close

Maroni João da Silva

Em certas culturas organizacionais, a missão vale menos que o cifrão

Assédio de alguns empresários para tentar direcionar votos dos empregados nas eleições levanta questionamentos sobre ética e cultura das organizações

Empreendedorismo

Motivações e consequências tóxicas de assédio nas empresas abalam a imagem das corporações | Foto: Getty Images

Recentemente, a imprensa noticiou pressões de empresários sobre seus empregados para que renunciassem à privacidade do voto. Junto com a afronta ao sigilo veio à tona o questionamento entre ética e cultura organizacional.

Afora o objeto criminal legalmente apontado nesses casos, o que se busca questionar aqui está mais embaixo, institucionalmente falando. Grosso modo, exigiu-se dos “colaboradores” uma típica colaboração, formalmente extracontratual.

Tal atitude aponta também um conflito nas práticas relacionais corporativas socialmente classificado como desviante. Em outras palavras, é o assédio moral, o qual representa a antítese da interação apregoada pela pluralidade de ideias e culturas, via diversidade.

Por meio dessas duas hipóteses busca-se traduzir o lamentável episódio, evidenciando quem é o dono da bola no jogo corporativo. E sempre é possível haver mais controvérsias, quando as relações humanas são manipuladas a favor do mundo dos negócios.

Por exemplo, a responsabilidade social corporativa tornou-se uma espécie de doutrina religiosa em algumas empresas, dentro e fora do Brasil. Contudo, na hora do salve-se quem puder, a ladainha que mais se houve é manda quem pode, obedece quem tem juízo.

À luz da ética, a postura dos empresários “desviantes” desperta em primeiro lugar a noção de empoderamento manifesta através da expressão, “sabe com quem está falando?” Tal representação simbólica de status explica, em parte, as causas estruturais de nossa crônica desigualdade social.

Em segundo lugar, a questão nos remete ao ponto central da discussão em pauta e que fica mais clara diante da seguinte indagação: existe de fato coerência entre o discurso da cidadania corporativa e as práticas relacionais e de negócio das empresas?

Como toda a regra tem exceção, a prudência recomenda não generalizar, quando se trata de analisar os fundamentos que distinguem o DNA de cada empresa. Mas é bom deixar claro que, em se tratando de coerência entre ação e discurso corporativo, às vezes é a exceção que se torna regra.

Para se compreender a estreita relação entre essas duas ideias – sem perder o foco do assunto em pauta –, basta relembrar o perfil sociocultural das organizações responsáveis pelas grandes catástrofes ambientais mais recentes que ocorreram no Brasil.

Todas eram bem-posicionadas no mercado, tinham cultura consagrada, marca, imagem e reputação aparentemente acima de qualquer suspeita. Isso explica, talvez, a dificuldade para que os danos causados por elas fossem reparados, fora as vidas humanas ceifadas.

Vale rememorar igualmente a identidade de grandes grifes que estiveram por trás dos mais tenebrosos casos de práticas de trabalho escravo, envolvendo adultos e crianças. Algumas denúncias de racismo estrutural também costumam emergir em organizações rotuladas como inclusivas, assim como a discriminação institucional é latente em determinadas esferas de Estado.

As ideias aqui arroladas apontam não só “lugar de fala” dos empresários que tentaram fazer valer os interesses individuais sobre os coletivos. Mostram também que as motivações e consequências tóxicas de seus atos contaminam de certa forma o mundo dos negócios como um todo.

Por outro lado, o assédio em questão desnuda não só a imaturidade da responsabilidade social praticada por algumas empresas. Deixa claro também que em parte do meio empresarial a noção de “empresa válida”, que busca criar valor para a sociedade em todas as suas ações, não passa de uma miragem no imaginário corporativo.

O pior é que o lamentável episódio também rebaixa a cotação de certos valores tradicionais difundidos e ainda cultuados por muitas organizações, como a ética por exemplo. Daí conclui-se que, em determinadas circunstâncias, a missão vale bem menos que o cifrão. É a tal história: dinheiro não traz felicidade, mas paga os boletos.

Abra sua conta


@maronisilva é jornalista, escritor, Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, sócio-diretor da Textocon, Comunicação & Cultura Organizacional, autor dos livros Magazine Luiza – Negócio e Cultura e O lado místico do comércio, além de coautor de Gestão de Pessoas no século XXI: Desafios e Tendências para além de modismos.

Assine o Safra Report, nossa newsletter mensal

Receba gratuitamente em seu email as informações mais relevantes para ajudar a construir seu patrimônio

Invista com os especialistas do Safra