein. Membro da Society for Neuroeconomics,. Foi bailarina, origem do interesse em desenvolver pessoas com disciplina e excelência.

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