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Com reforma, país troca pior sistema de impostos do mundo pelo mais moderno

Secretário extraordinário para a reforma tributária, Bernard Appy, detalha a estratégia para aprovar a mudança mais importante para a economia brasileira no momento

“O Brasil é hoje o campeão mundial em burocracia tributária, e a reforma vai simplificar enormemente os impostos”, comenta Bernard Appy

O secretário extraordinário do Ministério da Fazenda para a reforma tributária, Bernard Appy, afirma que a simplificação dos impostos deve aumentar potencial de crescimento do PIB no Brasil em 10% a 12% em um horizonte de 10 a 15 anos.

Em entrevista ao site O Especialista, ele explica os motivos pelos quais a proposta deve ser aprovada pelo Congresso ainda neste ano, podendo começar a trazer resultados práticos já a partir de 2025. “A reforma tributária é um jogo de ganha-ganha, com mais emprego, mais renda e mais poder de compra para todos”, garante.

Ele explica como o governo tenta contornar temas polêmicos, como a tributação de importações e benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus. E destaca que a reforma será feita em etapas: primeiro será feita a reforma tributária sobre o consumo, e no segundo semestre a da renda.  

Bernard Appy destaca também que a reforma vai acabar com distorções, como a isenção de imposto sobre veí­culos aquáticos e aéreos (jet ski e jatinhos). “Por incrível que pareça, os pobres hoje pagam mais impostos proporcionalmente do que os ricos”, afirma.

Bernard Appy
“O Brasil é o campeão mundial em burocracia tributária, e a reforma vai simplificar enormemente os impostos”, comenta Bernard Appy | Foto: Levy fioriti

“O Brasil é hoje o campeão mundial em burocracia tributária, e a reforma vai simplificar enormemente os impostos”, comenta. Segundo ele, o Brasil vai trocar o pior sistema tributário do mundo por um dos melhores. “Estamos tentando montar um sistema em que a única obrigação da empresa seja emitir nota fiscal eletrônica na venda e registrar as compras que dão direito a crédito via nota fiscal eletrônica, talvez dispensando até a escrituração. A simplificação vai ser brutal”. Confira a seguir a íntegra da entrevista:

O Especialista – O senhor comanda a reforma mais importante para a história da economia brasileira daqui para frente. Como pretende resolver questões polêmicas como a tributação de importações, tema que vem causando grande debate nos últimos dias?

Bernard Appy – A reforma tributária é neutra do ponto de vista da tributação da produção nacional e da importação. Ela tem que adotar o mesmo critério para a tributação da produção nacional e da importação. A reforma é complexa, sim, mas tem um processo de construção no Congresso Nacional que já vem desde 2019 e está muito maduro hoje. Tem uma percepção na sociedade de que o sistema tributário, do jeito como está, não dá mais. Ele tem um custo muito alto em termos de perda de potencial de crescimento do país e tem, sim, uma posição muito positiva e construtiva, que eu acho que vai viabilizar politicamente a aprovação da reforma. Tanto pelo apoio da Câmara dos Deputados e do Senado Federal quanto pelo apoio do Poder Executivo.

O ministro Fernando Haddad afirma que a reforma tributária vai passar a cobrar de quem não paga. Poderia dar exemplos? Que setores vão passar a pagar?

A reforma que estamos discutindo hoje é a tributação do consumo, e em seguida vamos discutir a questão da renda. O objetivo é que a reforma faça com que todo mundo seja tratado de forma equivalente na tributação do consumo e na tributação da renda. A tributação do consumo hoje tem, de fato, alguns setores que pagam menos do que outros.

Os serviços de streaming, como a Netflix, por exemplo, vão ter tributação maior?

O streaming paga menos imposto do que a conta do celular. A ideia é baixar a tributação na conta celular e fazer com que a tributação do streaming da conta do celular seja a mesma. Isso gera eficiência, porque elimina essa distorção que existe hoje. Isso traz um sistema mais eficiente e mais justo também. Porque o efeito dessa adoção de uma tributação uniforme vai beneficiar mais as classes de mais baixa renda. Por incrível que pareça, hoje, com proporção do consumo, o pobre paga mais imposto do que o rico. E a reforma tributária busca corrigir essa distorção.

Alguns setores querem tratamento diferenciado, como o setor de serviços. E o Sr. comentou esta semana sobre a possibilidade de devolução do Imposto sobre educação para os mais pobres. Como isso seria feito?

Na verdade, o ideal seria uma tributação uniforme para todos os bens, serviços. A gente sabe que na discussão polí­tica teremos alguma flexibilização. Mas a questão é como fazer isso bem feito. Os serviços de educação e saúde, por exemplo, devem ter um tratamento diferenciado na reforma. Esse tratamento não necessariamente se dá via alí­quota menor. No caso de uma educação básica, ao invés de criar uma alí­quota menor, que favorece tanto o pobre quanto o rico, eu posso fazer um esquema de devolução do imposto para os alunos de mais baixa renda que estão na escola privada, de forma que uma famí­lia de classe média seja totalmente desonerada e uma famí­lia de classe alta pague o imposto maior quando está usando o serviço de educação. Mas a nossa função no governo é trazer transparência e mostrar os prós e contras das diferentes alternativas para que o Congresso Nacional tome a melhor decisão possí­vel na hora de fazer o desenho da reforma tributária.

Na questão da Zona Franca de Manaus, como resolver o conflito de interesses entre a indústria nacional e as empresas lá instaladas e que recebem benefícios fiscais?

