A virada do ano eleitoral não trouxe alterações significativas no quadro, e as pesquisas continuam apontando o ex-presidente Lula em liderança isolada, com vinte pontos de diferença em relação ao segundo colocado, Jair Bolsonaro – situação na qual seria hoje eleito em primeiro turno. Muita coisa pode acontecer em nove meses, mas mesmo os politicamente negacionistas que há meses sonham com a disparada de um candidato da terceira via estão sendo obrigados a trabalhar com a hipótese de um novo governo Lula a partir de 2023. Agora, há uma enorme ansiedade desses setores, que cobram definições programáticas do petista e tentam descobrir “qual Lula” subirá rampa do Planalto se vencer a eleição.
Pura perda de tempo. O ex-presidente não irá apresentar tão cedo um documento fechado, aquilo que se convencionou chamar de programa de governo, com diretrizes detalhadas sobre a condução da economia e etc. Para dar alguma satisfação ao distinto público, colocou um bando de economistas e políticos do PT para discutir o tema – mas, até por isso, não se deve esperar resultado tão cedo, pois do jeito que esse pessoal briga, pode chegar a eleição e não haver programa nenhum.
E por que Lula não tem pressa em acalmar os ânimos, apresentando de uma vez um programa equilibrado, com ênfase no social e no crescimento com investimento público, mas mantendo a responsabilidade fiscal? Dez entre dez políticos e ex-auxiliares apostam que é isso que virá. Mas o ex-presidente tem uma gestação política de nove meses a administrar, está negociando alianças e não quer levantar polêmicas antes da hora. Vai lançando uma proposta aqui, outra ali, ao sabor da conjuntura do momento. Da mesma forma como articula a aliança com o ex-tucano Geraldo Alckmin para vice, agradando aos mais moderados, Lula fala para alas mais radicais do PT, e sobretudo para atrair o PSOL, quando defende a revogação da reforma trabalhista de Michel Temer. Um lote na lua, já que depende de um Congresso que nem foi eleito ainda.
Acima de tudo, quem conhece o ex-presidente sabe que o programa de governo de Lula é Lula. Governou oito anos e saiu com 86% de aprovação, elegendo a sucessora. Nesse período, distribuiu renda, reduziu a pobreza e criou uma nova classe média com acesso à universidade e ao consumo. Mas não rompeu com a responsabilidade fiscal, exibiu seguidos superávits, acumulou reservas e manteve excelentes relações também com o andar de cima – que agora, sabe-se lá por que, parece desmemoriado em relação a esse período.
O Lula que subirá a rampa, se subir, é o mesmo sujeito pragmático que, depois de 580 dias de cadeia, deu de novo uma volta no destino. Mais amargurado e ressentido? Pode até ser. Mas é grandinho o suficiente para saber que não se governa com o fígado, por mais que a campanha eleitoral exija declarações bombásticas e posicionamentos mais radicais, quase sempre superdimensionadas pelos adversários e pela mídia. Mas por trás disso tudo está o Lula de sempre.