A COP27 no Egito, como todas as anteriores, terminou nos deixando uma noção do tamanho do desafio que temos pela frente. Nas palavras do secretário da ONU, Antonio Gutierrez, “estamos perdendo a batalha contra as mudanças climáticas”. As coisas nesse sentido não estão indo como gostaríamos e por isso temos muitos motivos para nos preocuparmos.
A lista de problemas é imensa e questões políticas, como de praxe, bloqueiam o progresso. Com isso em mente, na semana passada, fui convidada para falar em um evento de uma comunidade local no norte de Londres, onde moro, para ajudá-los a entender o que está acontecendo lá. Além do panorama geral, a pergunta que me pediram para responder foi: há algo que nos dê esperança e nos impeça de nos desesperar ou ficar deprimidos?
O otimismo climático está em falta, então este é um texto sobre seis grandes razões para sermos otimistas na luta contra o aquecimento global. Pensei nessa narrativa porque a ansiedade climática é uma realidade: a angústia relacionada às preocupações com os impactos climáticos é generalizada. Nos sentimos impotentes diante de crises de proporções épicas que se manifestam por meio de inundações bíblicas, secas cruéis e ondas de calor poderosas, com consequências em nossas vidas diárias e meios de subsistência. De fato, esta é, até agora, a década de frases como “desde que os registros começaram”, “pela primeira vez na história humana”, “milhões afetados”, “quebrando vários recordes”, “sem paralelos registrados na história” e possivelmente a frase da década: “sem precedentes” – mais uma razão para focar em por que podemos ser otimistas em relação ao futuro, pelo menos em um sentido relativo.
Saliento que poderia ter sido pior e o aquecimento de 2°C, por exemplo, é muito melhor do que o aquecimento de 2,5°C! Sim, algum aquecimento já está acontecendo, provavelmente 2°C ou mais, mas o desafio está aí e você pode fazer algo a respeito.
A seguir estão essas seis razões listadas, sem uma ordem em particular.
1 – Leis ambientais
A primeira é Legislação. Vários governos estão demonstrando coragem para fazer algo sobre as emissões de Gazes de Efeito Estufa (GEE). Isso é novidade. Recentemente, países que não estavam agindo neste campo, como Estados Unidos e Austrália, mudaram o rumo. A Austrália tem uma população pequena em relação aos EUA e Europa, mas é o terceiro maior exportador de combustíveis fosseis e, portanto, uma contribuição importante para a destruição do planeta.
Ambos aprovaram legislação climática com a intenção de agir, finalmente – talvez não definitivamente, mas com muita credibilidade – na redução de emissões. Os EUA, por exemplo, oferecem agora créditos de taxas para energias renováveis e veículos elétricos. O Inflation Reduction Act de 2022 sinaliza que a sociedade deve “eletrificar” suas vidas, em direção a um sistema doméstico solar com créditos que reforçam mutuamente energia solar doméstica, baterias, reembolsos para veículos elétricos, heat pumps, fogões de indução elétrica e atualização de sistemas elétricos domésticos. Com isso, está demostrando como vai reduzir suas emissões até 2030. Não só EUA e Australia, mas a Índia anunciou que vai pivotar sua rede para 50% de energias limpas em 2030.
A China tambem vai atingir o pico de emissões até 2030 (o que ocorreu na Europa há alguns anos), e a União Europeia já tem legislação para cortar suas emissões em 55% até 2030. O estado americano da California aprovou várias novas leis e USD45 Bilhões em medidas para lidar com questões climáticas, mais além das adotadas pelo governo federal (que corresponde a cerca de USD 370 Bilhões). Além da Califórnia, Massachussetts também está na mesma rota, com muitos incentivos para energias renováveis (eólica, solar, Evs). Com a legislação ocupando o lugar necessário, para garantir a redução de emissões, a direção a seguir está muito clara, tanto para os negócios como para a sociedade em geral.
2 – Energias renováveis
A segunda razão para otimismo é: Energias Renováveis! Tem muita coisa acontecendo neste campo e se fala muito pouco sobre isso. Mas o progresso é de proporções gigantescas.
Indo mais além do ruído sobre gás e combustíveis fósseis ou a crise energética na Europa, a taxa anual global de crescimento da energia solar este ano é de 38%, o nível mais alto da década. Se olharmos para o direcionamento dos investimentos, 2022 tem sido um blockbuster para a transição energética, com uma consistente preferência pela energia solar.
Em termos globais, teremos a instalação de 250 Gigawatts em 2022, que corresponde a mais da totalidade da capacidade elétrica instalada de qualquer país no mundo. Na primeira metade deste ano, energias renováveis já correspondem a 49% da energia da Alemanha. A China sozinha está adicionando anualmente 150 Gigawatts de energia solar ao seu grid, na Índia a taxa de crescimento da energia solar foi 59% na primeira metade do ano, sendo que capacidade foi um recorde na adição de energia solar somente no primeiro semestre de 2022.
Já a França vai construir 50 Gigawatts de energia eólica até 2050. Alemanha e Dinamarca vão investir 9 bilhões de dólares um hub de energia eólica capaz de fornecer energia para 4.1 milhões de residências. É verdade que a UE deveria ter feio isso há 10 anos atrás, mas pelo menos estão fazendo agora.
