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A crise energética global e o novo cenário para os investimentos

Choque de energia causado pela disparada do preço do gás natural na Europa afeta decisões de produção, consumo e investimentos, além de pressionar a já elevada inflação

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Escassez de energia que afeta a Europa de forma mais grave na atualidade tem potencial de gravidade maior que a crise do petróleo dos anos 70 | Foto: Getty Images

A crise energética global, mais sensivelmente sentida atualmente na Europa, é grave e chama a atenção pelo potencial de ser maior que a dos anos 70. Diferentemente daquele período, quando a restrição da oferta de petróleo pelos países árabes provocou uma elevação significativa nos preços da commodity e empurrou a economia global para um período de estagflação, as condições de retomada da economia são relativamente menos favoráveis.

O espaço para ampliação dos ganhos de eficiência hoje é menor, após toda a expansão dos ganhos de produtividade advindos da expansão das cadeias globais de suprimentos, da disseminação da tecnologia de informação e do próprio aumento da diversidade de estruturas de produção visto nas últimas décadas, em paralelo ao aumento dos níveis de educação e condições de treinamento de mão de obra. Em outras palavras, ganhos adicionais se tornam mais difíceis do que 40 anos atrás.

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Adicionalmente, a pandemia de covid também acelerou algumas tendências em termos de redução de produtividade nas cadeias produtivas e formas de organização da produção, em nome de maior segurança das condições de oferta.

O crescimento europeu sempre teve na dependência energética um importante fator de risco. A guerra da Ucrânia magnificou o problema, ao restringir a oferta de petróleo e gás em uma economia que vinha operando em ritmo muito superior ao potencial, respondendo aos estímulos dados na pandemia e ao processo de reabertura. Além disso, vinha nos últimos anos se empenhando no processo de extinção de formas mais poluentes de energia por conta das limitações autoimpostas por suas metas de ESG, o que também se traduziu em recuo dos investimentos ligados à combustíveis fósseis. Portanto, a situação em que a Europa se encontra hoje é especialmente grave por uma série de fatores que são anteriores à guerra na Ucrânia ou mesmo da covid.

O atual choque energético, causado pela disparada do preço do gás natural em função da restrição da oferta russa – que representava 40% do consumo europeu -, além da preocupação real de fornecimento durante o crítico período do inverno europeu, tem naturalmente um efeito restritivo relevante sobre a atividade, ao comprometer decisões de produção, consumo e investimento, além de pressionar adicionalmente a já elevada inflação.

Figura 1: Preços de Gás na Europa cederam com aceleração dos níveis de estocagem, mas seguem elevados mesmo após anúncio do plano da União Europeia para combater a crise energética

Fonte: Bloomberg/ Elaboração: Safra Asset


Sem nenhuma surpresa, o que se viu nos últimos meses foi uma mobilização dos governos europeus em prol de soluções buscando evitar cenários mais críticos e aliviar o impacto sobre a economia. Com o apoio dos aliados na guerra energética, esforço logístico e uma significativa disposição de cooperação entre os membros, a União Europeia está conseguindo preencher rapidamente sua capacidade de reserva de gás antes do inverno. O quê, embora tenha contribuído para trazer os preços das máximas, vale lembrar, não elimina os riscos de fornecimento nos próximos meses.

Países europeus adotam subsídios e cortes de tarifas para enfrentar crise energética

Em meio ao esforço para não afetar a demanda, os países europeus têm implementado soluções como subsídios, redução de impostos, pagamentos de auxílios e limitações nos preços de energia. A Comissão Europeia, por sua vez, anunciou medidas gerais e que ainda terão que ser aprovadas pelos aos países-membro, que basicamente atuam nas frentes de: (i) estabelecer restrições aos níveis de consumo, e (ii) limitar lucros de empresas geradoras de energia nuclear ou renováveis e aumentar de impostos sobre empresas geradoras de combustíveis fósseis – indústrias que vêm se beneficiando da precificação mais elevada do sistema energético na crise,
mas que mantém seus custos originais.

Enquanto a redução estabelecida para o consumo por si só deve contribuir para uma redução da atividade, a arrecadação com a penalização das empresas geradoras de outras formas de energia teria o objetivo de criar um colchão para subsidiar famílias e empresas mais impactadas pela alta dos preços, aliviando os impactos da crise. O efeito colateral dessa opção para fundear um menor impacto sobre a demanda é, entretanto, onerar a oferta de longo prazo, desincentivando novos investimentos nestes setores.

Figura 2: Custo da Energia na Alemanha segue mais de 13 vezes superior a 2019

Fonte: Bloomberg/ Elaboração: Safra Asset


Com os preços da energia mais altos e custos de produção elevados, é inevitável que o Banco Central Europeu (BCE) precise de ainda mais juros para conter a escalada da inflação, hoje já rodando em um patamar mais de quatro vezes superior à meta. O novo patamar de juros, entretanto, é uma incógnita, pois a combinação de inflação, estímulos, subsídios e cerceamento de lucros representa um agregado macro diferente do já visto. A disposição do BCE de acelerar o passo de sua alta de juros e o tom firme na indicação da disposição de combater os efeitos secundários do choque energético sugerem que a autoridade não pretende ficar atrás do mercado e claramente indicam uma taxa de juros terminal superior à anteriormente estimada.

Com base na experiência do passado, fazendo um paralelo com a década de 70, o cenário se traduziu em posições ganhadoras compradas na alta dos juros e vendidas em bolsa. Um ponto de atenção entretanto, é que os resultados da bolsa são nominais, portanto impactados pela inflação e que a bolsa europeia atualmente compreende muito mais do que empresas com exposição local.

Outra posição que mantém viés favorável é a venda do Euro. Embora o tom firme do BCE tenha ajudado a diminuir a percepção de um importante diferencial de juros entre os EUA e a União Europeia, a situação relativa dos dois países ainda pende favoravelmente ao Dólar. As condições da economia americana, em meio a um mercado de trabalho bastante robusto e uma inflação igualmente pressionada, mas com características mais ligadas à demanda, traz a perspectiva de taxas de juros claramente mais altas a princípio do que no continente europeu e também mais rápido, dado o processo já em curso. As chances de uma recessão econômica nos próximos 12
meses se elevaram nas duas regiões, mas a probabilidade e a gravidade ainda tendem a ser maiores na Europa. Adicionalmente, a conta de importações de gás maiores e mais caras na Europa tende a pressionar adicionalmente a balança comercial europeia, representando mais um fator de pressão sobre a moeda.

China enfrenta dificuldades em manter ritmo maior de crescimento

Por fim, vale considerar o papel da China nesse contexto. Em meio à manutenção da política de covid zero, os necessários ajustes no setor imobiliário, uma redução dos índices de confiança internos e uma deterioração do apetite do investidor internacional, que se intensificou após o conflito na Ucrânia, a China tem apresentado dificuldades em manter um maior ritmo de crescimento este ano. Até o momento, entretanto, em vista dos baixos índices de inflação e da capacidade de estímulo fiscal e monetário, o mercado pouco alterou as estimativas para o crescimento no ano que vem. Uma desaceleração mais prolongada da China traria um risco para esse posicionamento.


Figuras 3 e 4: Inflação ao consumidor mantém-se muito acima da meta, com a composição evidenciando o forte impacto do choque energético na Europa relativamente ao observado nos EUA

Fonte: Bloomberg/ Elaboração: Safra Asset

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