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Renata Taveiros de Saboia

A arte de integrar paradoxos

A dissonância cognitiva nos faz escolher o lado que nos parece mais de acordo com experiências passadas. Porém, o comportamento oriundo disso nem sempre é o melhor

Duas pessoas sentadas de costas olhando a praia, alusivo à integração de paradoxos

Precisamos nos adaptar ao contexto, momento a momento. Isso só acontece se formos capazes de criar novas conexões neurais, aceitar diferentes pontos de vista e perceber que as situações, apesar de semelhantes, são diferentes | Foto: Getty Images

Essa semana uma amiga noivou a filha. Quanta emoção! Pergunto a ela como está se sentindo e ela me diz: “feliz, mas para te dizer a verdade, aliviada também! Já estava na hora dela tocar a vida e sair de casa!”.

Num primeiro momento me pareceu estranho: aliviada pela filha sair de casa? Não desejamos ter os filhos sempre por perto? Sim! Só que, ao mesmo tempo, queremos que eles se tornem adultos e tenham sucesso em suas vidas. Como assim?!?

Na vida, muitas situações são as como essa. Queremos fazer um trabalho voluntário pro bono, mas isto nos tira horas remuneradas e vivemos dos frutos do nosso trabalho.

Dizemos que não somos preconceituosos, mas muitas vezes criticamos a teoria da “supremacia branca” ou ainda, o inverso: levantamos a bandeira do apoio a uma educação que ofereça oportunidades iguais para todos, mas ficamos felizes quando um filho entra numa das melhores universidades do país, seja ela pública ou privada – afinal, podemos pagar.

E essa frase: “vou te apresentar fulano. É uma ótima pessoa, de direita, tá?”. Ou esta: “a filha daquele meu amigo é tão inteligente e capaz, de esquerda!”. Como se direita e esquerda fossem características pessoais de fulano ou beltrano ou, ainda, representassem ideologias opostas, quando o que todos desejam é uma sociedade com mais potencial de crescimento e melhoria nas condições de vida para todos. Só que cada parte acredita que a receita para isso acontecer é diferente.

Diante da morte de um ente querido nos sentimos mal por, ao mesmo tempo que estamos em luto e tristes, também nos sentirmos aliviados, pois nosso trabalho com os cuidados com esta pessoa acabou. E, igualmente, uma parte de nós se sente feliz afinal, a pessoa parou de sofrer.

Você sabia que as crianças com deficiência se integram melhor à sociedade se os pais passam por vários momentos distintos? Negação, rejeição e finalmente aceitação? Sim, é seu filho, mas esta situação não estava no script…

Por outro lado, pais que ficam em uma das duas polaridades – ou aceitam totalmente a situação e rejeitam qualquer tipo de sentimento negativo em relação à criança, ou rejeitam imediatamente a realidade e se recusam a ver algo de positivo neste novo modelo de relação com seu filho – têm mais dificuldade de promover a melhor adaptação de seus filhos à sociedade.

O que acontece conosco que, diante da ambiguidade, acabamos tomando um só dos lados? Por que vivemos polarizados? Em nossos pensamentos, nossas atitudes, nossas crenças e nossas escolhas?

Esse jeito de funcionar do ser humano, onde não há lugar para a ambiguidade, nos leva a cometer vários erros em nome de uma posição ou de outra e faz com que seja muito difícil a tal da “terceira via”, capaz de acalmar as ansiedades internas e permitir uma melhor adaptação às circunstâncias.

Não é nada simples entender de que forma um elétron ora é onda, ora é partícula, dependendo da presença, ou não, de um observador. Como duas coisas aparentemente antagônicas podem fazer parte de uma mesma situação ou experiência de vida?

Por que é tão difícil trocar o OU pelo E?

O que fazer com esses paradoxos? Por que eles surgem e precisamos escolher uma coisa ou outra?

Essa resposta encontramos na nossa biologia. Explico: o cérebro funciona com base em modelos mentais, informações conhecidas, a partir das quais são feitas associações integrando os novos elementos, a fim de que uma conclusão seja adquirida e, em consequência deste processo, um comportamento se manifeste.