Estamos discutindo com o governo do Estado do Amazonas para construir um novo modelo que, com uma transição muito suave, migre para um novo modelo de desenvolvimento da região, sem nenhuma mudança muito radical para as empresas que já estão lá. A gente espera que no longo prazo se gere tanto emprego e tanta renda ou até mais empregos e mais renda do que hoje, de uma forma mais eficiente. E isso está sendo construí junto com o governo do Amazonas.

Outra questão polêmica é a tributação sobre dividendos? Como será essa tributação?

Esse tema não está em discussão agora. Por enquanto estamos discutindo a reforma da tributação sobre o consumo. No segundo semestre nós vamos discutir a mudança na tributação da renda, e então será provável sim que haja mudança com uma redução na tributação das empresas e se passe a tributar a distribuição, mas isso vai ser discutido no segundo semestre.

Como o governo pretende trabalhar para melhorar a comunicação da reforma tributária para conseguir a aprovação no Congresso?

Esse é um ponto que precisa melhorar, mas estamos agora exatamente trabalhando com a Secretaria de Comunicação do governo. Já temos orçamento para fazer a comunicação da reforma tributária, para que a população em geral e os congressistas, em particular, entendam a importância da reforma da tributação do consumo, que é importante, que tem um impacto muito positivo sobre o crescimento. Acho que esse é o ponto mais relevante: a reforma da tributação do consumo pode elevar o PIB potencial no Brasil, por baixo, em dez ou 12% em um horizonte de 10 a 15 anos. Um crescimento potencial além do que ele cresceria nas condições atuais. E com esse aumento do crescimento, na verdade, todos os setores da economia são beneficiados. Praticamente todos os entes da federação serão beneficiados.

A reforma tributária é um jogo de ganha-ganha, em que, com maior crescimento, todos ganham com a mudança que está sendo proposta. Eu acho que isso é que precisa ser levado para a população, porque todos vão ganhar com maior emprego, com uma renda maior, mais poder de compra. As empresas ganham porque teremos mais atividade na economia. O próprio governo ganha, porque mantendo a carga tributária como proporção do PIB, se o PIB cresce mais, você tem mais recursos para fazer políticas públicas.

Veí­culos aquáticos e aéreos, como jet ski e jatinhos, vão passar a ser tributados?

Esse é um tema que muito provavelmente vai entrar na reforma. Deveremos ter uma mudança na especificação do que é a base de incidência do IPVA. Quando o imposto foi criado, na Constituição de 88, houve uma decisão, do meu ponto de vista não muito consistente, do Supremo Tribunal Federal, dizendo que o imposto substituía a taxa rodoviária única e, portanto, só poderia incidir sobre veí­culos terrestres.

Mas não faz nenhum sentido que um jatinho ou uma lancha não pague o IPVA, quando você está pagando o IPVA no automóvel popular. Então, na verdade, muito provavelmente o Congresso vai corrigir essa distorção.

A reforma tributária vai simplificar a vida das empresas e das pessoas? Esse é principal objetivo da reforma tributária?

Esse é um dos objetivos da reforma tributária. Vai simplificar muito a apuração e o pagamento de impostos. O Brasil é hoje o campeão mundial em burocracia tributária. E a reforma vai simplificar enormemente. Talvez a gente passe do pior sistema do mundo para um dos melhores sistemas do mundo. A gente está, inclusive, tentando montar um sistema em que a única obrigação da empresa seja emitir nota fiscal eletrônica na venda e registrar as compras que dão direito a crédito via nota fiscal eletrônica, talvez dispensando até a escrituração. Então, a simplificação vai ser brutal. Essa simplificação tem efeito sobre o crescimento, mas não é o único efeito. A eliminação da cumulatividade, que acaba onerando investimentos, é outro efeito. A correção de distorções que existem hoje na organização da atividade econômica por conta do sistema tributário é outro efeito extremamente positivo.

Só para dar um exemplo, hoje a gente tem benefí­cios no Brasil para mercadoria passear: sair do estado A, ir para o estado B e voltar para o estado de origem. Obviamente, do ponto de vista econômico isso não faz sentido nenhum. É simplesmente um trabalho completamente improdutivo, que vai deixar de existir com a reforma tributária. Então, a simplificação é um dos objetivos. Ela é enorme, mas os efeitos sobre a economia vem de vários fatores, não só da simplificação.

Essas mudanças vão valer já a partir do ano que vem ou serão gradativas?

Ela é gradativa. É um processo que se iniciaria com uma mudança relevante para os tributos federais, provavelmente meados de 2025, e para os tributos estaduais e municipais em um prazo de quatro ou cinco anos, a partir de 2027. Ela demora, porque a gente não consegue mudar do dia para noite todo o sistema tributário brasileiro, mas haverá uma simplificação relevante já, no curto prazo, e depois, no prazo mais longo, você elimina toda a complexidade do sistema tributário atual.

O senhor disse que todos ganham no Brasil. Mas, quem vai sair perdendo?

Na verdade, só vai sair perdendo a empresa absolutamente ineficiente, que vive hoje com base nas distorções do sistema tributário. Toda empresa eficiente do Brasil vai ganhar com a reforma tributária.

No caso das empresas que se aproveitam dos benefícios fiscais fazendo o transporte de mercadorias de um estado para outro, existem estruturas montadas para fazer com que as mercadorias saiam do estado e depois retornem. Tem alguém que está ganhando dinheiro com isso, mas claramente está lucrando em cima de uma deficiência que vai deixar de existir com a reforma tributária.

Então, esse trabalho improdutivo vai virar um trabalho produtivo para levar um volume maior de mercadorias para o consumidor final, e não simplesmente levar um volume menor com um passeio maior das mercadorias pelo Brasil. Esse é um exemplo do que vai mudar no Brasil com a reforma tributária.

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