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Brasil sai da recessão, mas sem crescimento sustentável

Alta da inflação e condições financeiras menos favoráveis apontam para um PIB modesto no ano que vem, avalia o economista José Roberto Mendonça de Barros

José Roberto Mendonça de Barros

A probabilidade de apagões ou de algum tipo de racionamento no final do ano pode prejudicar o PIB, afirma o economista | Foto: Estadão Conteúdo

Embora seja uma “potência verde”, o Brasil vem pecando na construção das bases capazes de traduzir esse potencial em crescimento sustentável, afirma o economista José Roberto Mendonça de Barros.

Para o sócio da MB Associados e ex-secretário de Política Econômica, o país enfrentará obstáculos importantes para dar prosseguimento a uma retomada mais vigorosa da atividade.

Entre essas barreiras, uma inflação persistente, alavancada por eventos climáticos com impactos nos preços da energia e dos alimentos, que exigirá firmeza do Banco Central do Brasil.

Mendonça de Barros comentou ainda o apoio que manifestou, junto a outros economistas e empresários, ao sistema eleitoral do país. Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista, concedida antes de o plenário da Câmara dos Deputados rejeitar a PEC do Voto Impresso.

O Especialista: O IPCA bateu 9% em 12 meses. Já atingimos o pico da inflação?

José Roberto Mendonça de Barros – Se não foi o pico, estamos próximo dele. Na MB Associados, projetamos para o ano que vem um IPCA de 4,1%, o que significa que tem um bom espaço para cair.

No curto prazo, porém, temos três fatores muito difíceis de projetar e que ainda podem impactar o índice: os preços internacionais de commodities, o dólar e os efeitos climáticos sobre o setor agrícola.

Com relação ao clima, o que temos dos climatologistas é que ainda virão duas ondas frias até setembro, mas a previsão é que sejam menores do que as de julho, que afetaram diretamente a agricultura. Mas é importante lembrar que as culturas mais afetadas, café, cana-de-açúcar, milho e hortigranjeiros, mostram uma certa debilidade, em razão das perdas com o frio, e podem ter algum impacto.

Mas diria que estamos próximos do pico da inflação. Talvez venha mais um mês nessa faixa de 1% de alta mensal, mas olhando para o fim do ano, certamente teremos um alívio.

E os preços dos serviços? Qual a capacidade de reajuste do setor?

No setor de serviços, naquilo que depende de custo de mão de obra, veremos pressões muito pequenas. O mercado de trabalho está muito murcho e as pressões que podem acontecer são de itens mais voláteis, como passagens aéreas.

Até porque, não esperamos uma retomada muito forte dos serviços. Há uma retomada, sem dúvida, mas ela não tem uma força que permita aos prestadores de serviços terminarem todas as promoções e já passarem para aumento de preços.

E nós esperamos um crescimento muito modesto da economia no ano que vem, de 1,8%. Vamos transitar por uma atividade um pouco mais frágil, por causa da inflação, da alta de juros, do custo da energia. Acho que haverá uma certa desaceleração na atividade no final de 2021, isso não permitiria grandes pressões no setor de serviços.

Embora seja verdade que, do ponto de vista de PIB, e não de inflação, a recuperação será centrada na área de serviços.

O sr. trabalha com qual cenário em relação à energia?

A seca extraordinariamente forte praticamente garante que, no Sudeste, chegaremos por novembro com nível de água no reservatórios inferior a 10%.

Isso leva muitos reservatórios a deixar de produzir energia elétrica, já que, em níveis muito baixos, a água barrenta não pode ser turbinada porque estraga o equipamento. E temos que lembrar que praticamente todas as termelétricas já estão acionadas.

Tem uma certa relevância também que a seca, e depois o frio, tiraram alguma coisa como 30 milhões de toneladas de cana da produção, reduzindo o teor de ATR [medida da produtividade dos canaviais] e antecipando o fim da colheita. Em muitas usinas, a colheita vai terminar em meados de outubro, e não irá até dezembro.

