Copom cita efeito inflacionário da desoneração e mercado eleva aposta nos juros
Com texto considerado mais duro do Comitê de Política Monetária (Copom), mercado já vê os juros em 12,25% até maio
08/02/2022O Banco Central indicou na ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que o aumento da taxa básica de juros (Selic) será maior do que o esperado pelo mercado e que não deve terminar em março.
O documento alertou para o risco de uma alta ainda maior da inflação com projetos como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que desonera os combustíveis, que está em negociação entre governo e Congresso.
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Na semana passada, o Copom elevou a Selic em 1,50 ponto porcentual, de 9,25% para 10,75% ao ano, a oitava alta seguida. Na ocasião, o BC chegou a sinalizar uma redução do ritmo de aperto monetário no seu próximo encontro, em março.
O tom considerado mais duro da ata fez disparar uma corrida de revisões pelas instituições financeiras, com a estimativa feita pela maioria dos economistas de uma Selic subindo de 11,75% para 12,25% até maio.
O BC apontou, sem citar nenhuma iniciativa específica, que uma redução de impostos sobre combustíveis e energia pode ter efeito contrário ao desejado. “O Comitê nota que, mesmo políticas fiscais que tenham efeitos baixistas sobre a inflação no curto prazo, podem causar (…) aumento das expectativas de inflação”, destacou o BC no documento.
Existem três propostas em debate para mudar a tributação dos combustíveis. A que está no Senado, além de reduzir os tributos sobre combustíveis, cria um vale-diesel para caminhoneiros, dá subsídio para tarifas de ônibus e amplia o vale-gás. O impacto total, segundo integrantes da equipe econômica, supera R$ 100 bilhões.
Na Câmara, outra proposta prevê a redução de impostos sobre combustíveis em 2022 e 2023, com custo de R$ 50 bilhões. A equipe econômica defende só a desoneração sobre o diesel, com impacto entre R$ 17 bilhões e R$ 18 bilhões.
A Ata do Copom destaca que a intenção de reduzir o ritmo de ajuste monetário a partir de março não significa encerrar o ciclo de aumento de juros no próximo encontro. O BC citou, explicitamente, “ajustes adicionais”, sem revelar, entretanto, a magnitude desses movimentos à frente, para lidar com as incertezas do cenário.
Após a divulgação do documento, instituições financeiras como JP Morgan, Barclays e Itaú Unibanco revisaram suas projeções para a Selic no fim do ciclo de alta.
“A ata da última reunião do Copom indica que as autoridades vislumbram um ritmo mais lento de elevação da taxa Selic à frente, mas sem uma pausa iminente”, avaliou o economista-chefe do Itaú, Mario Mesquita, em relatório que comunicou a revisão da estimativa do banco, de 11,75% para 12,50%.
Diante deste cenário, o Copom decidiu que um novo ajuste de 1,50 ponto percentual, seguido de ajustes adicionais em ritmo menor nas próximas reuniões, é a estratégia mais adequada para atingir aperto monetário suficiente e garantir a convergência da inflação ao longo do horizonte relevante.
Diante da incerteza “particularmente elevada sobre preços de importantes ativos e commodities”, o Comitê considerou mais adequado, neste momento, não sinalizar a magnitude dos seus próximos ajustes.
Íntegra da Ata do Copom
A) Atualização da conjuntura econômica e do cenário de referência do Copom1
- No cenário externo, o ambiente segue menos favorável. A maior persistência inflacionária aumenta o risco de um aperto monetário mais célere nos EUA, tornando as condições financeiras mais desafiadoras para economias emergentes. Além disso, a nova onda da Covid-19 adiciona incerteza quanto ao ritmo da atividade, ao mesmo tempo que pode postergar a normalização das cadeias globais de produção. Desde a última reunião, a maioria das commodities reverteu a queda observada no fim do ano e, em alguns casos, atingiram recordes recentes, reforçando o ambiente global de preços mais pressionados.
- Em relação à atividade econômica brasileira, indicadores relativos ao comércio e serviços mostraram evolução ligeiramente melhor que a esperada em novembro, enquanto a indústria apresentou recuperação em dezembro. Indicadores do mercado de trabalho mostraram recuperação consistente de empregos no último trimestre de 2021.
- Para 2022, se por um lado a elevação dos prêmios de risco e o aperto mais intenso das condições financeiras atuam desestimulando a atividade econômica, por outro, o Copom segue avaliando que o crescimento tende a ser beneficiado pelo desempenho da agropecuária e pelo processo remanescente de normalização da economia – particularmente no setor de serviços e no mercado de trabalho. Entretanto, os índices de confiança divulgados desde a última reunião seguem mostrando deterioração, e desenvolvimentos climáticos afetaram as projeções de importantes culturas agrícolas.
- A inflação ao consumidor segue elevada, com alta disseminada entre vários componentes, e segue se mostrando mais persistente que o antecipado. A alta nos preços dos bens industriais não arrefeceu e deve persistir no curto prazo, enquanto a inflação de serviços acelerou, ainda refletindo a gradual normalização da atividade no setor. As leituras recentes vieram acima do esperado e a surpresa ocorreu tanto nos componentes mais voláteis como, principalmente, nos mais associados à inflação subjacente.
- As diversas medidas de inflação subjacente apresentam-se acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação. As expectativas de inflação para 2022 e 2023 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 5,4% e 3,5%, respectivamente.
- No cenário de referência2, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio partindo de USD/BRL 5,453, e evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC), as projeções de inflação do Copom situam-se em torno de 5,4% para 2022 e 3,2% para 2023. Esse cenário supõe trajetória de juros que se eleva para 12% a.a. no primeiro semestre de 2022, termina o ano em 11,75% a.a. e reduz-se para 8,00% a.a. em 2023. Nesse cenário, as projeções para a inflação de preços administrados são de 6,6% para 2022 e 5,4% para 2023. Adota-se a hipótese de bandeira tarifária “vermelha patamar 1” em dezembro de 2022 e dezembro de 2023.
