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Incerteza fiscal ainda pressiona juros e déficit zero em 2024 não está garantido

Governo pode contingenciar despesas e investimentos diante da incerteza do mercado sobre o plano de déficit fiscal zero em 2024; confira a análise do Banco Safra

Incerteza fiscal

Tanto Fazenda como Planejamento tem sinalizado o cumprimento da meta, mesmo que isso signifique corte importantes dos gastos discricionários, inclusive em investimentos | Foto: Getty Images

O projeto de lei orçamentária anual de 2024, elaborado em consonância com o novo arcabouço fiscal (LC 200/2023), encerra certa dose de incerteza. Apesar do orçamento se propor a fixar a despesa do governo, o gasto efetivo em 2024, e mesmo o autorizado, estará condicionado à evolução de uma série de medidas legislativas e do cenário econômico. As estimativas de receita são também incertas, por conta de dependerem dessas medidas legislativas, cuja natureza em vários casos mira na resolução de litígios ou na limitação de benefícios fiscais, com rendimento bastante subjetivo. Com isso, é difícil ser assertivo acerca do cumprimento da meta primária do governo federal de déficit zero no ano que vem, sem que isso implique necessariamente em um resultado primário pior do que em 2023.

Apesar da incerteza acerca das receitas, um resultado primário de -0,5% do PIB parece factível no ano que vem. Para esse resultado concorreria nossa expectativa de um crescimento real do PIB de 2,5% no ano que vem, de estabilização da inflação e de que as medidas de receitas a serem aprovadas no Congresso resultarão em ganhos de R$ 102 bilhões (R$ 66,1 bilhões líquidos para a União). Parte desse ganho deverá se dar pelos incentivos já existentes para os contribuintes encerrarem seus litígios quando houver empate nas instâncias administrativas (Carf) ou pela opção de uma transação no âmbito judicial, na medida que em ambos os casos há a possibilidade de substancial redução de multas e mora. Outras medidas mais clássicas, como a tributação das apostas eletrônicas e o fim de certas liberalidades na importação de pequeno valor, também devem trazer alguns resultados, mas ainda não foram aprovadas no Congresso.

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À subjetividade do rendimento da resolução de litígios se soma a incerteza em relação à aprovação de diversas medidas hoje no legislativo, assim como do seu eventual rendimento. O PLOA 2024 estima que a resolução mais célere de disputas tributárias, inclusive em decorrência da volta do voto de qualidade no CARF, geraria R$ 97,9 bilhões. A regulamentação das subvenções econômicas de ICMS, se aprovada, é estimada gerar R$ 35,3 bilhões, enquanto a tributação dos jogos eletrônicos e das importações de pequeno valor gerariam R$ 4,5 bilhões. Os R$ 30,8 bi decorrentes de mudanças na legislação do imposto de renda, principalmente relacionadas à investimentos financeiros, dependerão muito da evolução no Congresso dos projetos de lei que tratam delas e do cálculo dos investidores face às alternativas de pagamento previstas, podendo se mostrar bem menores.

O PLOA também conta com R$ 44,4 bilhões de receitas “não administradas”, atribuídas a concessões e permissões. O valor previsto é muito superior à média histórica de R$ 20,7 bi observada entre 1997 e 2022 (a preços de jul/2023) e só foi superado em cinco dos últimos 26 anos. Parte relevante dessa receita (R$ 34 bilhões) está associada ao setor ferroviário, onde há sinais de revisão da extensão de certos contratos efetuados em anos recentes, possivelmente cobrindo compensações pela otimização de malha pretendida pelos concessionários, o que poderá se realizar em uma ou mais parcelas anuais.

Montante significativo da despesa autorizada para 2024 está condicionado à inflação até o final de 2023. Conforme previsto na LC 200/2023, o PLOA corrigiu o teto-base de 2023 (R$ 1.964 bi) pelo IPCA em 12 meses até junho de 3,2%, mas previu R$ 32,4 bi a mais em despesas condicionados à eventual diferença entre 12 meses de inflação até junho e 12 meses até dezembro próximo, a qual está prevista em 4,9% (R$ 1.964 x (4,9% – 3,2%) = R$ 32,4 bi). O próprio valor condicionado é incerto, visto que poderá ser alterado pelo valor efetivo da inflação até o final do ano.

A construção do arcabouço adiciona uma fonte adicional de incerteza, visto que o limite do crescimento da despesa dependerá do aumento da receita, podendo vir a ser alterado por créditos suplementares ao longo do ano. A LC 200/2023 prevê que, regra geral, a despesa possa crescer, em termos reais, até 70% do aumento real da receita no ano anterior. Tal percentual aplicado sobre o crescimento real da receita apurada em 12 meses até junho desse ano de 2,4% resultaria em um crescimento real do gasto de 1,7% ano que vem. Mas a lei permitiu, em caráter excepcional para 2024, que o crescimento real do gasto possa alcançar o limite máximo de 2,5%, caso a aplicação do percentual de 70% sobre a receita de 2024 venha a superar o resultado dessa mesma conta aplicada à receita-base de 2023, o que poderia elevar os gastos em mais R$ 15,7 bilhões. Esse valor não está, no momento, refletido nas despesas fixadas no PLOA, mas poderá se materializar a partir de maio do ano que vem, após a divulgação da segunda avaliação bimestral de receitas e despesas primárias, em maio. Como essa despesa refletiria apenas 70% do eventual aumento de receita, ela seria ainda acompanhada por uma economia de R$ 6 bilhões, considerando um aumento de receita de R$ 21 bilhões por conta daquela exceção na LC 200/2023.

A volta da vinculação dos pisos de educação e saúde à receita de impostos e contribuições amplia a incerteza sobre a despesa e tende a piorar o resultado primário. Ainda que a alta dessas despesas deva ser acomodada pelo menor crescimento de outras rubricas para permitir a observância do crescimento máximo de 2,5% da despesa total, a vinculação à receita aumenta o esforço de arrecadação do governo para se alcançar uma mesma meta de primário. Dado o mínimo de R$ 108,7 bi em educação e R$ 218,4 bi em saúde previstos na PLOA, o piso de despesa dessas áreas poderia subir em R$ 4,0 bilhões.

Diante da incerteza sobre as receitas disponíveis em 2024, o governo tem sinalizado a disposição de contingenciar algumas despesas, inclusive de investimentos. Tanto Fazenda como Planejamento tem sinalizado o cumprimento da meta, mesmo que isso signifique corte importantes dos gastos discricionários, inclusive em investimentos.

Em suma, o cumprimento da meta de resultado primário em 2024 ainda não está garantido. O arcabouço fiscal trouxe vantagens para a gestão fiscal, mas introduziu diversas fontes de incerteza na preparação e execução orçamentárias. Em um ano em que isso se soma ao cumprimento da meta depender tanto de novas receitas tributárias e da expectativa de grandes receitas associadas a concessões, o mercado deverá continuar explorando de perto a provável trajetória do resultado fiscal nos próximos 15 meses, com possível efeito altista nas taxas futuras de juros.

Íntegra da análise macroeconômica semanal do Banco Safra.

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