Essa redução significa menos moagem e menos produção de energia elétrica. Estimamos 2,5 mil MW a menos de produção de energia elétrica exatamente no final do ano, quando a escassez dos reservatórios estará mais presente.

De qualquer forma, mesmo que consigamos atravessar raspando na trave este ano, a entrada do verão vai ser de reservatórios muito vazios. Precisaremos de um verão mais chuvoso do que a média para repor minimamente os reservatórios e livrar o ano que vem de problemas.

Risco energético ameaça crescimento em 2022

É provável algum racionamento neste ano? Pode ser um gargalo?

Infelizmente é possível sim. Acho que a energia elétrica será um obstáculo para a continuidade do crescimento.

A probabilidade ou de apagões ou de algum tipo de racionamento no final de ano é elevada, mas olhamos até com mais preocupações o que pode acontecer com o ano que vem. E sem energia não tem produção. O PIB sente diretamente.

Qual pode ser o impacto sobre a atividade?

Não fizemos um exercício que destaque esse impacto, mas quando baixamos nossa projeção para o PIB de 2022 de 2% para 1,8%, a razão mais importante foi a energia elétrica.

Temos que lembrar ainda que, diferentemente de 2001 e 2016, os preços internacionais de metais estão muito altos. Desta vez, não vemos a metalurgia e aciaria desligando forno para vender energia elétrica no mercado livre.

Voltando à inflação, o BC citou impactos climáticos sobre os alimentos. Quais preocupam mais?

Tivemos um efeito conjunto de cotações agrícolas elevadas lá fora, pela força da demanda com a recuperação global, com uma sucessão de eventos climáticos difíceis. Três grandes ondas de frio como tivemos em julho não é algo usual.

O mais preocupante é o milho, porque, mesmo tendo uma safra de verão muito boa nos EUA, a projeção é que os estoques de grãos, incluindo soja, virem o ano muito baixos. Portanto, a pressão sobre os preços será maior.

No Brasil, a perda da safrinha de milho foi significativa, cerca de 15 milhões de toneladas, muito coisa para um produto com estoques baixos e preços altos, esbarrando em R$ 100 por saca. Isso é uma pressão enorme nas rações, nas carnes e diretamente na inflação.

Em segundo lugar, a cana-de-açúcar. Tem esse efeito colateral que mencionei na produção de energia elétrica no quarto trimestre, e também é uma redução no volume de produção muito significativa. No ano passado, o Centro-Sul cortou 605 milhões de toneladas. Neste ano, a estimativa atual é de 530 milhões, uma quebra enorme.

Outra pancada é o preço do café. E o frio afeta mais que tudo a colheita do ano que vem, que seria grande.

É um desafio para o Banco Central. A inflação desde março, abril vem surpreendendo as projeções, saindo sistematicamente no topo ou acima das estimativas.

A pergunta é se essa alta inesperada da inflação veio apenas de um evento fortuito, como geadas, ou veio de coisas mais persistentes, coisas que eu acho que o Banco Central subestimou.

Como avalia a atuação do BC? A queda da Selic a 2% foi exagerada?

Não discuto se o 2% foi exagerado, mas acho que o Banco Central errou quando insistiu no forward guidance no ano passado e só abandonou neste ano, quando as nuvens de inflação já estavam ficando esquisitas. Eu escrevi artigos falando que o BC estava indo um pouco atrás da curva.

Em um certo sentido, o Banco Central está correndo atrás. Do final do ano passado para cá, a comunicação mudou dramaticamente. Ela refletia uma expectativa favorável que foi sendo ultrapassada pelos fatos.

O último comunicado do Copom trouxe agora mais uma mudança. Depois de começar a subir a Selic, mas dizer que iria em direção à taxa neutra, agora sinalizou que vai além da taxa neutra.

Por que temos hoje um tom mais duro aqui, contra uma postura mais paciente do Fed?

Na minha opinião, os dois foram muito lenientes com as expectativas de inflação. Mas a situação brasileira é bem mais delicada, até porque nós não emitimos a moeda global. E lá fora ainda tem um passo anterior à mudança de juros, que é parar de comprar ativos no mercado.