- Em relação aos preços administrados, a revisão se deveu majoritariamente ao forte avanço nas cotações do petróleo desde a última reunião do Comitê, assim como a itens administrados cujas variações devem se repetir ao longo do ano. Essas pressões foram apenas parcialmente compensadas pela mudança na hipótese de bandeira tarifária para o final de 2022, que refletiu a melhora do cenário hídrico.
B) Riscos em torno do cenário de referência para a inflação
- O cenário de referência do Copom para a inflação envolve fatores de risco em ambas as direções.
- Por um lado, uma possível reversão, ainda que parcial, do aumento nos preços das commodities internacionais em moeda local produziria trajetória de inflação abaixo do cenário de referência.
- Por outro lado, políticas fiscais que impliquem impulso adicional da demanda agregada ou piorem a trajetória fiscal futura podem impactar negativamente preços de ativos importantes e elevar os prêmios de risco do país.
- Apesar do desempenho mais positivo das contas públicas, o Comitê avalia que a incerteza em relação ao arcabouço fiscal segue mantendo elevado o risco de desancoragem das expectativas de inflação, e, portanto, a assimetria altista no balanço de riscos. Isso implica maior probabilidade de trajetórias para inflação acima do projetado de acordo com o cenário de referência.
C) Discussão sobre a condução da política monetária
- A incerteza em relação ao futuro do arcabouço fiscal atual resulta em elevação dos prêmios de risco e eleva o risco de desancoragem das expectativas de inflação. Isso implica atribuir maior probabilidade para cenários alternativos que considerem taxas neutras de juros mais elevadas. O Copom reitera que o processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para o crescimento sustentável da economia. Esmorecimento no esforço de reformas estruturais e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia. Adicionalmente, o Comitê nota que mesmo políticas fiscais que tenham efeitos baixistas sobre a inflação no curto prazo podem causar deterioração nos prêmios de risco, aumento das expectativas de inflação e, consequentemente, um efeito altista na inflação prospectiva.
- O Copom passou à discussão da implementação da política monetária, considerando não somente o cenário de referência como também o balanço de riscos para a inflação. De acordo com o cenário de referência, que utiliza a trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e o câmbio seguindo a paridade do poder de compra, as projeções de inflação estão acima do limite superior do intervalo de tolerância da meta para 2022 e ao redor da meta para 2023.
- Quanto ao balanço de riscos, o Comitê ponderou que o risco de desancoragem das expectativas para prazos mais longos, derivado dos desenvolvimentos no cenário fiscal, mantém o viés altista para as projeções do seu cenário de referência. Como consequência, o Copom avaliou que, considerado esse viés devido à assimetria de riscos, suas projeções se encontram acima da meta tanto para 2022 como para 2023. Diante desse resultado, novamente o Copom concluiu que o ciclo de aperto monetário deverá ser mais contracionista do que o utilizado no cenário de referência ao longo do horizonte relevante.
- A seguir, o Copom avaliou o ritmo apropriado de elevação dos juros. Para tal, analisou suas projeções de inflação utilizando simulações com trajetórias de política monetária com diferentes taxas terminais, ritmos de ajuste e duração do aperto monetário. Vale notar que os cenários considerados, consistentes com a convergência da inflação para suas metas, pressupunham trajetória da taxa de juros superior às utilizadas no cenário de referência.
- Com base nesses resultados, os membros do Copom debateram a estratégia mais apropriada. Concluiu-se que um novo ajuste de 1,50 ponto percentual, seguido de ajustes adicionais em ritmo menor nas próximas reuniões, é a estratégia mais adequada para atingir aperto monetário suficiente e garantir a convergência da inflação ao longo do horizonte relevante, assim como a ancoragem das expectativas de prazos mais longos.
- Finalmente, a incerteza particularmente elevada sobre preços de importantes ativos e commodities, assim como o estágio do ciclo, fez o Comitê considerar mais adequado, neste momento, não sinalizar a magnitude dos seus próximos ajustes.
D) Decisão de política monetária
- Considerando o cenário de referência, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa básica de juros em 1,50 ponto percentual, para 10,75% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário de referência e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para as metas ao longo do horizonte relevante, que inclui os anos-calendário de 2022 e, em grau maior, de 2023. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.
- O Copom considera que, diante do aumento de suas projeções e do risco de desancoragem das expectativas para prazos mais longos, é apropriado que o ciclo de aperto monetário avance significativamente em território contracionista. O Comitê enfatiza que irá perseverar em sua estratégia até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.
- Em relação aos seus próximos passos, o Comitê antevê como mais adequada, neste momento, a redução do ritmo de ajuste da taxa básica de juros. Essa sinalização reflete o estágio do ciclo de aperto, cujos efeitos cumulativos se manifestarão ao longo do horizonte relevante. O Copom enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar a convergência da inflação para suas metas, e dependerão da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação para o horizonte relevante da política monetária.
- Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto Oliveira Campos Neto (presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Fernanda Magalhães Rumenos Guardado, João Manoel Pinho de Mello, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso e Paulo Sérgio Neves de Souza.
Notas de rodapé
1 A menos de menção explícita em contrário, esta atualização leva em conta as mudanças ocorridas desde a reunião do Copom em dezembro (243ª reunião).
2 Anteriormente denominado cenário básico, sem mudanças de metodologia.
3 Valor obtido pelo procedimento usual de arredondar a cotação média da taxa de câmbio USD/BRL observada nos cinco dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom.