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Arcabouço fiscal: aumento de despesas afasta previsão de déficit zero

Relatório de macroeconomia do Banco Safra destaca forte crescimento de despesas do governo em ritmo superior ao preconizado pela nova regra fiscal

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Primeiro mês do primeiro ano do novo arcabouço fiscal foi marcado por um desempenho razoável, mas concentrado em receitas, aí incluindo o resultado de medidas extras de arrecadação | Foto: Getty Images

O resultado primário do governo central foi fortemente influenciado pelo bom desempenho das receitas, mas o aumento de despesas acende um alerta e dificulta a meta de déficit fiscal zero, destaca o relatório de macroeconomia do Banco Safra. O superávit primário de R$ 79,3 bilhões do Governo Central ficou um pouco abaixo dos R$ 82,5 bilhões do mesmo mês do ano passado (a preços de jan/24), mas em linha com a mediana de mercado de R$ 80 bilhões.

Excluindo o pagamento de R$ 6,6 bilhões (em termos reais) de dividendos e juros sobre o capital próprio da Petrobras, sem contrapartida em janeiro de 2024, o resultado do ano passado teria sido de R$ 75,9 bilhões, inferior ao deste ano.

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Feito esse ajuste, a receita líquida teria crescido, em termos reais, 6,0% (o dobro do crescimento observado de 3,0%) e em linha com o crescimento real de 7,0% nas receitas administradas e previdenciária, sugerindo um bom desempenho da arrecadação como um todo.

Medidas legislativas ajudaram as receitas de janeiro

As receitas administradas (crescimento real de 6,9%) e previdenciária (7,1%) cresceram R$ 16,4 bilhões em comparação ao ano passado. De acordo com relatório de janeiro da Receita Federal, somente as mudanças na tributação de fundos exclusivos e combustíveis geraram ganhos de R$ 5,8 bi.

Os principais destaques da arrecadação em relação a janeiro de 2023 foram:

  • i) aumento de R$ 6,5 bi na Cofins, devido principalmente à reoneração de combustíveis e ao bom desempenho do setor financeiro;
  • ii) aumento de R$ 3,8 bi no Imposto sobre a Renda Retido na Fonte, principalmente o IRRF – Rendimentos do Capital (R$ 2,3 bilhões), resultado das mudanças de tributação de fundos de investimento exclusivos;
  • iii) aumento de R$ 2,6 bilhões da CSLL, também refletindo boa arrecadação do setor financeiro; e
  • iv) redução no recebimento de dividendos da Petrobrás no valor de R$ 6,6 bilhões.

As despesas cresceram mais que as receitas. O crescimento real da despesa total foi de 6,8% ano contra ano. Esse ritmo está acima do crescimento real autorizado pela regra geral do arcabouço fiscal, que seria de 1,7%.

Esse limite é dado por 70% do crescimento real das receitas recorrentes observadas em 12 meses até junho do ano anterior, o qual foi de 2,4%. O ritmo de crescimento das despesas em janeiro também está acima do limite máximo de 2,5%, que poderá ser aplicado considerando a exceção prevista pelo art.14º da LC 200/231, que permite usar-se da eventual diferença positiva entre a previsão das receitas de 2024 (a constar no 2º relatório bimestral) contra a receita acumulada nos doze meses até dezembro de 2023 (ao invés dos 12 meses até junho), em função da distorção criada pelo corte de tributos feito logo antes da eleição de 2022 e que culminaram em perdas de receitas a partir de então e ao longo do primeiro semestre de 2023.

A evolução dos gastos obrigatórios merece ser monitorada. O crescimento real de muitos gastos obrigatórios no primeiro mês do ano deu-se em ritmo bem superior àquele autorizado pelo novo arcabouço para o ano todo.

Os pagamentos de benefícios previdenciários subiram 4,4% em relação a janeiro de 2023, enquanto os de benefícios de prestação continuada LOAS/RMV subiram 16%. Juntas, essas despesas acrescentaram R$ 4,1 bi em gastos reais ante jan/23, com crescimento médio ponderado de 7,8%.

Tal alta foi reflexo do aumento no número de beneficiários, descomprimido esse ano, e da política de valorização do salário-mínimo, o qual subiu 3,0% acima da inflação por conta da sua indexação ao crescimento do PIB dois anos antes. O crescimento do salário-mínimo acima da inflação será fonte de pressão sobre o orçamento nesse e nos próximos anos.

