Muitas empresas brasileiras estão quebrando a cabeça para lidar com a avalanche de mudanças que impacta atualmente o mundo corporativo. De um lado, a pluralização social tensiona lideranças consolidadas, e, por outro, a transição política obriga as organizações a rever posicionamentos e práticas relacionais internas e externas.
Não existem receitas fáceis quando o objetivo é conciliar interesses divergentes em interface com a conexão humana. Contudo, os desafios referidos na introdução deste artigo podem ser enfrentados com base nos fundamentos e nas ferramentas que a cultura organizacional oferece, conforme abordaremos na sequência.
Boa parte das empresas imprime sua identidade inspirada quase que exclusivamente no conhecimento, nas vivências e nas experiências de gestores e fundadores. Esse egocentrismo institucional acaba gerando estilos de governança pouco permeáveis ao que acontece fora dos portões das empresas.
Na prática, relegam-se ao segundo plano os chamados fatores exógenos – aqueles cujo controle direto foge da alçada das empresas. Com isso, algumas atitudes e comportamentos emanados desse modelo de organização pressupõem a existência de um sistema que opere independentemente do contexto social mais amplo.
Havendo pressão por mudança motivada por fatores externos, como a transição política mencionada anteriormente, tais empresas terão que pagar um preço considerável – real e simbólico – para se reinventar visando garantir a perenidade de seus negócios.
Em outras palavras, o reposicionamento institucional demandará soluções tanto de médio como de longo alcance. No primeiro caso, recomenda-se a ressignificação do discurso corporativo, contemplando pautas socioculturais de atores e sujeitos diferenciados.
No segundo caso, a receita implica abrir portas e janelas, a fim de arejar corações e mentes, além de todas as estruturas que compõem o DNA da empresa. A intenção é repaginar a visão da companhia sob a ótica de valores cuja perspectiva ultrapasse os muros que a mantêm refém de si mesma.
Por outro lado, sugere-se o apoio irrestrito do RH a intervenções culturais que busquem reforçar a interação dos times no intuito de gerar valor para a organização, por meio da diversidade. Tal atribuição deve garantir maior protagonismo à gestão de pessoas, tanto na formulação como na implementação de ações voltadas a cooperação e troca de experiências.
A matéria-prima de parte dessas ações pode ser extraída da própria cultura organizacional das empresas, caso seus fundamentos estejam bem consolidados. Por exemplo, histórias e narrativas sobre travessias bem-sucedidas podem inspirar treinamentos, rituais e dinâmicas motivacionais inovadoras.
Não raro, essas tecnologias de gestão geram gatilhos institucionais e psicológicos que fomentam habilidades e impulsionam a melhoria do desempenho profissional. Tanto a literatura técnico-científica como o cotidiano das empresas registram casos em que a segurança psicológica encoraja as pessoas a serem mais ousadas e propensas a assumir riscos, condições sine qua non para a inovação.
Da mesma forma, quando gerida como um kit de ferramentas, a cultura amplia o leque de oportunidades para a alavancagem da competitividade nas empresas. Nesse caso, certos artefatos de valor simbólico, bem como repertórios culturais específicos, podem ser associados a melhores práticas de trabalho e até mesmo à quebra de paradigma no desenvolvimento de soluções disruptivas.
Nessa perspectiva, tradição e modernidade destacam-se na cultura global e nas empresas em especial como fatores-chave de mudanças, ainda que aparentemente contraditórios. Não por acaso, grandes empresas procuram enfrentar o desafio da melhoria contínua, resgatando o potencial sinérgico de certos símbolos e representações do passado.
Busca-se, dessa forma, situar a identidade corporativa no tempo e no espaço. Afinal, os chamados não-lugares – aqueles desprovidos de raízes, nos quais os indivíduos se sentem anônimos – não se coadunam com o porto seguro que muitas pessoas almejam atualmente como ambiente de trabalho.
E mais: tensões e conflitos permanentes não rimam com otimização de resultados nem com qualidade de vida. Pelo contrário, alimentam o ritmo de crescimento das doenças sociais e, como consequência, fenômenos como a grande renúncia.
Fica, portanto, o alerta de que o enfrentamento dos dilemas organizacionais atuais não depende apenas de soluções geradas intramuro. No frigir dos ovos, várias cabeças pensam muito melhor que uma. E, como todos nós sabemos, conhecimento depende da percepção do que acontece, dentro e fora de casa, e de experiências acumuladas. Leia-se: novos ares.