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Gastos do governo com emendas parlamentares cresceram dez vezes desde a pandemia

Pautar gastos do governo por sua efetividade e eficiência é fundamental para o crescimento econômico com equidade social e carga fiscal tolerável

Câmara dos deputados

O valor de emendas empenhadas passou de R$ 3,5 bilhões em 2015 para R$ 25,5 bilhões em 2022, e para R$ 36,5 bilhões em 2023 | Foto: Agência Brasil

O volume de emendas parlamentares empenhadas e pagas cresceu de forma significativa na última década. O valor de emendas empenhadas passou de R$ 3,5 bilhões em 2015 para R$ 25,5 bilhões em 2022, após um pico durante a pandemia. Para 2023, as emendas previstas em orçamento totalizam R$ 36,5 bilhões.

O aumento de emendas tende a deslocar outras despesas, o que se mostrou controvertido durante a vigência do teto de gastos. No projeto de lei orçamentária para 2023 (PLOA), por exemplo, diversas despesas discricionárias e quase obrigatórias— como despesa com merenda escolar—foram comprimidas, levando a uma recomposição de certas dotações a partir das eleições de 2022.

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Em outros casos, o governo encareceu a deputados próximos incluírem despesas habituais como emendas, de forma a suprirem-se fundos para gastos em atividades chave.

Gráfico 1. Emendas parlamentares empenhadas e pagas por ano (R$ bilhões)


O montante de emendas empenhadas e pagas nos últimos anos tem-se mantido muito superior aos níveis pré-pandemia. Os reduzidos pagamentos de emendas em 2015 e 2016 foram reflexo de contingenciamentos orçamentários e da sua concorrência com a execução de outros gastos. Em 2015, praticamente não houve pagamento de emendas, diante do aperto financeiro vigente no período, inclusive para quitar as dezenas de bilhões de reais de pagamentos atrasados do governo para o BNDES, BB, CEF, etc.

A efetivação desses pagamentos se deu após autorização do Congresso e criou um patamar de gastos totais que foi aproveitado em 2016 para quitar restos a pagar de toda sorte e estabelecer um valor folgado para o teto de gastos instituído pela Emenda n. 95 de 2016. Essa folga só foi consumida em 2019, na sequência do gradual ritmo de pagamento de emendas entre 2017-18.

Os volumes empenhados e pagos nos três últimos superam em muito os valores anteriores à pandemia. Além disso, a liberdade que o governo tinha no passado para controlar o volume de pagamentos foi erodida por medidas em anos recentes que tornaram as emendas cada vez mais impositivas. No orçamento de 2023, 79% são de execução obrigatória, percentual que apesar de elevado, é inferior aos 98% em 2022, aí incluindo R$ 16,5 bilhões de emendas do relator (RP9).

As emendas parlamentares tem correspondido a parte substancial do gasto classificado como discricionário, apesar de muitas delas serem impositivas. Do total de R$ 147,8 bi em despesas classificadas como discricionárias em 2022, R$ 33,9 bi (23%) tinham como fonte emendas parlamentares, incluindo os R$ 16,5 bi em emendas do relator.

A razão porque uma despesa imposta ao governo seja classificada como discricionária quando da sua execução se prende à autonomia dessas despesas em relação aos programas obrigatórios do governo, como pagamento de aposentadorias do INSS, seguro desemprego, educação ou mesmo o bolsa família após o beneficiário ter adquirido o direito a essa transferência. A participação das emendas nas despesas discricionárias também é significativa em 2023.

Do total previsto pelo governo de R$ 195 bi em despesas discricionárias, R$ 36,5 bi (20%) referem-se a emendas. Neste valor se inclui a transformação de R$ 19,4 bi que no projeto (PLOA) enviado pelo governo em 2022 como de relator, que foram realocados em emendas individuais e de bancada, após as emendas de relator terem sido declaradas inconstitucionais.

Apesar das emendas serem integradas a grandes grupos de ações, sua exata destinação em alguns casos não é evidente. A abertura das emendas por órgão de execução mostra que a maior parte delas encontram-se nos ministérios da saúde (40%), desenvolvimento regional, cidades e transportes (ex-infraestrutura). Também há um número significativo de emendas para a educação e desenvolvimento social (ex-cidadania). Emendas nesses ministérios correspondem a 70% do total de emendas autorizadas para 2023 e quase 90% dos acréscimos de despesas feitos ao PLOA na esteira da aprovação da “PEC da Transição” (EC 126/2022), que dava conformidade aos aumentos de gastos decorrentes de decisões ao longo do ano passado, notadamente o aumento do valor do benefício do bolsa família.

