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Joaquim Levy

Eletrificar os transportes para emitir zero carbono

Escolhas regulatórias ainda pendentes tornam incerto o real valor da Eletrobras e a velocidade e equilíbrio dos investimentos para alavancar as vantagens na rota das Emissões Líquidas Zero no Brasil

Carros elétficos

Eliminar as emissões nos transportes é menos difícil do que parece, porque a eficiência do motor elétrico é 2 a 3 vezes maior do que a do motor de combustão z Foto: Getty Images

Os transportes correspondem às maiores emissões de carbono brasileiras, depois daquelas do desmatamento e da pecuária em pastagens degradadas. Os 200MtCO2 emitidos pelo diesel e gasolina anualmente excedem as emissões da indústria e sua eliminação é essencial para o país chegar às Emissões Líquidas Zero até 2050.

Eliminar as emissões nos transportes é menos difícil do que parece, porque a eficiência do motor elétrico é 2 a 3 vezes maior do que a do motor de combustão e o potencial de energias renováveis é grande no Brasil.  Uma frota de 60 milhões de automóveis, rodando 12 mil km/ano, com uma eficiência de 0.18kWh/km sem contar perdas de transmissão, exigiria 160TWh anuais, ou 25% da energia elétrica produzida hoje no Brasil.  Eletrificar a frota de caminhões, se ela dobrar em relação à atual, aumentaria a conta em 400TWh (60% da geração elétrica atual).

A eletrificação dos veículos, somada ao crescimento tendencial da demanda por eletricidade, levaria à necessidade de triplicar a geração elétrica até 2050. Essa geração duplicou desde 2001, com o auxílio de grandes hidroelétricas.  A eletrificação exigiria até 250 GW de nova capacidade renovável, o que se compara à capacidade atual de 170GW, incluindo todas as fontes, e à expansão recente das fontes eólica e solar de cerca de 5GW/ano.

O investimento anual para a geração necessária à eletrificação do transporte estaria perto de 1% do PIB, com os custos atuais das fontes renováveis e sem contar a expansão da transmissão e distribuição necessárias. Esses valores são financiáveis, dados o baixo risco dessa geração e a economia de combustível proporcionada. Os atuais 40Mtoe/ano de diesel (280 milhões de barris de petróleo) custam 20 bilhões de dólares, ou 1.5% do PIB, mais a despesa de refino e distribuição, montantes poupados ao serem substituídos por luz solar e vento gratuitos.

Essa substituição pode prejudicar a Petrobrás? Não necessariamente, se a empresa exportar a produção do pré-sal, ajudando outros países a deslocar o carvão e diminuir suas emissões. 

Para alcançar a eletrificação, provavelmente o foco deve ser na Eletrobras e na regulação. Pensando no futuro, o Professor Edmar Bacha notou recentemente (Valor Econômico, 7/8/2021) que faltou tratar as questões regulatórias-concorrenciais antes de se editar a MP da diluição da Eletrobras (independente das mudanças de texto na conversão da MP).  

Essas questões são importantes para a precificação da empresa e orientação do investimento na expansão da geração, inclusive quando se permitir ao pequeno consumidor escolher seu fornecedor de energia.  O investimento em fontes solar e eólica é mais fácil do que em grandes hidroelétricas, atraindo até agora capital abundante e diversificado. Mas, poderia o aumento de rentabilidade da nova empresa, com o aumento de tarifas que ela ganhará e as economias com funcionários, integração das subsidiárias e outras ações possíveis com a privatização de seu controle, criar um grande poder de mercado e alterar esse quadro? 

Dado que o potencial hidroelétrico brasileiro está quase esgotado, a empresa provavelmente destinará seus excedentes financeiros para reforçar sua posição nos mercados de transmissão e de energias renováveis, além de modernizar e repotenciar suas hidroelétricas, compensando eventual redução do volume de água atribuída a elas. 

Com a separação da remuneração dos contratos de suprimento de energia daquela do “lastro” (uma forma de disponibilidade para confiabilidade ao sistema), prevista no PLS 414-2021, esses excedentes podem ter grande valor. Caso a remuneração do lastro cubra toda vida do projeto, mas não seu custo total, e os contratos de suprimento de energia encurtem com a liberação dos consumidores, novos projetos podem ter menos garantias a oferecer a financiadores de mercado, valorizando o investimento com recursos próprios.

A transmissão, por seu lado, continuará sendo um trunfo, devido à dispersão geográfica e intermitência das fontes renováveis. Ela é hoje regida por leilões e tarifação independente da distância, mas essas características podem se alterar, afetando o perfil e dinamismo dos investidores em energias renováveis.

O valor do armazenamento de energia também mudará com o incremento das fontes intermitentes.  A Agência Internacional de Energia tem lembrado que as hidroelétricas conseguem aumentar ou diminuir sua geração mais rapidamente e com menor custo do que as usinas nucleares ou térmicas[i]. E elas, assim como o armazenamento por bombeamento de água, têm uma escala que as baterias químicas dificilmente alcançarão, e menor impacto ambiental. Não escapa a muitos, portanto, que a precificação desses serviços – também prevista no PLS 414-2021 – e seus efeitos na integração das diversas fontes de energia também influenciarão a expansão das fontes renováveis.

Em suma, a eletrificação do transporte não deve ser cara, mas escolhas regulatórias ainda pendentes tornam incerto o real valor da Eletrobras e a velocidade e equilíbrio dos investimentos na geração elétrica necessários para o país alavancar suas vantagens na rota das Emissões Líquidas Zero.

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Investimentos também dependem da tributação, a qual nem sempre é favorecida por decisões sem ampla discussão prévia.  Nesse sentido, pode ser um fator de conforto saber que o prometido ajuste da “tabela” do imposto de renda da pessoa física e, quase certamente, a ampliação do Bolsa Família não dependem de mudanças imediatas na tributação dos dividendos.

O ajuste do IRPF não está sujeito ao Art. 14, § 1º da LRF e, na avaliação de muitos, ampliar o Bolsa Família não exige aumento permanente de receita, porque o orçamento do programa pode ser alterado anualmente. E, se exigir, um bom reforço nas suas prestações ainda caberia na chamada margem líquida de expansão de despesas (Art. 4o, § 2º da LRF) para 2022.


[i] https://iea.blob.core.windows.net/assets/4d2d4365-08c6-4171-9ea2-8549fabd1c8d/HydropowerSpecialMarketReport_corr.pd

  • Publicado originalmente no Valor Econômico

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Joaquim Levy é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Ex-Ministro da Fazenda, Levy é engenheiro naval pela UFRJ, mestre pela FGV e PhD em economia pela Universidade de Chicago. Tendo sido CFO e Diretor Gerente do Banco Mundial e Vice-Presidente de Finanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele foi Presidente do BNDES e Secretário do Tesouro Nacional do Brasil, além de ter trabalhado no mercado financeiro, tendo sido responsável por uma das principais gestoras de ativos do país.

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