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Joaquim Levy

Quanto vale a Amazônia?

O valor é inestimável e provavelmente infinito. Mas a aprovação do Programa Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais torna mais relevantes as tentativas de estimar o valor da floresta e o custo do desmatamento

Como para qualquer bem precioso e insubstituível, o valor da Amazônia é inestimável e provavelmente infinito.  Mas, podem-se procurar indicações. Conhece-se, por exemplo, o PIB da Amazônia, de aproximadamente R$ 600 bilhões por ano. A maior parte dele, como em outras regiões, é gerada pelo setor de serviços nas principais cidades, tendo relação apenas indireta com a floresta. A pecuária, por outro lado e apesar de sua proeminência na região, corresponde a apenas uns 5% desse PIB. [1]  Ou seja, ocupando vários milhões de hectares, ela gera perto de R$ 30 bilhões por ano.

Tentar estimar o valor da floresta e o consequente custo do desmatamento adquiriu ainda maior relevância com a aprovação pelo Congresso Nacional do PL 5028 que institui o Programa Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. Uma estimativa conservadora desse valor/custo parte da quantidade de carbono na floresta, que pode ser estabelecida em 100 toneladas por hectare (sem contar o carbono no solo). Assim, cada hectare desmatado emite perto de 400 toneladas de CO2 e, tomando o preço de US$ 30 por tonelada de CO2 que vige atualmente na Europa, tem o custo implícito de cerca de R$ 60 mil.

Seriam necessários 50 anos para um pasto tradicional chegar a render os 10 mil dólares perdidos por hectare desmatado. De fato, onde um boi leva até quatro anos para alcançar os 500 kg típicos para o abate, e as 15-17 arrobas de carcaça resultantes valem perto de R$ 4 mil, o rendimento fica perto de R$ 1 mil anuais por hectare. Isso sem considerar os custos de obter o novilho, “abrir” a terra, ou pagar juros positivos.  No entanto, o Brasil permitiu o desmatamento de cerca de 1 milhão de hectares no ciclo de 2020, a grande maioria em terras públicas. E muita dessa área será abandonada, a não ser quando há a expectativa do governo recompensar quem as invadiu e desmatou, dando-lhes títulos de propriedade.

O valor da Amazônia excede aquele do carbono que ela contém, devendo incluir, além de intangíveis como as culturas locais, no mínimo o valor da biodiversidade e da regularização das chuvas no território nacional. O impacto nas chuvas é importante para a produção agrícola e a economia como um todo.  A falta de água nos reservatórios dos rios formados na região central do país, por exemplo, levou o governo recentemente a aumentar o preço da eletricidade em mais de R$ 60/MWh. Considerando-se um consumo anual de 140 TWh pelo setor residencial, isso equivale a um custo de R$ 9 bilhões para as famílias brasileiras, sem contar o impacto indireto nos preços da indústria e dos serviços.  

Implementar o Código Florestal de 2012 ajudaria a revelar o valor da floresta.  O código prevê, por exemplo, a compensação da insuficiência de reserva legal em dada propriedade com a proteção de áreas com vegetação nativa excedente em outras propriedades. Com o PL 5028, renda obtida pela prestação desse serviço ambiental, assim como eventuais instrumentos financeiros que facilitem sua dinamização, poderá atrair vantagens tributárias.

Mecanismos assim estimularão o investimento para aumentar a produtividade da terra, inclusive na pecuária integrada à lavoura e à atividade florestal, diminuindo a demanda por terras virgens e aumentando a oferta de áreas para regeneração, enquanto gera emprego. Evidentemente o seu sucesso dependerá da exigência de conformidade de todas as propriedades com o código, criando incentivos para a negociação entre partes. 

Também será preciso enfrentar os problemas fundiários para que o desenvolvimento sustentável e o pagamento por serviços ambientais, especialmente pelo governo, vinguem.  O uso de novas tecnologias, torna-se assim chave e urgente. A digitalização dos títulos de propriedade espalhados na região e alhures, e sua integração com várias bases de dados, tais como o cadastro ambiental rural é fundamental, inclusive para o setor financeiro ajudar na transformação da economia regional. 

Esse choque tecnológico não custa caro. A experiência (e.g., em alguns municípios do Pará) indica que ele também pode criar opções para superar os conflitos e lacunas existentes na comprovação da propriedade que emerjam, orientando as políticas públicas cabíveis.  Surgirá daí a informação segura necessária para contratos bilaterais de prestação de serviços ambientais, investimentos para aumentar a produtividade da terra, e ações que estabilizem o pequeno produtor e protejam o bioma. Sem falar na transparência para um eventual gasto público valorizando a floresta.


[1] A pecuária correspondia em 2014 a 3% do PIB do Pará, enquanto a agroindústria corresponderia a outros 2%, adotada a proporção do valor agregado dos dois segmentos da cadeia de valor bovina em Goiás.


Joaquim Levy é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Ex-Ministro da Fazenda, Levy é engenheiro naval pela UFRJ, mestre pela FGV e PhD em economia pela Universidade de Chicago. Tendo sido CFO e Diretor Gerente do Banco Mundial e Vice-Presidente de Finanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele foi Presidente do BNDES e Secretário do Tesouro Nacional do Brasil, além de ter trabalhado no mercado financeiro, tendo sido responsável por uma das principais gestoras de ativos do país.

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