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Agência Estado

Déficit da Previdência cai após reformas

Desaceleração do déficit da Previdência parece associada às reformas de 2015 e 2019 e ao maior tempo para a concessão dos benefícios

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Estabilização das despesas previdenciárias, praticamente indispensável para a viabilidade do teto de gastos, enfrenta desafios estruturais | Foto: Getty Images

A desaceleração do crescimento das despesas da Previdência é uma condição necessária, mesmo que não suficiente, para o cumprimento do teto dos gastos, que limita o gasto total à evolução do IPCA apenas. Há vários motivos para o crescimento tendencial do gasto da Previdência exceder a inflação — demográficos e decorrentes do crescimento do PIB. Mas, independentemente da tendência de longo prazo, tem-se observado um crescimento baixo do gasto da Previdência nos anos recentes, que parece associado à redução do valor dos novos benefícios, ao aumento do número de pedidos indeferidos e do próprio tempo de concessão desses benefícios.

Fiscal – Previdência, gastos, reforma e benefícios

A estabilização das despesas previdenciárias, praticamente indispensável para a viabilidade do teto de gastos, enfrenta desafios estruturais. Os benefícios previdenciários são a maior despesa sujeita ao teto de gastos, correspondendo a mais de 8% do PIB e quase metade do total das despesas primárias (Gráfico 6). Os dois principais tipos de benefícios previdenciários são os de aposentadoria ou pensões e os benefícios do auxílio doença. A dinâmica da evolução dos dois diverge, sendo os de auxílio doença função da aferição da necessidade e tempo médio do seu pagamento — elementos que foram objeto da reforma da Previdência de 2015, quando se mudaram critérios e incentivos para a concessão desses benefícios, e da revisão sistemática dos processos de sua concessão nos dois anos seguintes, conforme orientação incluída no Projeto de Lei Orçamentária enviada ao congresso em agosto daquele ano. A concessão da aposentadoria e pensões segue outra dinâmica, com maior influência demográfica e do crescimento da economia.

Gráfico 1. Despesas Federais Primárias (% do PIB)

A evolução do pagamento de aposentadorias e pensões tende a pressionar o teto de gasto imposto pela EC 95. Esse teto limita a expansão do gasto público nominal à variação do IPCA, enquanto os benefícios previdenciários existentes, além de automaticamente serem corrigidos pela inflação, estão sujeitos a outros fatores de crescimento.

O principal desafio é demográfico, à medida em que o aumento no número de pessoas idosas e vivendo por mais tempo aumenta o número de benefícios de aposentadoria e pensão pagos por ano.

Em 2012, havia 15,2 milhões de pessoas com mais de 65 anos no Brasil (7,7% da população), enquanto o IBGE estima que esse número em 2022 seja de 21,6 milhões (10,5% da população), resultando em um acréscimo de mais de 40% a essa população. O número de benefícios não cresceu nessa proporção porque grande parte deles é concedido a pessoas com menos de 65 anos, mas na medida em que o aumento da população acima de 65 anos corresponde à maior longevidade do brasileiro, há um fator de cumulatividade grande na Previdência Social.

Um outro fator tendencial para a despesa da Previdência crescer acima da inflação é o aumento de renda do trabalhador, que cria a expectativa de que os novos benefícios sejam mais altos do que os antigos, fazendo com que a média dos benefícios também cresça acima da inflação. A isso se somou durante vários anos o aumento do salário-mínimo — que serve de piso aos benefícios — acima da inflação.

Esses fatores levaram as despesas com Previdência a cresceram acima da inflação e do próprio crescimento do PIB na maior parte dos anos entre 1997 até 2020 e tendem a continuar exercendo essa pressão, especialmente se o crescimento econômico é baixo ou negativo. Em 1997, os gastos Previdenciários totalizavam 4,9% do PIB e respondiam por 35% da despesa primária da União. Em 2016, ano em que foi aprovado o teto dos gastos (passando a valer em 2017) e em que o PIB real contraiu, os gastos previdenciários representaram 8,1% do PIB e 41% da despesa primária total. Em 2019, ano em que foi aprovada a Reforma da Previdência, a despesa já havia saltado para 8,5% do PIB e 43% da despesa primária. Em 2020, após a reforma previdenciária e em meio à pandemia, que também contraiu o PIB real, a despesa da Previdência subiu para 8,9% do PIB e 46% do gasto primário total, já descontados os gastos com benefícios extraordinários (auxílio emergencial) em resposta à Covid-19. Em 2021, ano em que o PIB se recuperou da queda ocorrida em 2020, houve queda nos gastos previdenciários como proporção do PIB, tendo a relação voltado para 8,2%.

