Se tem uma coisa que é comum a todos os seres humanos é a existência de desejos, que demandam serem realizados a todo custo. Desejamos uma vida melhor, um relacionamento melhor, um trabalho mais bacana, uma casa maior, um carro novo, uma viagem inesquecível, um objeto de consumo…a lista não tem fim. E, é claro que dinheiro está sempre presente pois, para alcançar tudo isso, precisamos dele. Se usado com o objetivo de fazer sumir a urgência pela concretização do desejo, o prejuízo no bolso pode ser grande e o impacto na saúde financeira, às vezes, muito maior.
Quantas vezes, depois de uma situação de sucesso, ou mesmo estressante, não pensamos: “ah! Vou tomar aquele sorvete delicioso, afinal eu mereço!” Ou ainda, “vou comprar uma roupa nova, ou, vou comprar xxx. Trabalhei tanto! Eu mereço!”
Nesses exemplos, o objeto do desejo é a recompensa – que julgamos merecida – em razão de alguma ação particular. Ou, ainda, como resposta à dificuldade em aguentar o desconforto provocado por
alguma angústia, seja ela consciente ou não. A recompensa é o alívio sentido com o desaparecimento do incômodo, viabilizado pela realização do desejo.
O interessante aqui, é que a busca pela recompensa nos controla, nos domina, tira a nossa liberdade. E, não estamos conscientes disso. Em todos os âmbitos. Não somente o financeiro.
Acreditamos nas histórias que contamos a nós mesmos:
- Eu mereço;
- Só mais uma taça de vinho;
- Esse foi o último sorvete antes de iniciar a dieta;
- Vale a pena comprar duas peças a mais, apesar de eu não precisar, porque, afinal, está na promoção.
Quando realizamos o desejo, a sensação que surge em seguida é muito boa. Um prazer e um bem estar muito grandes. Esse sentimento fica registrado na memória e só o que queremos é experimentá-lo de novo!
Porém, esse maravilhamento é efêmero. Passa rápido. E depois, vem um vazio, um tédio. Que nos leva rapidamente ao “o que vem agora? Vou partir para a próxima.”
O ciclo, então recomeça. Talvez com outro objeto de desejo e outras justificativas, porém a busca pela recompensa é implacável.
Em 1943 Jean Paul Sartre escreveu “O ser e o nada”. Nesta obra ele discute um modo de ser sem consciência, sem liberdade e sem possibilidades versus um modo de ser da consciência humana que busca dar sentido à sua existência.
Mais ainda, ele introduz o conceito de que o desejo é suicida. Está sempre em busca de se realizar, nos impelindo, quase sem liberdade de escolha a perseguir este objetivo. No momento em que se obtém o êxito, o próprio desejo é assassinado. Ele deixa de existir. É claro que outros nascerão e, com sorte, terão o mesmo destino.
Como tudo isso se conecta ao uso do dinheiro, quando olhamos sob a perspectiva biológica da tomada de decisão?
O protagonista aqui é a dopamina. Ela é o neurotransmissor responsável pela motivação, que nos dá força interna, nos impulsiona a realizar algo. É muito importante para fazermos tudo que precisamos nas nossas rotinas diárias e profissionais.
A dopamina atua no sistema de recompensas do cérebro incentivando a busca por gratificação, de qualquer natureza. O intervalo de tempo entre querer fazer e completar a tarefa, pode variar. Para nos graduarmos numa faculdade, por exemplo, pode levar entre 4, 5 anos ou mais até recebermos a recompensa.
O intervalo também pode ser bem pequeno, quase instantâneo, como nos casos de queremos mudar de fase nos videogames, likes nas redes sociais, elogios, relaxamento com uso de álcool e experiências supra-sensoriais com o uso de drogas. Inclusive, maratonar séries, sem sair do sofá!
Quando a dopamina está presente no cérebro, causa uma sensação de euforia, de energia para conquistar. Quando o desejo é realizado, e, de acordo com Sartre, morre, como resultado de sua própria função, a serotonina entra em ação. É liberada nas sinapses e traz uma sensação prazerosa de que está tudo ótimo, de que estamos “no lugar certo, na hora certa”.
Porém, passado um curto período de tempo, a quantidade de dopamina presente no fluido que banha o cérebro cai a um patamar inferior ao que estava no início do processo.
Este fato faz com que o anseio por voltar a se sentir motivado (a realizar novamente um desejo) provoque a produção e liberação de dopamina que, por sua vez, nos leva a perseguir algum objetivo que gere uma recompensa emocional: bem estar, ou, serotonina. E o ciclo segue adiante.
Para complicar ainda mais a história, quando a dopamina é liberada, bem no coração do sistema emocional, ela nos faz sermos impulsivos, às vezes sem medir as consequências.
Podemos, por exemplo, gastar muito mais do que as nossas possibilidades, sermos capazes de contrair dívidas no calor do momento, entrar em aplicações financeiras extremamente arriscadas quando não estamos em posição de perder dinheiro, na ânsia de uma remuneração – recompensa – maior.
E, cuidado agora: simultaneamente, a dopamina anestesia, enfraquece o nosso sistema de controle inibitório. Aquela capacidade que freia nosso furor por fazer alguma coisa o quanto antes. É como se o futuro não existisse e a capacidade de pensar nas consequências de nossos atos desaparecesse, às vezes quase completamente.
Sabe aquela situação em que você bebeu demais e começa a mandar mensagens descabidas para alguém no meio da madrugada? Ou falou o que não devia? Ou ainda pior, fez alguma coisa que se arrependeu amargamente no dia seguinte?
Falando de dinheiro, comprou coisas que não precisava ou que eram muito caras, emprestou dinheiro para alguém, aplicou num produto financeiro sem analisar com cuidado.
Deu para ter uma ideia, né? Pois é…A dopamina na sua busca incansável pela realização do desejo. Nos tornamos, então, este ser sem consciência, sem liberdade e sem possibilidades de fazer diferente, como Sartre bem descreve. À vista disso, o que fazer?
A primeira coisa é saber que o nosso sistema nervoso funciona assim. É preciso ganhar consciência do processo e de nós mesmos, sujeitos à influência da química do nosso corpo nas nossas decisões, inclusive financeiras. Daí, temos que ganhar tempo. Não fazer nada até que os neurotransmissores se diluam, que a vontade infindável pela realização do desejo diminua e possamos recuperar nossas capacidades de pensamento lógico.
Até o surgimento do próximo desejo, com a esperança, porém de estarmos mais conscientes e conectados com os propósitos de nossa própria existência. Operando no modo de ser “para-si”, que transcende o “em-si”, como descrito por Jean Paul Sartre.