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Mônica Kruglianskas

Faltam profissionais qualificados em sustentabilidade

Enquanto o mundo enfrenta o dia mais quente da história, o mundo ESG enfrenta demissões e alta rotatividade dos líderes de sustentabilidade recentemente contratados

profissionais de sustentabilidade

Faltam especialistas suficientes em todo o mundo e o mercado de sustentabilidade mudará enormemente à medida que as empresas encontrem especialistas para conduzir suas estratégias | Foto: Getty Images

Conforme dados dos Centros Nacionais de Previsão Ambiental dos EUA, o dia 3 de julho de 2023 foi o mais quente já registrado globalmente. A temperatura média global atingiu 17,01°C, superando o recorde de agosto de 2016 de 16,92°C, com ondas de calor espalhadas pelo mundo. Não faltam exemplos concretos de como isso se manifesta no nosso dia a dia. Os que estão de férias na Europa este mês vão seguramente se defrontar com essa situação. Sardenha e Sicília (Itália) com 48°C, enquanto bombeiros combatem incêndios florestais nas Ilhas Canárias (Espanha) e na Grécia. Embora os tufões ocorram anualmente no leste da Ásia, este ano houve recordes de altas temperaturas em grandes partes da China tendo confirmado a ocorrência da temperatura recorde de 52,2 ° C no noroeste do país, Coreia do Sul e Japão. A insolação levou a hospitalizações e mortes, enquanto o calor intermitente e as inundações causam dezenas de baixas.

O Vale da Morte, na Califórnia, geralmente entre os lugares mais quentes da Terra, atingiu o recorde de 52°C em julho de 2023. O norte da África registrou temperaturas próximas a 50°C e no Oriente Médio, milhares sofrendo de um calor escaldante durante a peregrinação religiosa do hajj na Arábia Saudita.

O enviado climático dos Estados Unidos, John Kerry, esteve em Pequim em julho de 2023 tentando demonstrar que os dois maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo estarão renovando seu foco no enfrentamento da crise climática.

Se a sua casa não pegou fogo ou se você não está em algum destes lugares agora mesmo, esta situação pode soar um tanto distante e provavelmente você esta fazendo muito pouco a respeito – como por exemplo, mudando drasticamente a sua forma de consumir ou exigindo que o seu fundo de investimento ajuste e direcione o seu portfólio para empresas de impacto que realmente irão trazer soluções para esse nosso sistema insustentável.

Os últimos anos – em função de um fenômeno que mistura o despertar do setor financeiro para riscos socioambientais de investimento (agenda ESG), o reconhecimento global da incapacidade governamental para resolver a crise planetária (incluindo o episodio Covid19) e o papel da geração Z, millenials e consumidores em geral com relação a crise climática – tem visto uma demanda sem precedentes por profissionais de sustentabilidade.

Depois de muitos anos com a mão na massa, contribuindo para mudar a realidade das empresas por dentro, grande parte do meu trabalho hoje está voltado para apoiar os novos talentos que querem se especializar (evitando a superficialidade) em questões relacionadas à sustentabilidade.

Tenho me preocupado especialmente com a busca do fortalecimento da interação entre o global North, que possui os recursos e a vontade para avançar essa agenda, e o global South, cuja integração é pré-requisito para o sucesso do primeiro.

Nestes últimos três anos, numa corrida quase que desenfreada, empresas preocupadas com a sua “licença para operar” contrataram profissionais de ESG ou de sustentabilidade. Mas, em 2023, de forma geral, especialmente no âmbito internacional, vimos a indústria mudar o discurso “ESG está na vanguarda de tudo o que fazemos” para “Precisamos rever nossas Prioridades na Gestão de Investimentos” em detrimento de investimentos em sustentabilidade.

O consenso geral dos diretores do ESG com quem tenho conversado aqui em Londres é que agora isso não parece ser uma prioridade e a reação anti-ESG, especialmente vinda dos EUA, oferece uma oportunidade para refletirem de forma mais introspectiva, para que descubram como a sustentabilidade pode ser efetivamente comunicada aos clientes (existentes e potenciais) em um mercado tão volátil.

A integração da sustentabilidade socioambiental é um dever fiduciário para os clientes e investidores, mas a reação externa parece estar atrasando muita inovação e progresso que já poderia ter acontecido até agora. Essa inercia e ausência de resultados mais concretos tem gerado várias demissões e uma alta rotatividade dos líderes de sustentabilidade recentemente contratados pelas empresas.

A realidade da complexidade da sustentabilidade está chegando. Muitas empresas perceberam que contrataram líderes que não possuem o conhecimento necessário para oferecer o direcionamento em sustentabilidade (competência vs. greenwashing). Daí as demissões. Muitos destes profissionais ESG estão ficando ansiosos e já querendo mudar de emprego, indo para empresas mais ousadas e ambiciosas na sua trajetória de descarbonização ou mesmo de sustentabilidade.

Sustentabilidade não é um departamento, é uma teia de conhecimento que permeia e atravessa uma organização e sua cadeia de valores. Hoje é amplamente aceito que o maior gargalo para uma adoção mais ampla da sustentabilidade em todos os negócios é a falta de conhecimento sobre o tema.

A realidade é que simplesmente não temos especialistas suficientes em todo o mundo para preencher essa lacuna. E suspeito que o mercado de sustentabilidade mudará enormemente à medida que as empresas encontrem especialistas para conduzir sua estratégia, simultaneamente aprimorando as habilidades de todas as equipes em todos os departamentos para executá-la.

A sustentabilidade exige uma mudança do “business as usual”, e este é apenas o começo. Portanto, se você conhece os profissionais de sustentabilidade da sua empresa, ou tem algum no seu entorno pessoal, aproxime-se dela ou dele e, se possível, contribua para que possamos avançar nessa agenda da forma mais rápida possível – antes que seus investimentos se tornem obsoletos ou a sua casa pegue fogo.


Coordenadora Adjunta do Programa de Gestão Estratégica da Sustentabilidade da FIA Business School. Conselheira e Diretora Não Executiva em diversas organizações no Brasil e Europa.

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