As pastas com as maiores parcelas de emendas previstas para o ano são, em grande medida, as mesmas que tiveram as maiores suplementações de recursos na LOA após a PEC da Transição (Tabela 1). Muitas dessas pastas são responsáveis por despesas indispensáveis que tiveram seus montantes fortemente reduzidos na PLOA 2023 original, apresentada em agosto do ano passado, mas recompostas na LOA final (e.g. despesas na farmácia popular), além da atualização de algumas outras despesas (valor das bolsas de estudo, congelado desde 2015).

As ações exatas em que os recursos das emendas serão aplicados às vezes é difícil de acompanhar, notadamente aquelas no grupo “transferências a estados e municípios” (19% do total, conhecidas popularmente como emendas “pix”), cujo uso do recurso está sujeito à discrição da autoridade subnacional, também se subtraindo ao exame direto do Tribunal de Contas da União. Em outros casos, os programas ou ações tem característica genérica no orçamento, como “reforço” ou “ampliação” de ações já existentes, cujos detalhes serão dados no momento do empenho da emenda.

Tabela 1. Emendas Parlamentares por órgão (R$ milhões)

Fonte: SIGA Brasil (Senado Federal) e Banco Safra
Sem prejuízo do caráter impositivo da maior parte das emendas, o governo ainda controla o momento da sua “liberação”. Em alguns casos, como o do Fundo Nacional de Saúde, há um cronograma para a apresentação das emendas, sua organização pelo executivo e começo de empenho (Acesse aqui). Em outros casos o processo é mais discricionário, estando a cargo do Ministério das Relações Institucionais, que pode dosá-lo de acordo com as demandas do Congresso e das pautas em votação em cada casa legislativa.

Até maio desse ano, apenas R$ 1,7 bi de emendas foram empenhadas, representando apenas 5% do total autorizado na LOA 2023 (Tabela 2). Esse ritmo mostra que não há linearidade no volume empenhado, já que 40% do ano já se passou. Destaca-se, ainda, a concentração dos empenhos em maio (Gráfico 2), movimento contemporâneo às importantes votações previstas para as próximas semanas, notadamente aquela do novo regime fiscal.

Tabela 2. Emendas Parlamentares de 2023 (R$ milhões)

Fonte: SIGA Brasil (Senado Federal) e Banco Safra

Emendas Totais Empenhadas em 2023 (R$ milhões)

Fonte: SIGA Brasil (Senado Federal) e Banco Safra e Banco Safra

Gráfico 3. Emendas Totais Pagas em 2023 (R$ milhões)

Fonte: SIGA Brasil (Senado Federal) e Banco Safra e Banco Safra

O volume e ritmo de emendas pagas tem sido superior ao das emendas empenhadas, refletindo o saldo de restos a pagar do ano passado (Gráfico 3). Os pagamentos até agora somam R$ 4,5 bilhões, 12% do total previsto para o ano, e representam primordialmente o pagamento de emendas empenhadas em anos passados. Na virada para esse ano, havia um saldo a pagar da ordem de R$ 6,5 bilhões, principalmente de emendas do relator (R$ 5 bilhões). O pagamento da emenda alguns meses após o seu empenho é natural em despesas de investimentos, em que a execução e verificação da despesa tomam tempo. A questão temporal dá, por vezes, maior atratividade a emendas de custeio, por exemplo, na saúde, onde a execução pode se dar em poucos meses com aumento de determinadas intervenções em alguma região.
A efetividade das emendas parlamentares ilustra o dilema entre o foco nos riscos fiscais de curto prazo e na sustentabilidade fiscal de médio prazo. O ritmo de pagamento de emendas antigas ou de 2023, apesar de envolver montantes expressivos e maiores do que a margem de tolerância para a execução fiscal preconizada no novo arcabouço fiscal (0,25%) não parece um risco expressivo para o cumprimento das metas ficais em 2023, o que diminuiu o escrutínio do mercado sobre essas linhas de gasto da União.

O problema da execução de emendas de custeio em certas áreas é a sua eventual pouca coerência com as ações de políticas públicas mais estruturadas, o que tende a diminuir a efetividade do gasto público incrementado por emendas.

Pautar o gasto por sua efetividade e eficiência é fundamental para permitir que o governo e a sociedade alcancem seus objetivos, tanto de crescimento econômico como de equidade social, com uma carga fiscal tolerável e gastos transparentes, condições indispensáveis para a sustentabilidade fiscal de longo prazo e solvência do estado. Princípio, aliás, adotado pelo substitutivo do projeto de lei do Arcabouço Fiscal, recém apresentado, que inclui a exigência de análise da qualidade do gasto nos anexos da Lei de Diretrizes Fiscais anual, regulamentando o comando presente no parágrafo 16 do artigo 37 da Constituição Federal desde a aprovação da Emenda Constitucional n.109 de 2021.

Íntegra da análise macroeconômica semanal do Banco Safra.

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