Zé Gotinha, o super-herói defensor das vacinas
O "pai" do Zé Gotinha, Darlan Rosa, critica o estilo Disney atual do personagem, mas se diverte com fantasias esdrúxulas e "memes"
29/01/2021Zé Gotinha tem 35 anos e sempre lutou a favor das vacinas no Brasil. É um super-herói brasileiro que já salvou muitas vidas e ajudou a erradicar a poliomielite, uma infecção viral que causa lesão nervosa e leva à paralisia parcial ou total.
A imagem do Zé Gotinha mudou bastante desde a infância até a idade adulta, segundo seu criador, o jornalista aposentado e artista plástico Darlan Manoel Rosa, de 74 anos, morador de Brasília.
Ele falou a ‘O Especialista‘ sobre como foi a transformação do seu “filho”, que foi adotado logo ao nascer pelo Ministério da Saúde.
“Ele engordou, está meio acima do peso para quem trabalha com saúde, mas continua um super-herói que luta pela vida dos brasileiros sempre de uma maneira muito amável e pra cima”, comenta, acrescentando que sua criação era em um formato mais “mignonzinho”.
Darlan acha que os responsáveis pelas novas versões gráficas do personagem ao longo dos anos seguiram um “estilo Disney” que gourmetizou o personagem. Acrescentaram pernas, braços e até luvas como o Mickey. Ele diz que a ideia inicial era um personagem mais simples, embora com superpoderes, capaz de transpor barreiras sólidas e salvar vidas.
Zé Gotinha no aeroporto virou “meme”
Quanto aos “memes” e piadas do Zé Gotinha ou fantasias desengonçadas usadas nas campanhas pelo país, Darlan não se importa.
“Já vi um Zé Gotinha que parecia um integrante da Ku Klux Klan, mas muitas vezes são enfermeiras que buscam com esforço próprio abraçar a causa do personagem, com os materiais que estão ao alcance, e o que vale é a boa intenção de propagar as vacinas”.
Darlan soube por amigos que o super Zé Gotinha roubou a cena no dia da chegada das vacinas da Índia ao Brasil.
A foto de Zé Gotinha aparentemente sozinho e abandonado pelas autoridades viralizou nas redes sociais.
“Acho que o ator dentro da fantasia era tímido, ou não conseguiu interagir com os ministros presentes. Os fotógrafos registraram ele sozinho em um canto, como se tivesse sido esquecido. Mas acho que fez mais sucesso que as autoridades presentes”.
Na opinião do criador, a criatura andou meio abandonada pelo atual governo, e não foi utilizado na luta contra o novo coronavírus no ano passado. “Os Estados sim, sempre usaram bastante”, comenta.
“Vejo que ele trabalhou bastante nas últimas três décadas e está hoje no imaginário das pessoas. Historicamente ele inspirou confiança na vacinação, sempre trabalhando de uma maneira muito positiva e simpática”.
Um herói que entrou para a história
Darlan acha que a imagem positiva do personagem deve ser aproveitada nas campanhas de esclarecimento, mesmo antes da oferta de vacinas suficientes para todos. “As campanhas ajudam a aumentar a confiança das pessoas na vacina”.
Sobre o negacionismo contra as vacinas, Darlan considera que são necessárias mais campanhas de esclarecimento para combater a desinformação do que sobre influência internacional.
“Alguns mal informados dizem que a vacina é uma agressão ao organismo, quando na realidade a única coisa que ela faz é estimular a formação de anticorpos. A vacina que protege, estimula o corpo a reagir. Então o sistema imunológico passa a reconhecer o vírus como inimigo e produz anticorpos que tornam a pessoa imune à doença. As pessoas precisam saber disso, precisam ser informadas”.
Darlan criou o personagem quando era funcionário concursado da Central de Medicamentos, uma estatal do Ministério da Saúde, onde ele trabalhava criando rótulos de remédios.
O jornalista trabalhou de 1967 a 1971 apresentando um programa infantil educativo na TV em Brasília. Ele criou um desenho animado para contar a história do Zé Gotinha.
Após a extinção da Central, ele passou a trabalhar no Ministério da Saúde e desenvolveu a campanha do Zé Gotinha em parceria com a Unicef. E
Ele criou em 1986 um logotipo para o compromisso do Brasil de erradicar, até 1990, a poliomielite.
