close

Joaquim Levy

Epur simuove…

Com a Selic perto de 8% e inflação próxima a 3%, economia terá fôlego para a retomada do crescimento baseado no investimento e na competitividade internacional

PIB joaquim Levy

A necessidade do setor privado se sentir seguro para se planejar e tomar riscos também dá alguma urgência à resolução de pendências tributárias no Congresso, assim como para o reforço do compromisso com o arcabouço fiscal | Foto: Getty Images

Outro ano começa com previsões de desaceleração do PIB brasileiro. Talvez porque se projete um impulso fiscal menor do que em 2022 ou 2023, apesar do pagamento dos precatórios represados desde a EC 113 de 2021. Mas, como era claro desde maio passado, o que ajudou o PIB em 2023 não foi tanto um impulso à demanda, mas o choque de oferta positivo da supersafra que aumentou o volume de grãos
produzidos em 17%.

A supersafra ajudou o PIB aumentando a produção nacional e baixando o preço da comida. O aumento de exportações que ela trouxe tornou o câmbio mais robusto, facilitando a transmissão da desinflação mundial, incluindo a deflação de diversos produtos industrializados, para nossos preços no atacado e ao consumidor.

O poder de compra das famílias aumentou em 2023 graças ao emprego e à desinflação. A folga no bolso das famílias trazida pelo choque de oferta permitiu que a variação nominal do consumo caísse de 14% em 2022 para 8% em 2023, mas o crescimento real do consumo se mantivesse perto de 3%, valor significativo, especialmente em um ano pós-eleição.

Esse ano a safra não será tão boa, com a Conab indicando queda de 6,3% no volume produzido. Isso significa que a economia vai crescer muito menos? Não necessariamente, porque a força das nossas exportações em um mundo sem grandes pressões inflacionárias ajudará a crescermos sem inflação, aproveitando a folga ainda restante no uso da capacidade instalada e na mão de obra.

A desinflação mundial é compatível com a atividade fraca nos grandes blocos econômicos, incluindo a provável desaceleração da economia americana, que facilita o gradual relaxamento da política monetária lá. O volume das exportações brasileiras, notadamente de petróleo, deve se mostrar robusto nesse ambiente, mesmo que os preços caiam um pouco. O time de macroeconomia do Banco Safra vem indicando desde o ano passado que, mesmo com a recuperação da demanda doméstica e das importações, o saldo comercial brasileiro anual ficará perto de US$ 80 bilhões nos próximos anos, exceto se houver uma crise financeira na Ásia e descontinuidade do preço das matérias primas. O comércio externo deve, assim, apoiar a estabilidade do câmbio e o crescimento do PIB, o que não escapou aos investidores estrangeiros.
Essa combinação facilita a convergência da inflação brasileira para a meta, com desvio de menos de 0,5 ponto percentual.

Claro que as surpresas na inflação não são apenas “perfumaria”: os preços dos serviços exigem especial atenção, enquanto não se recuperam vis-à-vis os dos bens. A recente inflação do transporte aéreo, no qual a relação dos preços de passagens e combustível finalmente se aproxima da média histórica, ilustra esse risco. Mas os salários continuam moderados e os dissídios, que tendem a acompanhar a inflação
recente, podem desacelerar ainda por algum tempo.

Com inflação comportada, a retomada do crédito deve dar alento ao consumo e levar o PIB para perto de 2,5%

Todos esses fatores favoráveis nos levam a uma conjuntura com implicações cruciais para o crescimento do país nos próximos anos, e, portanto, para a renda, saúde e bem-estar do trabalhador e da população em geral. A última ata do Copom já acena com a Selic perto de 10% e o mercado não se assusta com ela perto de 9,5%. O calendário do Copom implica que Comitê terá até junho próximo para decidir se
seguirá além desse valor e anunciar o que espera no “horizonte relevante” a seguir.

Se as condições permitirem levar a Selic para perto de 8%, com inflação próxima a 3%, os juros ainda estarão acima da taxa neutra, mas poderão dar mais fôlego para a retomada do crescimento baseado no investimento e na competitividade internacional.

A ação do BC, em princípio independente da sucessão na sua presidência e, atenta ao cenário externo, dependerá também da perspectiva de o investimento “tomar o bastão” do consumo como motor do PIB em 2025, permitindo o aumento da oferta interna à frente, essencial para o crescimento sustentável e não inflacionário. Para muitos, essa perspectiva dependerá não somente da inflação e do quadro fiscal, mas
também da sinalização de que esse bastão não cairá na mão apenas do investimento público, cujo fôlego será curto.

O investimento privado tem um componente cíclico, que depende da Selic e deve permitir que ele cresça 3%-5% já em 2024, se os juros curtos ficarem perto de 9% até o final do ano. Mas, há um potencial de investimento bem maior se a confiança do empresário não estiver amarrada apenas aos juros e ao consumo do momento.

Uma confiança mais firme provavelmente dependerá da maior aproximação entre partes e do governo sinalizar os contornos mais amplos de sua política e as prioridades para a economia nos próximos anos.

Há indícios de movimento na boa direção, como o PAC dar destaque ao investimento privado, o BNDES associar-se ao mercado, ou os planos de renegociação e de novas concessões rodoviárias ainda em 2024, cujos R$160 bilhões em investimentos superam bastante o gasto federal em estradas. O detalhamento tempestivo do Plano de Transição Ecológica e das reformas de certos mercados e setores que ele exige também deve estimular investidores nacionais e estrangeiros.

O entusiasmo do setor privado com o tema é grande e não faltarão recursos para investir nessas atividades, se elas também focarem nos mercados internacionais e conseguirmos negociar o acesso a eles. A necessidade do setor privado se sentir seguro para se planejar e tomar riscos também dá alguma urgência à resolução de pendências tributárias no Congresso, assim como para o reforço do compromisso
com o arcabouço fiscal.

O tempo para o diálogo é propício ainda que talvez curto. Além do calendário do Copom, a presidência do G20 cria uma oportunidade extraordinária, mas talvez fugaz, para o governo articular a visão do Brasil que podemos desejar e as condições objetivas que ajudarão a realizar esses desejos, mobilizando o capital e o talento do país e de seus parceiros para chegarmos lá o mais rápido possível e em harmonia.

  • Publicado originalmente no Valor Econômico

Nota de pesar

Com profundo pesar registro a morte inesperada do querido e excepcional professor Affonso Celso Pastore.


Joaquim Levy é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Ex-Ministro da Fazenda, Levy é engenheiro naval pela UFRJ, mestre pela FGV e PhD em economia pela Universidade de Chicago. Tendo sido CFO e Diretor Gerente do Banco Mundial e Vice-Presidente de Finanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele foi Presidente do BNDES e Secretário do Tesouro Nacional do Brasil, além de ter trabalhado no mercado financeiro, tendo sido responsável por uma das principais gestoras de ativos do país.

Assine o Safra Report, nossa newsletter mensal

Receba gratuitamente em seu email as informações mais relevantes para ajudar a construir seu patrimônio

Invista com os especialistas do Safra