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Sidney Klajner

Sidney Klajner

Agilidade na área da saúde

Na área de saúde, é hora de as organizações abrirem as portas para os ventos transformadores, além de práticas e cultura ágeis de forma organizada e orquestrada

saúde hospital

O foco deve ser a busca de espaços seguros para experimentar e gerar valor em ciclo curto para a experiência do paciente | Foto: Getty Images

Pelo perfil de atividade, organizações de saúde costumam ser mais tradicionais, acadêmicas e engessadas em processos e controles. As práticas ágeis são importantes para despertar adaptabilidade ao ritmo de trabalho e gestão de mudanças para os desafios do setor. Mas elas só funcionarão acompanhadas de uma alteração de comportamento, incorporando a mentalidade ágil à cultura da organização.

É mais fácil compreender a aplicabilidade das práticas ágeis em áreas de tecnologia que foi, aliás, onde a metodologia nasceu. Você une as pessoas certas, que podem idealizar coletivamente a solução por meio de um software, por exemplo, testa se funciona ou não, ajusta e aplica. Mas em organizações de saúde isso não é tão trivial. Dificilmente vemos uma área tão tradicional e acadêmica como a de saúde, em que tudo é mais controlado e hierarquizado, abrir-se à mudança de rota e à experimentação de novos caminhos.

Mas o fato de essas organizações cuidarem de vidas não significa que tenham de manter esse perfil. Ao contrário, atender às demandas de um setor complexo e que se transforma velozmente – e, numa instituição como o Einstein, aliar isso com promoção da equidade em saúde, sustentabilidade, inovação, qualidade, segurança e boa experiência do paciente – exige ser criativo, experimentar inovações, testar estruturas… Enfim, requer modelos de organização do trabalho e gestão que possibilitem fazer isso com equipes estimuladas a trabalharem de forma colaborativa e buscarem abordagens inovadoras, com espaço para testar, errar (com capacidade para corrigir os erros rapidamente) e aprender; com colaboradores empoderados e sem as barreiras hierárquicas ou de silos. Portanto, ter uma liderança que valide e patrocine essa forma de trabalho é fundamental para dar autonomia e alinhar as responsabilidades junto aos times.

Nesse contexto, a metodologia e as práticas ágeis são importantes, mas junto com elas é preciso trazer uma nova mentalidade e um novo comportamento no ambiente de trabalho para construir uma cultura ágil sustentável. Isso não se faz por decreto. Assim, o primeiro passo é desmistificar o conceito de agilidade. Como destaca Andrea Suman, diretora de Dados e Agilidade do Einstein, “não é exatamente sobre velocidade e, sim, sobre adaptabilidade. É a capacidade de entender um novo contexto ou uma necessidade e conseguir mudar rapidamente para o lugar certo”.

Quem faz o ágil são pessoas – equipes dedicadas às quais é dado um objetivo claro e os resultados esperados. Como chegar a eles é missão do time responder, atuando de forma multidisciplinar, com colaboração, inteligência coletiva e autonomia para ousar e experimentar. Às lideranças cabe dar as condições e delimitar as restrições para a equipe trabalhar. E junto com a mentalidade ágil vem a gestão 3.0, que é uma inversão da pirâmide de gestão: não é o colaborador trabalhando para atender às necessidades da liderança; é a liderança que atua removendo os impedimentos para os colaboradores trabalharem bem e de forma fluida.

Em vez de grandes projetos estruturados da forma convencional, no ágil são criadas metas ou missões de ciclos mais curtos. É uma mentalidade incremental. As abordagens ágeis – como Scrum, Kanban e Lean, entre outras – servem para sustentar, organizar e acelerar o trabalho dos times, incluindo mecanismos de gestão à vista, com métricas ágeis de eficiência e eficácia.

A agilidade é, portanto, mais uma mentalidade que um método. As ferramentas ajudam a sustentar as práticas ágeis. Mas o simples fato de adotar o Scrum ou qualquer outra não significa ser ágil. Essa cultura (mentalidade e comportamento) vem primeiro e é o centro de tudo. Um time pode ser ágil sem utilizar qualquer dessas abordagens.

A cultura ágil deverá permear toda a organização, mas no setor de saúde é preciso delimitar os espaços onde as práticas ágeis podem ser adotadas. Ninguém vai testar soluções que possam impactar o trabalho assistencial ou colocar a segurança do paciente em risco, por exemplo. O foco é buscar espaços seguros para experimentar e gerar valor em ciclo curto para a experiência do paciente. Para ilustrar, citarei três cases do Einstein.

  • Um time ágil, que cuida da experiência dos pacientes do sistema privado, tinha a missão de estimular o agendamento de serviços de reabilitação oferecidos pelo Einstein (tanto para os pacientes como para os médicos), respeitando, evidentemente, a pertinência do cuidado. A solução criada foi incentivar seu uso via call center e contatos com os pacientes no beira-leito, pós-consulta ou pós-cirurgia e pacientes oncológicos que podem se beneficiar das práticas de reabilitação. Em um ano, o engajamento de pacientes a esses serviços aumentou quase 100%. Adicionalmente, houve impacto positivo na experiência e no fortalecimento da conexão do binômio médico-paciente, proporcionando maior continuidade no cuidado, além de gerar maior fidelização à organização.
  • Outro time ágil, que cuida da experiência dos pacientes do setor público, buscou uma nova abordagem para diminuir o número dos que faltavam nas consultas médicas da Assistência Médica Ambulatorial de Especialidade Pediátrica Campo Limpo (AMA-E), que é administrada pelo Einstein. A solução foi estabelecer um contato proativo com os pacientes, atualizar e garantir dados cadastrais corretos. Em oito meses, houve uma redução de 28,6% para 20,9% no absenteísmo, aumentando o atendimento de pacientes em consultas médicas, sem acréscimo de recursos.
  • Já o time que cuida da experiência dos colaboradores na jornada admissional do Einstein tinha a missão de pensar formas de melhorar a velocidade nas respostas às dúvidas relacionadas ao processo de recepção e aceite de proposta de admissão. A solução foi a digitalização de partes da jornada do colaborador, com a utilização de chatbot, atendendo muitas pessoas simultaneamente e funcionando como primeiro atendimento no SAC. Os resultados foram maior rapidez no esclarecimento das dúvidas e diminuição do número de atendimentos no SAC e outros canais disponíveis, além de proporcionar uma experiência fluida e positiva. Antes, o percentual de novos colaboradores que, nos primeiros dias de casa, demonstravam insatisfação com o tempo de resposta era de 26%. Com as soluções adotadas, caiu para 5%.

Neste mundo VUCA (Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo), que desafia todos os setores de atividade, o melhor a fazer é inovar e investir na capacidade de adaptação às mudanças desse novo contexto. Na tradicional área de saúde, é hora de as organizações abrirem as portas para os ventos transformadores, embarcarem o uso de práticas ágeis e, sobretudo, de uma cultura ágil, de forma organizada e orquestrada.

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Sidney Klajner é Cirurgião do Aparelho Digestivo e Presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Possui graduação, residência e mestrado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, além de ser fellow of American College of Surgeons. É coordenador da pós-graduação em Coloproctologia e professor do MBA Executivo em Gestão de Saúde no Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Einstein.

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