A importância das campanhas
As campanhas de vacinação, segundo Darlan, adotavam comerciais que assustavam as pessoas com mensagens sobre os gravíssimos efeitos das doenças. Ele sugeriu então como logo um bonequinho em formato de gota, que caminhava sobre os anos do período da campanha. Na justificativa, explicava que a pior coisa que se pode impor a uma criança é tirar sua capacidade de andar, pois isso a afeta física e mentalmente.
“Eu queria um personagem que se comunicasse com a criança”, diz, lembrando que inicialmente o Ministério da Saúde resistiu à ideia. A campanha tinha de vacinar 90% do público alvo em um dia, e a comunicação era fundamental. Ele concluiu a criação em setembro de 1986, e a Unicef acreditou na ideia. Uma série de oficinas nos Estados debateu como deveria ser a campanha.
Darlan cita um desenho animado chamado ‘Zé Gotinha contra o perna de pau’, onde o vilão era a poliomielite. Em 1988, como parte da campanha contra a pólio, foram criados cinco filmes onde o Zé Gotinha falava da vacinação de rotina. Havia um grande receio de que as campanhas de vacinação levassem as pessoas a pensar que só precisavam vacinar os filhos na campanha. Os filmes falavam da vacinação contra o sarampo, rubéola e outras doenças.
Nome foi escolhido em votação nacional
Em junho de 1988, o governo promoveu com a Unicef uma campanha que pedia sugestões de nome para o personagem. Um comercial mostrava a figurinha chorando e uma fada dizia: “Se você só faz o bem, porque está tão triste?”. Ele respondia que ainda não tinha nome. Milhares de cartas chegaram de estudantes de todo o país, e diversas delas sugeriam o nome Zé Gotinha.
“O sucesso foi tão grande que animou o Ministério, e em agosto de 1988 saiu a primeira vacinação de pólio com o apoio oficial de Zé Gotinha”.
O contrato cedeu os direitos de propriedade intelectual para o Ministério da Saúde e a Unicef, mas Darlan Rosa se contenta com o “direito moral” à paternidade, mesmo sem nenhum ganho patrimonial.
Em tempos de pandemia, o Zé Gotinha andou aparecendo de máscara. O pai do personagem acha que não faz sentido, pois ele representa a vacina. Mas admite que o acessório transmite uma mensagem importante sobre o uso da máscara.
Darlan já criou outro personagem para representar e defender a vacina, para o governo de Angola, em 1994. Era uma figura em forma de estrela com cinco pontas que representavam as cinco doses necessárias para a vacina da poliomielite, e também a idade de cinco anos das crianças a serem vacinadas. “Era uma forma fazer a comunicação em um país que tinha na época um analfabetismo muito elevado”.
Darlan já recebeu muitas homenagens pela autoria do Zé Gotinha, uma delas no aniversário de 40 anos dos programas de vacinação. Ele se orgulha disso, mas hoje, aposentado, trabalha na criação de figuras mais sólidas: esculturas de metal. Ele tem mais de 50 esculturas expostas em Brasília.
Atualmente, tem respeitado o isolamento em casa, à espera da vacina. Eventualmente sai para pedalar, mas sempre de máscara e respeitando as regras do distanciamento.
“A ciência é maior que o negacionismo”
Sobre a posição de negacionismo de autoridades em relação às vacinas nos últimos tempos, ele diz que a ciência vai vencer, pois não há outra saída para a humanidade.
Darlan diz ter deixado um guia de como usar a imagem do Zé Gotinha, onde esclarece que o personagem pertence aos brasileiros e cada um deve usar como puder.
“A mensagem que precisa ser passada é: acredite na vacina, a vacina é segura. O mundo e a ciência têm muita experiência. A vacina é um ato individual, mas ao mesmo tempo coletivo. Se não vacinar a maioria da população, não vai parar essa pandemia. O direito à vacina gera o dever de se vacinar. Como a máscara, que a gente usa para se proteger, mas também para proteger o nosso semelhante”.
Darlan Manoel Rosa, nasceu em Coromandel, Minas Gerais, em 1947. É pintor, escultor, desenhista, programador visual e professor. Formou-se em publicidade pelo Centro de Ensino Universitário de Brasília.