No Reino Unido, onde eu moro, há uma revolução a caminho. Atualmente existem 42 fazendas eólicas em operação e estão construindo mais 93 que irão fornecer 95Gigawats para o país. E para colocar esse número em perspectiva, ele corresponde a mais energia eólica offshore do que a capacidade total do Reino Unido com todas as suas fontes energéticas. Todos estes números têm impactos e consequências reais. A energia solar economizou cerca de 30 milhões de Euros para a Europa este ano, simplesmente por reduzir o consumo do caro combustível fóssil. Imagine quanto mais poderia ter sido economizado, não somente em dinheiro, mas também em custos relacionados à saúde, se a UE não tivesse desperdiçado uma década inteira alimentando seu vicio ao gás/combustível fóssil? No Reino Unido por exemplo, o custo da energia renovável é 9 vezes inferior ao gás, e em 5 anos teremos 11Gigawatss disponíveis para consumo doméstico. Somente isso vai ser um incentivo para uma rápida transição. Muito pouco sobre esse progresso é divulgado. Precisamos saber de todos estes avanços para nos ajudar a combater nossa ansiedade climática.
3 – Energia solar
A terceira razão para otimismo é o polysilicon solar, o semicondutor usado na produção de placas fotovoltaicas. Já temos atualmente (mais precisamente em 2025), capacidade de manufatura de 940 Gigawats de painéis solares cada ano. Em comparação com o que estamos agregando este ano, 250 GigaWats, já há capacidade de manufatura quatro vezes maior do que estamos produzindo anualmente hoje. Isso é altamente significativo, pois no ano passado, a Agência internacional de Energia (IEA) calculou que pra chegarmos a neutralidade de emissões em 2050 será necessária a instalação de aproximadamente 650 Gigawatts por ano. O fato de que já temos (ou até 2025) condições de suprir esse número, o que é muito significativo. O polysilicon que temos é capaz de prover 1 Terawatt extra cada ano, que corresponde a 6% do consumo anual de energia elétrica.
Com esses dados, podemos ver como as peças deste quebra-cabeça começam a se encaixar, e como, se olharmos de forma menos superficial, a indústria das energias renováveis está adquirindo escala extremamente rápido, o que é excelente notícia.
4 – Estoque de energia renovável
A quarta razão para otimismo é com relação ao mito de que energia renovável precisa ser estocada por semanas em baterias. Um número sem precedentes de estudos e dados demonstrou quão fácil é manter a energia fluindo 24/7 com aproximadamente 4 horas de bateria adicionadas ao fornecimento de energia solar e eólica. Tudo isso sem contar com o fato de que diferentes regiões poderão importar e exportar energias renováveis além de seus territórios, usando cabos de alta voltagem que podem conectar regiões distantes, com climas e necessidades de consumo diferentes. E sem contar com reservatórios hídricos preexistentes, que podem armazenar energia por meses, ou os vários mecanismos de captura de carbono. Mas não vamos confundir árvores com florestas. Podemos obter praticamente 100% da energia renovável localmente, com pouca necessidade de armazenagem. Isso é incrível! Só precisamos implementar continuamente e evitar a propaganda sobre a necessidade vital dos combustíveis fosseis.
5 – Veículos elétricos
Isso nos traz a quinta razão para otimismo: Veículos elétricos (EV)
Com o tempo, EVs nas cidades vão atuar como um mecanismo armazenador de energia que pode transitar tanto no veículo, para sua movimentação, como também retornando para a rede fornecendo energia para outras funções. Por enquanto, o mercado de EV está bombando e não se fala muito sobre isso também. A partir de 2035 carros movidos a combustíveis fosseis estarão banidos por lei na Califórnia e Washington, no EUA. A Califórnia tem hoje 12% de veículos elétricos e isso garante que serão 100% em 2035 (com 36% em 2026). É o único lugar do mundo onde veículos com emissões zero estão previstos por lei, diferentemente de outros países onde isso é simplesmente uma manifestação de intenções. A Califórnia sozinha, é hoje a quinta economia do mundo, por isso o que acontece lá importa para os outros estados americanos (os EUA são o segundo maior emissor de GEE do mundo), para a inovação e para o mundo todo. EVs representam um mercado em ebulição, e existem muitos outros dados para exemplificar isso, mas não vamos ter espaço para tratá-los aqui.
E para conectar esse tema com o anterior, temos mais uma razão para otimismo. Praticamente todas a baterias de EVs comprovaram sua resiliência e ainda estão em utilização, demonstrando que sua vida útil excedeu as expectativas iniciais. E indo ainda além, já existe um crescente mercado para a reciclagem destas baterias, que está se consolidando em função deste aumento na produção de baterias. Quando a vida útil de uma bateria termina (em geral quando está com 50 ou 60% da sua capacidade) elas podem ser utilizadas para outros fins, como por exemplo armazenagem de energia solar, e daí recicladas em novas baterias. Isso está acontecendo hoje na China. A Volkswagen abriu recentemente uma planta na Alemanha para pesquisa, desenvolvimento e produção de baterias que também vai reciclá-las.
