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Claudio Felisoni de Angelo

Em caso de dúvida, é bom recorrer à história

As críticas à política industrial não se referem ao fato que as ideias são antigas. A questão é que essas ideias antigas são erradas

análise política industrial

O papel indutor do Estado é secundário diante da sua responsabilidade de fornecer as condições de contorno adequadas ao funcionamento dos mercados | Foto: Getty Images

Para se chegar a algum lugar é preciso abrir o caminho. Há o desejo. Algo é imaginado como desejável, então o movimento na direção do que se quer, deve ser precedido pela disposição de construir a ligação entre a presente situação e o futuro almejado. É o ânimo para investir, fundamentado na propensão ao risco, que estabelece o novo cenário. Portanto, o investimento vem antes. Sem a estrada, não há futuro, o presente apenas se repete.

Keynes caracterizou essa disposição para investir como espírito animal. Ou seja, o predador tem o instinto de buscar a caça. É algo atávico a estes seres. Faz parte de sua essência. Mutatis mutandis, o empreendedor é movido pela perspectiva do ganho. É essa possibilidade, a perspectiva da caça, o lucro, que o move do presente em direção ao futuro incerto. Nesse trânsito, do presente para o futuro, o empreendedor assume o risco e colhe os benefícios ou, quando as coisas imaginadas não dão certo, amarga prejuízos. Essas situações são inerentes a escolha realizada.

Recentemente, o Presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, se manifestou a respeito do papel indutor do estado no desenvolvimento econômico. Disse ele sinteticamente o seguinte: os críticos da política industrial consideram que o modelo desenvolvimentista do governo é suportado por ideias antigas.

Com base nisso ele faz indagações: como explicar o crescimento acelerado da China? Como explicar a evolução da economia norte-americana e dos países do bloco do euro? Resposta do presidente do BNDES: subsídio, incentivo, investimento público.

Não se pode negar a relevância do Estado. Absolutamente não é isso. Entretanto, mais importante que esse papel indutor, é o papel do Estado no estabelecimento de um ambiente de negócios favorável.

O Estado não substitui a inventividade e o dinamismo dos indivíduos e organizações. São essas características que historicamente constroem a riqueza das nações.

O papel indutor do Estado é secundário diante da sua responsabilidade de fornecer as condições de contorno adequadas ao funcionamento dos mercados.

É isso que está acontecendo? O governo acaba de anunciar que o rombo das contas públicas em 2023 foi de R$ 230,5 bilhões. Como se chegou nesse número? Com as receitas crescendo perto de 2% e as despesas 12%. Ora, pois, esse discurso de apoio ao mercado, no fim das cotas não seria o mesmo que a política passada de estímulo as tais empresas tidas como campeões nacionais?

Pode-se dizer que não, mas as condições a partir das quais se quer esse protagonismo do Estado são realmente preocupantes.

Não vamos nos esquecer que de uma lista de cento e oitenta países o Brasil ficou na 104ª posição no que se refere ao índice de Percepção da Corrupção divulgado recentemente pela Transparência Internacional. Registre-se que da penúltima avaliação para essa última o Brasil piorou significativamente, perdendo dez posições.

Portanto, conclui-se que as críticas à política industrial não se referem ao fato que as ideias são antigas. A questão é que essas ideias antigas são erradas. E são erradas não porque tal conceito dependa da perspectiva. São erradas porque assim se mostraram na realidade.

O único caso em que não deu errado é exatamente a China. Mas, esse é um exemplo completamente distinto dos Estados Unidos e da União Europeia.

Colocar a China no mesmo balaio, é o mesmo que examinar o comportamento de um bicho selvagem com os parâmetros utilizados para observar as reações dos animais domesticados. Estes últimos, mais uma vez, mutatis mutandis, seguidores, ao menos de modo razoável, de algumas regras de convivência.

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Claudio Felisoni de Angelo é professor e coordenador de Projetos da FIA Business School, ligada à Fundação Instituto de Administração da USP. Preside o conselho Laboratório de Finanças e Programa de Administração de Varejo da FIA. É professor titular do Departamento de Administração de Empresas da FEA/USP e presidente do IBEVAR - Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo.

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