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Morre o jornalista que nasceu graças a um anúncio de jornal

Um dos maiores jornalistas de tecnologia do Brasil, Ethevaldo Siqueira era filho de um agricultou que se casou graças a um anúncio no Estadão

O jornalista Ethevaldo Siqueira acompanhou as transformações tecnológicas em mais de maio século | Foto: Reprodução

O jornalista Ethevaldo Siqueira morreu aos 90 anos na madrugada desta segunda-feira, 17. Especialista em tecnologia, ele trabalhou no jornal O Estado de S. Paulo por 45 anos, a partir de 1967, exercendo as funções de repórter, editor e colunista. Em seus mais de 50 anos de atuação na imprensa, ele escreveu especialmente sobre os setores de telecomunicações e informática. Também foi colaborador especial da Revista Veja e comentarista das rádios Eldorado e CBN, com a coluna diária Mundo Digital, até 2017.

Ethevaldo ganhou duas vezes o Prêmio Esso de Jornalismo, nos anos 1968 e 1978. Acompanhou com reportagens e colunas as transformações da humanidade nas últimas décadas. O jornalista sofria de leucemia, que é o câncer que ocorre na formação das células sanguíneas.

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Em maio de 2012, ele escreveu um artigo espacial para o jornal O Estado de São Paulo contando como um anúncio publicado no jornal em 1929 uniu seu pai e sua mãe. O pai de Ethevaldo era um cafeicultor viúvo do interior paulista e publicou um anúncio procurando um casal que o ajudasse a cuidar da fazenda e dos quatro filhos. O casal contratado tinha uma filha, por quem o agricultor se apaixonou e se casou. Dois anos após a Revolução Constitucionalista, Ethevaldo nasceu.

Em maio de 2012, quando o jornal O Estado de S. Paulo colocou toda a sua coleção na internet, o anúncio publicado pelo pai do jornalista foi localizado e foi citado como exemplo por ele de como os acervos digitais de jornais, revistas e de universidades são extraordinários repositórios da cultura e vida humanas. “Com a digitalização, se tornam cada dia mais úteis e atraentes por possibilitar a qualquer cidadão consultá-los via internet, a qualquer momento ou lugar”.

Jornalista Ethevaldo Siqueira escreveu como nasceu graças a um anúncio de jornal

‘Só existo graças a um anúncio do Estadão’
“Acredite, leitor, minha vida está ligada a um anúncio classificado do Estadão, publicado na edição de 12 de agosto de 1930, pois foi aquela simples mensagem que permitiu a meu pai conhecer minha mãe. Resumindo a história: meu pai, Bento Siqueira, cafeicultor semifalido em 1929, viúvo e com quatro filhos menores, publicou um anúncio (que mostramos aqui), em busca de um casal que pudesse cuidar de sua casa e das crianças, em sua fazenda, em Aparecida de Monte Alto, no interior paulista.

O casal que respondeu ao anúncio (Firmino e Balbina de Mello) viajou para a fazenda em companhia da filha, Mercedes, de 20 anos. Meu pai se apaixonou pela moça e com ela se casou. Dois anos depois, em plena Revolução Paulista, nasceu o menino Ethevaldo, que sou eu, primeiro filho do segundo casamento de Bento Siqueira.

Durante anos tentei achar aquele anúncio, mas sem nenhum êxito. Com a digitalização do arquivo do Estadão, tudo ficou mais fácil. Com a orientação do diretor do arquivo, Edmundo Leite, localizamos em minutos aquele anúncio. Imaginem como fiquei feliz ao localizar o anúncio de 1930, por resgatar um pouco da história de meus pais e de minha própria vida.

Mas a grande notícia é para você, leitor, pois o arquivo deste jornal, a partir de agora estará à sua disposição e poderá prestar bons serviços não apenas a você, mas a milhões de pessoas em todo o Brasil. E até a muitos outros, fora do País.

Mundo de papel. Acompanhei durante muito tempo o trabalho árduo de organização e manutenção diária de um arquivo como o deste jornal. Cada consulta era feita em pastas abarrotadas de recortes xerografados e classificados segundo critérios complicados. Nosso trabalho era sempre um desafio. Tínhamos muitas vezes que confiar mais na memória do diretor do arquivo e de seus auxiliares do que nos índices disponíveis.