Nos EUA, a Redwood Materials, empresa de reciclagem de baterias de um dos fundadores da Tesla, levantou mais de USD 700 Milhões em investimentos para expandir sua atuação. É um conceito de reciclagem muito diferente da reciclagem de plástico que conhecemos, pois reflete uma abordagem de circularidade, onde não teremos que nos preocupar com resíduos criados por esses componentes, pois estão sempre sendo recuperados, reaproveitados e reutilizados. A eletrificação de praticamente tudo no nosso sistema econômico é crítica na luta contra o aquecimento global e na transição para um modelo de emissões zero, e tudo isso nos dá motivos para grande otimismo.
Importante também frisar que todas estas inovações são fruto de muita tecnologia, representando ganhos gigantescos em termos de eficiência. No sistema atual, cerca de 2/3 da energia gerada quando usamos combustíveis fosseis, gás e carvão, é desperdiçada no seu processo de utilização.
6 – Litígios climáticos
A sexta e não última seriam os: Litígios. O número de ações judiciais relacionados às mudanças climáticas no mundo dobraram nos últimos 7 anos. Hoje temos cerca de 2000 ações judiciais climáticas em tramitação no mundo, das quais 500 somente nos últimos dois anos. Em geral são governos ou empresas sendo processados por mentirem ou enganarem o publico sobre os impactos de seus produtos ou deixarem de proteger gerações futuras por não atuarem com relação as mudanças climáticas. Por exemplo, existem hoje cerca de 20 ações movidas por cidades ou estados norte americanos contra empresas da indústria de combustíveis fosseis, por mentirem ou enganarem sobre seus produtos ou atuação. Isso é extremamente relevante porque cria precedentes para outros países, que podem e devem adotar suas estratégias de adaptação, iniciando suas próprias ações de litígio, especialmente os países em desenvolvimento que já estão ou estarão em breve sentido os efeitos das mudanças climáticas e precisem de compensação. Isso é excelente motivo para otimismo, e precisamos de muito mais casos.
E para finalizar, um fato muito importante é a quantidade de dados disponíveis. Existem centenas de artigos científicos, dos quais 666 são peer reviewed, (e você pode acessar alguns aqui) afirmando que é praticamente possível alimentar toda a necessidade global energética com 100% de energia renovável, que por sua vez é uma fonte de baixo custo. Isso indica que as principais barreiras para implementação são políticas ou econômicas. Se estima que com essa mudança, vamos economizar cerca de USD 12 Trilhões. Por isso, mesmo que você não acredite nas mudanças climáticas, pense no seu bolso e no que poderia ser feito com esse dinheiro. Isso também é razão para estar muito otimista.
Essa transição vai mudar o mundo em pouco tempo. Passamos os últimos 100 anos baseando nosso desenvolvimento em combustíveis fosseis, essa fase acabou. Enquanto a Europa, China e USA estão usando seus recursos para descarbonização e se eletrificarem, o Brasil já tem um grid limpo e daí uma (ligeira) vantagem competitiva nos próximos 10-20 anos, até o resto do mundo alcançar o nível de independência dos combustíveis fosseis que já temos. Um desafio importante que requer liderança visionária e evitar conflitos internos desnecessários, que causam distrações e desperdício de tempo.
Poderia listar aqui muitas outras razoes para sermos otimistas. Em 2002, ano em que me mudei para a Europa para iniciar meu doutorado sobre o assunto, praticamente não havia cursos sobre desenvolvimento sustentável, muito menos estratégia de sustentabilidade. Acabei fazendo o doutorado por causa da minha frustração em encontrar bons cursos que abordassem esse tema.
Desde então, tenho ensinado este tema em todos os tipos de escolas – escolas de negócios, universidades, escolas primárias e secundárias – bem como empresas, ONGs e comunidades de todos os tipos, de forma a preencher parte da lacuna de conhecimento em torno desses assuntos tão fundamentais. O corpo de conhecimento científico sobre questões socioambientais e o Antropoceno é tão vasto que nunca me deparei com uma situação em que faltasse material para minhas palestras e aulas. Muito pelo contrário, escolher onde focar sempre foi uma luta.
Hoje minha vida é dedicada a esclarecer e orientar outras pessoas sobre esses assuntos, e grande parte disso acontece ao redor da educação executiva e desenvolvimento de lideranças. E uma das perguntas que mais escuto é como fazer para não perder as esperanças, como não se deprimir diante de tantos problemas e desafios. Minha resposta já mudou muito, as vezes bate a raiva e um certo desespero. Mas aprendi a ver essa jornada no longo prazo. Talvez eu não veja os resultados que gostaria ao longo da minha vida, mas acredito que chegaremos lá.
O ser humano tem uma capacidade ímpar de se superar, mas para isso precisa acreditar. Precisamos acreditar porque isso nos ajuda a pertencer. E por isso toda e qualquer contribuição individual ou coletiva é fundamental. Os exemplos acima são fruto da genialidade da nossa espécie, e portanto, acredite, grande motivo para otimismo.