Fundeb deve apresentar crescimento real acima da regra geral até 2026

Ainda dentro de gastos sociais obrigatórios, destaca-se o crescimento de R$ 1,5 bilhão na complementação da União ao FUNDEB,
relacionado em parte ao aumento escalonado do percentual de complementação da União sobre a base de arrecadação do fundo (previsto na EC nº 108/2020), que subiu de 17% para 19% este ano.

Essa complementação continuará a subir até 2026, quando atingirá 23%, o que implicará em acréscimos anuais reais da ordem de R$ 6 a R$ 7 bi nesta, de acordo com nossas estimativas.

Além disso, o esforço arrecadatório geral deve favorecer as despesas com o Fundo, que são vinculadas às receitas.

Outro gasto obrigatório com crescimento acima da margem anual do arcabouço foi aquele com pessoal, cujo crescimento real foi de 3,8%.

A LOA prevê que o gasto com pessoal cresça 4,0% em termos reais frente à 2023, ou 8,0%, se descontarmos os pagamentos de precatórios antecipados em dezembro, que inflaram a base de 2023.

Alcançar esse crescimento não exige aumentos de salários em 2024, já que parte dele reflete os aumentos de salários autorizados no meado do ano passado, que agora impactam o ano cheio.

Além de reajustes passados, a LOA destaca, sem muitos detalhes, outros fatores que explicariam a alta de despesa prevista para o ano, como concursos e incorporação de servidores de ex-territórios.

Ao levantarmos nos volumes III a V da LOA o total de despesas “extras” de pessoal (nas linhas “Reserva de Contingência Fiscal – Primária – Recursos para atendimento do art. 169, § 1º, inciso II da Constituição”), chegamos num total de aproximadamente R$ 10 bilhões, sendo aproximadamente R$ 1 bi para Educação, R$ 6,6 bi para o Executivo (ex-Educação) e outros R$ 3 bi para demais poderes.

Assim, haveria, em tese, um espaço de R$ 10 bilhões para o governo alocar de forma livre, inclusive com reajustes. O uso dessa margem extrapolaria nossas projeções de despesa com pessoal, que está R$ 11 bilhões abaixo daquela na LOA, podendo resultar em um déficit primário para o governo central em 2024 de 0,7%, em contraste com nossa previsão de déficit de 0,6% do PIB.

Os gastos discricionários com saúde também estão em alta. As despesas do Poder Executivo sujeitas à programação financeira subiram R$ 1,7 bi, com aumento de R$ 1,0 bilhão ou 19% de variação real nas despesas discricionárias, destacando-se ações na função Saúde (R$ 1,1 bi), que subiram 123%.

Por regra, o aumento dos limites para a saúde é indexado à receita, que acaba por neutralizar parte do ganho fiscal obtido com o aumento da arrecadação. Essa pressão estrutural poderá forçar a contingenciamentos orçamentários indesejados e/ou inviáveis.

O fim da vinculação dos gastos com saúde à receita e sua sujeição ao critério global do arcabouço poderia resultar em economia de R$ 12 bi anuais no curto prazo e até R$ 24 bi no longo prazo, quando se incorporam os fatores exponenciais ao cálculo ao longo do tempo.

Em resumo, o primeiro mês do primeiro ano do novo arcabouço fiscal foi marcado por um desempenho razoável, mas concentrado em receitas, aí incluindo o resultado de medidas extras de arrecadação cujos ganhos são em parte não recorrentes.

Sinal de alerta afasta projeção de déficit zero

Do lado do gasto, ainda que seja prematuro extrapolar o desempenho de apenas um mês para o restante do ano, o forte crescimento real de diversas despesas obrigatórias e discricionárias em ritmo superior ao preconizado pela nova regra fiscal acende um sinal de alerta, afastando as projeções da meta zero para o primário anunciada pelo governo e consagrada na LOA 2024.

A projeção do Banco Safra de déficit primário de R$ 70 bilhões (-0,6% do PIB) não considera reajustes salariais para a função pública em 2024, mas prevê contingenciamento da ordem de R$ 25,5 bilhões, implicando no crescimento real das despesas de 3,6%, descontados os precatórios pagos em dezembro.

Íntegra do relatório semanal de macroeconomia do Banco Safra.

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