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Joaquim Levy

Cartilha para entender a reforma tributária

A reforma tributária aprovada na Câmara e encaminhada ao Senado vai simplificar e melhorar o complexo sistema de impostos do Brasil

Leão

O Imposto de Renda, representado pelo leão, vai cobrar sua parte com mais equidade | Foto: Getty Images

A Reforma Tributária, com a criação do Imposto sobre o Valor Agregado, traz grandes vantagens para a economia brasileira, com mais transparência, equidade e simplicidade. Tem sido avaliado que a reforma pode adicionar até 0,5 ponto percentual à taxa de crescimento anual da economia nos próximos 15 anos, o que, acumuladamente, significa um aumento de quase 20% na atividade econômica ao fim desse período.

A reforma tributária irá ajudar a economia em ao menos três aspectos. Primeiro, ela irá melhorar a alocação de capital, tanto entre setores quanto entre geografias. Também vai privilegiar a produtividade e a eficiência, sem deixar de promover o desenvolvimento das diversas regiões do país. E irá facilitar a expansão das cadeias de produção mais longas e mais complexas, sem prejudicar os serviços, até porque a maioria deles irá gerar crédito para as empresas que os comprarem. Ou seja, ela irá estimular também a integração dos serviços e da indústria, assim como aumentará ainda mais a profissionalização e a sofisticação da nossa agricultura.

A segunda maneira com que a reforma vai ajudar as empresas e o crescimento é pela simplificação que ela traz ao coração do sistema de tributação pelo valor agregado. Vencendo o atraso do atual sistema, decorrente de ele ter sido construído há mais de meio século, a sistemática do IVA irá reconhecer, de maneira automática, o imposto embutido na compra de bens e serviços pelas empresas, facilitando a geração e o pagamento dos créditos tributários correspondentes.

Isso será ainda mais facilitado com a digitalização dos pagamentos que será possível e o chamado “split” desses pagamentos. A reforma também prevê mecanismos que garantam o rápido pagamento dos créditos devidos, especialmente para os exportadores.

Esses dois fatores ajudarão a destravar o investimento, inclusive o estrangeiro. Assim, a terceira maneira pela qual a reforma irá ajudar a economia será facilitando o “nearshoring”, i.e., abrindo o Brasil para vencer no mercado internacional, especialmente no setor industrial e de serviços mais qualificados. Competir internacionalmente irá estimular o aumento da produtividade aqui,
tornando as empresas mais ágeis e gerando mais empregos.

O caminho para a implementação final da reforma ainda é longo e exigirá muita negociação política e participação do setor privado. Entender o que já foi decidido e como isso pode impactar o negócio ou os investimentos de cada um — inclusive na bolsa — é um primeiro e muito importante passo nessa trajetória. Espero, portanto, que esse guia elaborado pela nossa Equipe de Consultoria Tributária seja esclarecedor e permita aumentarmos o diálogo do Banco Safra com cada um de vocês.

Novo regime tributário

  • Criação de um Imposto sobre Valor Agregado Dual, um que contempla estados e municípios (IBS) e outro os tributos da União sobre o consumo (CBS);
  • O IBS será gerido de forma compartilhada por estados e municípios, por um Conselho Federativo, com 27 membros, considerando os Estados e Distrito Federal, e 27 de municípios, a serem escolhidos conforme disciplina legal a ser implementada;
  • Extinção de tributos: IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS;
  • Base de cálculo e alíquota serão definidos em lei complementar, que precisa da aprovação de 50%+1 dos membros do Congresso;
  • Tomada de crédito ampla (não cumulatividade) e possível redução de alíquotas para determinados produtos e serviços;
  • Sistema específico a ser estabelecido para os seguintes setores: combustíveis e lubrificantes, serviços financeiros (spread), operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde, concursos de prognósticos, cooperativas, serviços de hotelaria, parques de diversão e temáticos, restaurantes e aviação regional;
  • Local de recolhimento no domicílio do tomador, e não mais no de origem da prestação ou do estabelecimento vendedor dos bens;
  • SIMPLES (sistemática das micro e pequenas empresas): possível adoção de não-cumulatividade, que não hoje existe;
  • Cashback: possibilidade de devolução de parte do imposto pago pelos contribuintes menos favorecidos (restituição). É uma forma de benefício direto, ao invés de um benefício indistinto para produtos ou serviços.
  • Criação de dois fundos, um de compensação de benefícios fiscais (visando compensar Estados e Municípios, em função da perda de benefícios atualmente vigentes) e redução de desigualdades regionais e sociais (através da entrega de recursos específicos da União para finalidades específicas de melhorias de infraestrutura e fomento de atividades para geração de empregos).

Outras disposições

  • Criação de um Imposto Seletivo incidente sobre produtos importados, nocivos à saúde e/ou ao meio ambiente (ex.: cigarro e álcool);
  • Instituída a possibilidade de tributar embarcações e aeronaves pelo IPVA;
  • Permitida a alteração da base de cálculo do IPTU por Decreto do Poder Executivo Municipal;
  • O ITCMD estará sujeito ao princípio da progressividade, a depender do patrimônio a ser transferido. Esclarecemos que, essa progressividade não é automaticamente aplicável, sendo necessário que cada um dos Estados altere sua legislação. Não houve alteração de alíquota máxima (8%), que é uma prerrogativa do Senado federal;
  • Eventual alteração na legislação estadual somente surtiria impacto, se aprovada até 31/12/23, a partir de 2024.

Transição

  • Haverá um período de transição de 8 anos, no qual os tributos atuais conviverão com os novos;
  • Os novos tributos começarão a ser cobrados em 2026 com uma alíquota reduzida; os atuais serão totalmente extintos até 2032;
  • A alíquota dos novos tributos subirá progressivamente, de forma que se alcance o total arrecadado pelos antigos tributos;
  • Em 2033, o novo sistema estará integralmente vigente.

Processo legislativo e próximos passos da Reforma Tributária

O texto-base foi aprovado em dois turnos na Câmara, e a Proposta seguiu para o Senado, onde também passará por dois turnos de votação.

Eventuais mudanças do texto pelo Senado obrigará uma nova votação pela Câmara dos Deputados, novamente em dois turnos, para enfim a Emenda ser promulgada pelo
Congresso.

Se aprovada, diversos temas precisam detalhados, como, por exemplo, alíquotas, base de cálculos, modelos específicos, entre outros. Tais dispositivos deverão ser aprovados por Lei Complementar.

É importante mencionar que se trata de Proposta de Emenda à Constituição ainda em tramitação, e que o texto pode ser alterado de forma relevante ao longo do processo legislativo ou até mesmo não ser incorporado à Carta Constitucional, sendo recomendada cautela e acompanhamento da evolução das tratativas antes de qualquer tomada de decisão.

Por ainda estar em aberto a definição de temas como base de cálculo, alíquotas e regimes específicos, ainda não é possível mensurar, com precisão, os setores mais ou menos impactados. Por fim, destaca-se que características específicas dos contribuintes podem afetar de forma relevante tal análise.


Joaquim Levy é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Ex-Ministro da Fazenda, Levy é engenheiro naval pela UFRJ, mestre pela FGV e PhD em economia pela Universidade de Chicago. Tendo sido CFO e Diretor Gerente do Banco Mundial e Vice-Presidente de Finanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele foi Presidente do BNDES e Secretário do Tesouro Nacional do Brasil, além de ter trabalhado no mercado financeiro, tendo sido responsável por uma das principais gestoras de ativos do país.

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