A digitalização é uma revolução tecnológica. Amplia o acesso ao diário para milhares de internautas e permite ao jornal replicar o conteúdo desse acervo em dezenas ou centenas de bancos de dados. E, melhor do que tudo, um arquivo digital supera a vulnerabilidade dos arquivos de papel, de seu desgaste com o tempo e dos riscos evidentes de serem consumidos por incêndio imprevisto.

Durante décadas, tive que construir e manter meu arquivo pessoal, que agora se torna praticamente obsoleto e sem grande utilidade. Até há pouco, eu tinha que colecionar em casa centenas de pastas pessoais, com recortes físicos de jornais e revistas.

Mas o mundo mudou nos últimos 20 anos. Como milhões de pessoas em todo o planeta, ao longo desse período, me tornei usuário intensivo de imensos arquivos digitais, a começar do Google, da Wikipédia, de várias universidades e, agora, do arquivo digital do Estadão.

Garimpos virtuais. Os arquivos digitais se tornaram nas últimas duas décadas verdadeiros garimpos da informação e do conhecimento na vida de milhões de pessoas – não apenas de jornalistas, mas de pesquisadores, estudantes, professores, cientistas, empresários, cidadãos e internautas de todos os tipos e setores. Eles são hoje ferramenta essencial para nosso trabalho cotidiano. Muitas vezes nos perguntamos: como poderíamos viver sem essa facilidade de consultar arquivos digitais de todo o mundo?

Ao longo dos últimos 45 anos em que tenho escrito neste jornal, venho utilizando seu arquivo para um incontável número de pesquisas profissionais, na elaboração de artigos e reportagens. Só não gostava quando alguém me chamava de rato de arquivos. Imediatamente, eu corrigia: “me chame de garimpeiro de arquivos”. É assim que me sinto, trabalhando exatamente como um garimpeiro que colhe materiais preciosos, nesse trabalho cotidiano de resgate do passado e da história.

Em minha avaliação, os arquivos de jornais, revistas e de universidades são extraordinários repositórios da cultura e vida humanas e, com a digitalização, se tornam cada dia mais úteis e atraentes por possibilitar a qualquer cidadão consultá-los via internet, a qualquer momento ou lugar.

Patrimônio. O arquivo deste jornal, com quase 140 anos, é, sob todos os aspectos, um patrimônio inestimável da história paulista e brasileira, tendo como pano de fundo o cenário mundial, por tudo que fornece sobre a política, as instituições, a economia, a cultura e, creiam, até sobre a vida das pessoas, num retrato sem retoque das coisas mais simples, refletidas até nos anúncios classificados. Um arquivo de jornal com essas características se transforma, assim, numa enciclopédia antropológica do País.

Lembro-me da primeira vez que pesquisei a contribuição de Euclides da Cunha, enviado especial a Canudos, cujas reportagens eram o cerne de Os Sertões. Outra pesquisa realmente interessante que fiz foi sobre a viagem do imperador d. Pedro II aos Estados Unidos, à Europa e ao Oriente Médio, em 1876, em que o jornal mostra também o lado cômico de alguns membros da comitiva de 150 pessoas que acompanhava o monarca, na Exposição de Filadélfia, que comemorava o primeiro centenário da independência dos Estados Unidos.

Agora é sua vez, leitor. Esteja onde estiver, você poderá pesquisar coisas específicas de seu interesse ou fatos decisivos da história do Brasil e do mundo. Poderá estudar ou redescobrir aspectos interessantes de grandes assuntos, como a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa de 1917, a Grande Depressão dos anos 1930, a ditadura Vargas, a Segunda Guerra Mundial, a bomba atômica, a redemocratização de 1945, a Guerra Fria, a conquista do espaço, as grandes crises políticas internacionais, a construção de Brasília, a ditadura militar, a censura imposta a este jornal, a Constituição de 1988, a redemocratização, a corrupção endêmica deste País e, felizmente, alguns dos grandes momentos da vida política e econômica brasileira. Boa viagem, caro leitor, através da história do Brasil e do mundo. (Ethevaldo Siqueira)”

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