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Claudio L. Lottenberg

Saúde e natureza: o elo que não pode ser rompido

Custos, em dinheiro e vida, são maiores do que se pode suportar; coube à geração atual o esforço para reverter os danos ao ambiente

Urso polar sobre pequeno iceberg

Uma das primeiras condições da felicidade é que o vínculo entre o homem e a natureza não seja rompido, escreveu Tolstoi | Foto: Getty Images

Há cerca de um mês, ganhou espaço no noticiário dos EUA um fato que costuma se repetir nas regiões do país em que áreas urbanas chegam mais perto de florestas. Por volta das 19h, um urso pardo entrou em um café na Califórnia, subiu no balcão e se serviu de alguns cookies – até que chegasse a polícia para tirá-lo dali. A situação foi filmada e, como não poderia deixar de ser, o vídeo foi parar no Youtube e viralizou (veja abaixo).

Não foi a primeira nem a última vez que isso aconteceu. Pelo contrário: ursos que fazem visitas a cafés, residências e outros lugares são uma ocorrência comum em certas partes do país. Alguém poderia perguntar por que os ursos resolvem invadir as casas. A resposta a essa pergunta pode levar – e é bom que o faça – à questão ambiental e, mais do que isso, à dos efeitos da crise climática sobre a saúde.

Áreas urbanas avançam cada vez mais em direção a regiões de cobertura florestal; nesse processo, invadem habitats de ursos e muitos outros animais, impermeabilizam o solo e causam devastação – o que leva a deslizamentos de terra, enchentes e outros desastres. Esses riscos estão em um artigo de 2020, publicado pela Embrapa – e aponta ainda os riscos de causar escassez de água e alimentos e, principalmente, o da ocorrência de doenças infecciosas.

Há uma tendência a se olhar – mesmo hoje, tempo em que discussões sobre ambiente e preservação invadem nosso cotidiano por todos os lados – problemas decorrentes de desmatamento e devastação como se fossem crises a serem deflagradas décadas à frente. E mesmo que fosse esse o caso, de maneira alguma se justifica: foi porque gerações anteriores não se atentaram aos riscos ambientais – já visíveis então. A título de ilustração, no campo da música, o compositor norte-americano Marvin Gaye (1939-1984) nos legou o álbum “What`s Going On” (de 1971), com a canção “Mercy Mercy Me”. Na música, um profundo lamento a respeito da destruição da natureza, ele pergunta: “Quanto abuso mais esta terra superpovoada pode aguentar?”. Em 1971.

Ainda segundo o artigo da Embrapa, os pesquisadores afirmam que mudanças climáticas podem mesmo fazer não só com que surjam doenças desconhecidas como que outras, já conhecidas, sofram mutações para as quais o sistema imunológico do ser humano não está adaptado – o que levaria a altos índices de infecção e letalidade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) cita que doenças como a AIDS surgiram em animais, e depois de migrarem para humanos desenvolveram cepas próprias. Outras, como ebola e salmonela, são zoonoses que podem causar surtos recorrentes.

Ainda segundo a OMS, a mudança climática deve causar cerca de 250 mil mortes a mais por ano entre 2030 e 2050, por desnutrição, malária, diarreia, estresse térmico, problemas respiratórios relacionados à qualidade do ar e outros fatores. Os custos diretos dos danos à saúde para setores como agricultura, água e saneamento devem ficar entre US$ 2 bilhões e US$ 4 bilhões a cada ano até 2030. Países em desenvolvimento, nos quais as redes públicas de saúde são notoriamente fracas, deverão ser os mais afetados, e os menos capazes de preparar assistência para responder.

No mesmo relatório, a organização afirma que a pandemia de covid-19 revelou a íntima ligação entre humanos, animais e meio ambiente, e que a mudança climática “é a maior ameaça à saúde que a humanidade enfrenta”. Não uma das maiores; a maior.

É possível ainda reagir a esse estado de coisas: por exemplo, priorizando intervenções climáticas com vistas a ganhos maiores em saúde; construindo sistemas de saúde resilientes ao clima; investindo em energias renováveis; promovendo projetos urbanos e sistemas de transporte sustentáveis; protegendo e preservando a natureza e ecossistemas; e mobilizando a comunidade de saúde na ação climática.

Coube à geração atual fazer esse esforço, mas o que se terá a ganhar é inestimável. Como diz a frase atribuída ao escritor russo Liev Tolstoi: “Uma das primeiras condições da felicidade é que o vínculo entre o homem e a natureza não seja rompido”.

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Claudio L. Lottenberg é mestre e doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), presidente do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Hospital Albert Einstein

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