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Claudio L. Lottenberg

O uso de smartwatches cresce na tendência do autocuidado

Cada vez mais populares como ferramentas de saúde, os ‘vestíveis’ desempenham funções positivas, mas não podem ser considerados médicos 24h

Smartwatches

Equipamentos o primeiro lugar no ranking das tendências fitness para 2022, segundo o Colégio Norte-Americano de Medicina Esportiva | Foto: Getty Images

Nos últimos anos, os smartwatches abocanharam um nicho do mercado de tecnologia ao abandonarem sua função original — serem smartphones em miniatura acoplados ao corpo — e adquirirem funcionalidades ligadas ao monitoramento da saúde e do bem-estar.

Num mundo cronicamente doente, vender saúde — ou a promessa de saúde — é sempre uma aposta acertada do ponto de vista financeiro. Não surpreende, portanto, que a pandemia tenha impulsionado as vendas desses dispositivos de forma significativa. Segundo a consultoria Internacional Data Corporation (IDC), elas cresceram 35% no final de 2020.

Os modelos de smartwatch disponíveis atualmente não só contam passos, calculam as calorias gastas em exercícios e medem os batimentos cardíacos, como desempenham uma bateria completa de exames: fazem eletrocardiogramas, avaliam a qualidade do sono, medem o nível de oxigênio no sangue e a porcentagem de gordura no corpo.

O discurso dos fabricantes desses dispositivos tem insistido em exaltar essas funcionalidades como algo fundamental para a boa vida. Um artigo recente, assinado pelo gerente de wearables (também chamados de ‘vestíveis’ ou ‘usáveis’, em português) da Samsung, e publicado em uma revista de grande circulação nacional, afirma que esses produtos “auxiliam na mudança e na incorporação de hábitos” e “proporcionam uma experiência mais lúdica para quem quer se cuidar”.

Já num filme publicitário lançado no primeiro dia deste ano, a Apple  recriou situações de emergência vividas por seus clientes. Ao sofrerem acidentes — seja capotar o carro, se perder em alto-mar ou quebrar a perna numa fazenda isolada — “Jason, Jim e Amanda foram resgatados em minutos com a ajuda dos seus Apple Watches”.

Existem, de fato, histórias de pessoas que foram salvas por seus relógios amplamente documentadas pela imprensa em todo o mundo. No Brasil, dois homens conseguiram detectar anomalias na circulação — taquicardia num dos casos, hipertensão no outro — de forma precoce, e procuraram atendimento médico antes que a situação se agravasse.

Essas histórias causam comoção ao apontarem para um ponto sensível, comum a todos os seres humanos: o medo da morte, representada na roupagem fantasiosa e extrema com que costumamos imaginá-la na nossa cabeça (um acidente ou um mal súbito numa situação de isolamento total), e não na forma como ela geralmente se apresenta na vida real (a consequência de doenças causadas por hábitos pouco saudáveis). A ideia apelativa de que um dispositivo milagroso possa nos afastar da morte se desfaz, no entanto, se prestarmos o mínimo de atenção à realidade.

Os casos dos brasileiros que detectaram problemas de saúde graças a seus smartwatches tendem a ser a exceção, não a regra. Um estudo feito em 2020 por pesquisadores da Mayo Clinic — centro de saúde referência nos EUA mostrou que o recurso que monitora os batimentos cardíacos encaminhava muita gente ao hospital sem necessidade. Apenas 10% dos pacientes que procuravam um médico na clínica após perceberem uma alteração no pulso foram diagnosticados, de fato, com um problema cardíaco.

Para aqueles cuja ideia de diversão é monitorar os indicadores do próprio corpo 24 horas por dia, os ‘vestíveis’ podem ser mesmo uma experiência lúdica. Não é à toa, portanto, que ocupem o primeiro lugar no ranking das tendências fitness para 2022, segundo o Colégio Norte-Americano de Medicina Esportiva. Mas eles devem ser vistos pelo que são, ou seja, apenas acessórios que podem auxiliar o autocuidado, e não um médico 24h.


Claudio L. Lottenberg é mestre e doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), presidente do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Hospital Albert Einstein

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