Tudo o que vivenciamos e aprendemos de um evento específico cria marcas neurais em nosso cérebro, amplia a rede de conexões, formando uma estrutura de conhecimento que, por sua vez, servirá de base para a aquisição de um novo entendimento da próxima vez que nos depararmos com uma situação semelhante.

O problema começa quando estamos diante de uma situação que contradiz a maioria das informações e modelos mentais que temos disponíveis a respeito daquele assunto e, sobre os quais, novas informações serão agregadas.

A isso chamamos “dissonância cognitiva”. Algo não soa bem na nossa cabeça, não encontramos uma explicação lógica para aquela antítese presente numa mesma situação.

O que nosso cérebro faz, então, para acabar com essa dissonância cognitiva, que é desconfortável e angustiante (afinal, as coisas têm que fazer sentido)?

Escolhemos adotar um só aspecto da situação, aquele que nos parece estar mais de acordo com as informações que já tínhamos previamente. O que é diferente disto, ou “estranho” é deixado de lado, ignorado, não existe mais…

Só que o comportamento que surge a partir dessa estratégia nem sempre é o melhor para nós mesmos.

Do que precisamos, então, para respondermos de forma mais eficiente aos desafios externos? Aos acontecimentos da vida?

Precisamos nos adaptar ao contexto, momento a momento. Isso só acontece se formos capazes de criar novas conexões neurais, aceitar diferentes pontos de vista e perceber que as situações, apesar de semelhantes, são diferentes. Adaptação demanda esforço cognitivo. No entanto, ao fazer isso, novos circuitos são criados no cérebro e nos é dada a possibilidade de adquirir uma nova compreensão a respeito daquele evento específico.

Precisamos desenvolver a capacidade de integrar paradoxos.

Precisamos ser capazes de compreender, genuinamente, que os eventos são ambíguos, que contêm mais de um aspecto, muitas vezes contraditórios, e aceitar essa verdade. Quando isso acontece, uma onda de bem-estar surge e nos tranquiliza.

E, somente quando conseguirmos ter uma visão mais completa do que quer que seja, seremos mais capazes de encontrar uma boa solução para a situação que se apresenta.

Ou, pelo menos, numa expressão cunhada, em 1956, por Herbert Simon, um dos precursores da economia comportamental e prêmio Nobel de Economia, tomar decisões suficientemente satisfatórias (“satisficing”).

Você, leitor, deve estar pensando: quer dizer que nossas decisões serão sempre “medíocres”? Não! Justamente o inverso.

Sabermos das nossas limitações abre espaço para errarmos e corrigirmos esse erro, fazer diferente da próxima vez.

Não precisamos ficar presos a uma ideia só, para o resto das nossas vidas. Podemos mudar, nos adaptarmos, atualizarmos nossa visão do mundo e, consequentemente, nos tornarmos mais capazes de obter um novo entendimento, uma sensação de contentamento afinal, estamos livres para sentir e expressar toda a riqueza de sentimentos, emoções e pensamentos que nos habitam.

Sem ter que escolher o tempo todo: isto OU aquilo… Podemos ser isto E aquilo!

A tal da “terceira via” ou, caminho do meio, surge naturalmente, levando à tomadas de decisão mais equilibradas e satisfatórias em todos os âmbitos das nossas vidas, inclusive o financeiro!

E agora, o que você vai decidir, caro leitor? Renda fixa ou variável?


Renata Taveiros de Saboia é fundadora da Jeté Consultoria, empresa pioneira na aplicação dos insights da economia comportamental e neurociências dentro das organizações. É economista pela FEA-USP, especializada em Economia Comportamental aplicada à Marketing pela Yale University, pós-graduada em Neurociência pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa. É professora de Neuroeconomia nos cursos de Pós graduação da FGV, FIA, Santa Casa e Einstein. Membro da Society for Neuroeconomics,. Foi bailarina, origem do interesse em desenvolver pessoas com disciplina e excelência.

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