Apesar de ainda não haver estudos do governo ou acadêmicos que analisem a questão, parece evidente que o padrão de comportamento da despesa com a Previdência se alterou a partir de 2020, depois da reforma votada em 2019. Nos anos mais recentes, houve desaceleração no crescimento no estoque de benefícios emitidos, reflexo da redução no número de benefícios concedidos, e redução no valor médio do benefício pago, conforme abaixo:

  1. Desaceleração no estoque de benefícios emitidos: o estoque de benefícios emitidos cresceu em média 1,0% a.a. entre 2020 e 2022, abaixo da média histórica de 2,9% de 2006 a 2019 (Tabela 1). Em 2021, o estoque de benefícios emitidos cresceu apenas 0,6%, provavelmente em função dos efeitos da Covid-19 na concessão de aposentadorias, assim como de auxílios doença, até pela modificação do comportamento da força de trabalho empregada.

Tabela 1. Benefícios Previdenciários Emitidos (2006 a 2022)

Fonte: Ministério do Trabalho e Previdência, IBGE e Banco Safra

  1. Queda no fluxo de benefícios concedidos: o número de benefícios concedidos para o público urbano caiu nos anos mais recentes, enquanto o número de benefícios rurais, que havia caído a partir do aperto de certas regras a partir de 2015, voltou a crescer, ainda que mantendo-se abaixo do número de 2014 (Gráfico 7).

Gráfico 2. Benefícios Concedidos (em milhões)

Fonte: Ministério do Trabalho e Previdência e Banco Safra

  1. Aumento no tempo médio de concessão de benefícios: em paralelo à queda do número de benefícios concedidos, houve significativo aumento do tempo médio de concessão. Esse tempo vem aumentando desde 2014, não decorrendo, portanto, apenas de dificuldades causadas pela Covid-19. De fato, em 2020, pior momento da primeira onda de contágio, houve forte redução no tempo médio de concessões, refletindo ações emergenciais (mutirões) e flexibilizações de regras para agilizar a concessão de benefícios (Gráfico 8). Atualmente, o tempo médio de concessão está ao redor de 80 a 90 dias, superior aos 60 a 80 dias na pré-pandemia (2018-2019) e muito superior aos anos anteriores, cujo tempo já chegou a ser de 20 a 40 dias até 2015, a despeito da digitalização da administração pública.

Gráfico 3. Tempo Médio de Concessão (dias, média móvel de 3 meses)

Fonte: Ministério do Trabalho e Previdência e Banco Safra

  1. Aumento na taxa de benefícios indeferidos: O aumento no tempo médio de concessão pode refletir um controle mais rigoroso do INSS na aprovação de novos benefícios. A proporção de benefícios indeferidos (Gráfico 9), por exemplo, continua crescendo, após o primeiro salto ocorrido em 2016 depois das mudanças no auxílio doença em 2015 (infelizmente a apresentação das séries históricas do INSS torna difícil a identificação imediata de quanto do aumento do número de benefícios indeferidos deve-se a auxílio doença e quanto se deve a aposentadorias e pensões).

Gráfico 4. Benefícios Totais, Concedidos e Indeferidos (em milhões)

Fonte: Ministério do Trabalho e Previdência e Banco Safra

  1. Queda no valor real médio do benefício, principal consequência da reforma da Previdência. A mudança nas regras de cálculo dos benefícios, especialmente na preponderância dos anos de salário mais alto nesse cálculo, determinou uma redução de mais de 10% no valor médio do benefício urbano concedido (Gráfico 10). O benefício rural não teve essa redução por estar limitado pelo piso do salário-mínimo. Mudanças na regra de cálculo das pensões — aparentemente com o recálculo do benefício originário, além da redução das cota-partes — também tem contribuído com a desaceleração da despesa em anos recentes, em paralelo com o aumento da extinção de aposentadorias, com ou sem conversão em pensões, na esteira do aumento dos óbitos da população idosa decorrente da Covid-19.

Gráfico 5. Valor Real do Benefício Concedido (R$, deflacionado pelo INPC)

Fonte: Ministério do Trabalho e Previdência e Banco Safra


Em resumo, a desaceleração do crescimento das despesas da Previdência parece estar associada às reformas de 2015 e 2019, e ao maior tempo para a concessão dos benefícios em anos recentes. A reforma de 2015 e medidas no orçamento de 2016 parecem ter impactado a concessão de benefícios temporários (auxílio doença), enquanto a reforma de 2019 parece mostrar seu efeito através da queda do valor médio dos novos benefícios concedidos a partir de 2020. A persistência dessa dinâmica, assim como o eventual aumento da idade média de obtenção da aposentadoria podem ser os elementos chaves da redução de despesas previdenciárias prevista na reforma de 2019.

Ainda é cedo para se estimar o quanto a recente desaceleração do gasto previdenciário será permanente e compatível com a presunção do crescimento desse gasto apenas com a inflação, notando-se, sem embargo, a redução do valor dos benefícios urbanos concedidos a partir de 2020.

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