Crise imobiliária na China traz risco de desvalorização com impacto global
Ajuste do mercado imobiliário na China e desaceleração da atividade global podem catalisar ciclo de desvalorização da moeda chinesa, com repercussão mundial; leia análise do Banco Safra
21/08/2023O consumo pessoal na China cresceu na primeira metade de 2023, após as dificuldades do longo período de isolamento social observado no país. Essa aceleração foi, no entanto, tímida em relação a movimentos pós confinamento no Ocidente. Ela refletiu a queda da taxa de poupança pessoal de 36% no quarto trimestre de 2022 para 32% no segundo trimestre deste ano, mas essa taxa permanece acima do patamar de 2019, em contraste com o ocorrido, por exemplo, nos EUA. Além disso, observa- se no atual trimestre arrefecimento do crédito e retração das vendas de varejo em julho em relação ao mês anterior, além de mais um pequeno aumento do desemprego.
Ao fraco desempenho do consumo, soma-se a estagnação no investimento das empresas do setor privado desde o final de 2022 (Gráfico 1). Em contraste com a retração de 0,5% desse investimento nos últimos doze meses, o investimento das empresas estatais cresceu 7,6% no mesmo período.
O mercado imobiliário segue em retração. As vendas de imóveis recuaram 24% em julho desse ano em relação ao mesmo mês do ano passado, o que tem contribuído para a queda do preço dos imóveis novos. Nesse ambiente, o início de novas construções continua em forte deterioração, o que reduzirá sensivelmente o ritmo de atividade no setor, isto é, as construções em andamento, ao longo dos próximos trimestres.
A contração do setor de construção civil prejudicará, assim, o crescimento do PIB em 2024. As dificuldades do setor têm sido refletidas nos problemas de grandes construtoras honrarem suas dívidas de maneira tempestiva, com repercussões no sistema financeiro.
O volume exportado estabilizou com o arrefecimento da demanda por bens industrializados nos países desenvolvidos. Esse baixo desempenho deverá continuar, diante da perspectiva de crescimento econômico modesto nos EUA e na zona do Euro para o próximo ano.
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Finalmente, os preços ao consumidor recuaram 0,3% nos últimos doze meses, refletindo o ritmo lento da economia. Com essa deflação, a taxa de juros real subiu para 3,0% a.a., acima da média do período de 2016-19 em torno de 1,0% a.a., o que traz novos desafios para a atividade à frente.
O governo tem feito pequenos cortes na taxa de juros, mas ainda em escala modesta. No dia 14 de agosto houve novo corte, de 2,65% a.a. para 2,50% a.a. da taxa básica de financiamento aos bancos (MLF), o que prenuncia quedas nas taxas alvos para os empréstimos para o setor privado (LPR). Além disso, os bancos estão diminuindo a remuneração de seus depósitos para estimular o consumo. Essas medidas são marginais, sendo que a diminuição das taxas de depósitos pode apenas acelerar a busca por investimentos alternativos (shadow banking).
Enfraquecimento da moeda na China causa incerteza nos mercados
Um ciclo de afrouxamento monetário na esteira da incerteza sobre o desempenho da atividade e a estagnação das exportações pode gerar um ciclo de desvalorização da taxa de câmbio. A desaceleração econômica chinesa pode impactar o preço das commodities, como já vem fazendo com o preço do minério de ferro e, indiretamente, moderando a alta do preço do petróleo.
O impacto no preço dos alimentos é mais indireto, conforme o governo tente evitar uma real contração do consumo ou perda significativa do poder de compra da população.
O enfraquecimento da moeda chinesa no quadro de atividade econômica fraca e taxas de juros cadentes já vem forçando o banco central a intervir no câmbio, o que pode exacerbar a volatilidade na taxa de juros longa nos EUA, se essa intervenção exigir a venda de títulos públicos americanos para gerar dólares a vista.
Portanto, o PIB real deverá apresentar expansão em torno de 5,0% nesse ano, com viés para baixo. A continuidade do ajuste do mercado imobiliário e a estagnação do consumo de produtos industrializados ao redor do mundo prejudicarão a atividade do próximo ano, podendo catalisar um ciclo de desvalorização da moeda chinesa, com repercussão global e, especialmente, nos parceiros comerciais.