De qualquer forma, acho que nos EUA há uma leniência muito grande. O Fed está tardando muito e os sinais de que estamos um pouco como em piquenique à beira do vulcão são claros.

Primeiro, vimos crise financeiras por implosão de empresas desde o começo do ano. A última, do Archegos Capital, deixou US$ 10 bilhões de prejuízo ao sistema bancário internacional.

O próprio mundo das criptomoedas dá sinais de que pode gerar grandes dificuldades. É um mercado hoje de pelo menos US$ 1,5 trilhão, que está deixando de ser uma coisa lateral, para ser algo mainstream.

Além disso, o mercado imobiliário americano vive uma explosão de preços que lembra desagradavelmente 2007. Os mecanismos são diferentes, mas vemos um aquecimento excessivo.

Acho que está perigoso, e com uma expansão fiscal forte, até para o padrão americano. É seguro que tanto no exterior, quanto aqui no Brasil as condições financeiras gerais irão piorar.

Como deve ficar o Brasil, diante de um ambiente externo menos favorável?

Teríamos que incorporar a esse cenário a antecipação que temos visto da eleição presidencial para os dias de hoje, que traz como consequência a pressão sobre o regime fiscal.

A mudança no ambiente do mercado nos últimos dias tem tudo a ver na margem com incertezas na área fiscal. Há razões substantivas para ficar preocupado. Tudo indica que teremos uma pirotecnia na área fiscal. Uma pressão populista enorme que bate diretamente nas expectativas dos mercados, a começar pelo câmbio.

No começo de maio, a narrativa vitoriosa no mercado era de melhora fiscal, com avanço nas reformas, um setor externo robusto, o que levaria a uma atividade forte, favorável para os ativos de renda variável.

Essa não foi a nossa percepção. A melhora na relação entre dívida e PIB em boa parte se deve à aceleração da inflação. Isso não é estável. Um segundo ponto é que um belo pedaço da melhora do gasto primário tem a ver com cortes drásticos de Orçamento, e a experiência brasileira mostra que, quando isso ocorre, e o resultado fiscal melhora, uma parte disso acaba voltando no ano seguinte, por conta de pressões. Nunca conseguimos achar que essa melhora fiscal tenha sido sustentável.

Além disso, embora algumas medidas aprovadas no Congresso tenham sido boas, como a independência do Banco Central e o marco do saneamento, a qualidade das reformas em geral deixa a desejar. O melhor exemplo é a Eletrobras. A privatização é positiva, mas o volume de jabutis que veio irá cobrar um preço enorme no setor elétrico.

Isso implica hoje uma revisão dos mercados acerca do cenário fiscal, com impacto nas condições financeiras. E é difícil que isso mude, porque estamos ainda no princípio da campanha eleitoral.

O sr. está entre os economistas e empresários que assinaram o manifesto em defesa do sistema eleitoral. Como avalia a situação institucional do país?

Com a mesma preocupação de todos que assinaram o manifesto. A razão de assinar foi ter percebido, no ataque às urnas eletrônicas, um risco institucional inaceitável para um regime democrático. A essência foi dizer isso. O Brasil preza muito pelo regime democrático. Lutou-se muito por ele. A democracia de verdade é o único sistema que vale a pena viver.

E acho que também reflete uma preocupação de que nós precisamos de uma tranquilidade com relação às bases do sistema político, para que possamos também vir a construir as bases de retomada do crescimento sustentável, que não estão dadas.

A Europa e os EUA estão saindo da crise com uma agenda de futuro. Não é só voltar ao normal, é colocar uma série de elementos que tragam um crescimento sustentável, como energia limpa, projetos de descarbonização. É um gigantesco investimento que está sendo colocado na rua.

É bom que aqui nós estejamos saindo da recessão, que a vacina esteja avançando, mas precisamos entender que estamos discutindo as bases do sistema democrático, e deixando de lado coisas fundamentais para um crescimento sustentável. Somos uma potência verde, mas a maior parte disso ainda não está realizada.

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