Avanço da longevidade gera empregos e riqueza
Envelhecimento populacional, cada vez mais acelerado no Brasil, estimula corrida global por tecnologias, produtos e serviços
28/12/2020O envelhecimento e longevidade da população sempre foi visto como um problema para a economia, especialmente do ponto de vista do financiamento da população de idosos pelo sistema previdenciário.
Nos últimos anos, porém, começa a crescer a percepção de que a mudança do perfil etário da população abre novas perspectivas para a economia, e já existe uma verdadeira corrida mundial para aproveitar essas novas oportunidades do mercado da longevidade.
Nessa corrida, milhares de empresas investem em inovações para produzir mais e melhores produtos e serviços para o novo ramo também chamado de “economia prateada” – referência aos cabelos brancos.
Ou seja: no futuro, quem tiver tecnologia e conhecimento neste mercado terá mais condições de aproveitar o seu crescente potencial.
Nesse sentido, o aumento da proporção de idosos na população decorre da combinação do crescimento da expectativa média de vida com a redução da taxa de fertilidade – número de filhos por mulher.
Dessa forma, os avanços da medicina e da qualidade de vida contribuem para que as pessoas tenham mais tempo de vida.
E a instabilidade econômica reduz a disposição de formar famílias relativamente grandes, com mais de dois filhos.
Com isso, a idade média da população tende a crescer. Atualmente, o Brasil tem quase 34 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, o que representa 14% do total de brasileiros.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o número deve quase duplicar até 2050, chegando a 63,8 milhões.
Países com alto nível de longevidade
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, o Japão é o país com a maior proporção de pessoas com mais de 60 anos no mundo, com índice já superior a um terço da população.
Na sequência do ranking aparecem países como Itália (29,8%), Portugal (29,4%) e França (26,8%). Os Estados Unidos têm 22,9% e a China,17,4%.
Ainda segundo a OMS, no mundo há mais de 700 milhões de pessoas acima de 65 anos, numa população de 7,8 bilhões.
A julgar por esses índices de nações mais desenvolvidas, a longevidade no Brasil ainda tem muito a crescer nos próximos anos.
Entretanto, o que chama a atenção no processo de envelhecimento populacional brasileiro é a velocidade.
Nesse ínterim, a mesma tem sido dada muito mais pela queda da taxa de fecundidade do que pelo aumento da expectativa de vida.
A taxa de fecundidade da população brasileira caiu em 2005 para 2,09 filhos por mulher – ficando pela primeira vez abaixo do índice de 2,1, a taxa que garante a estabilidade populacional com a reposição quantitativa de perdas.
No entanto, as projeções indicavam que esse índice só seria alcançado na metade do século 21.
Pois não só foi veio antes do previsto como atualmente o índice de fertilidade está em 1,7 filho por mulher.
Motivos da queda da fertilidade
Os principais motivos da aceleração da queda da fecundidade são a inserção da mulher no mercado de trabalho, o uso de métodos anticoncepcionais e a instabilidade econômica, que dá a sensação de insegurança em relação ao futuro e leva os casais a ficarem menos propensos a ter filhos.
A redução da proteção social nas áreas de saúde pública e educação também pressiona o orçamento familiar, reduzindo a fertilidade.
Brasil está perdendo a corrida da longevidade
Para o especialista em envelhecimento populacional Jorge Felix, professor de gerontologia da Universidade de São Paulo, o Brasil está perdendo uma corrida importante ao não se preparar, até aqui, como deveria para essa mudança demográfica acelerada registrada nas últimas décadas.
Autor de “Economia da Longevidade – O Envelhecimento Populacional Muito Além da Previdência”, Jorge Felix critica a “visão tacanha” de que o aumento do número de idosos tenha impacto negativo na economia.
Para ele, o aumento da proporção de idosos na população estimula uma nova “corrida populacional” no comércio mundial.
Nessa disputa, os países capazes de inovar e produzir as mercadorias que atendam às necessidades dos mais velhos vão ter mais espaço no comércio global.
“Analisar o envelhecimento populacional apenas pelo lado fiscal significa fechar os olhos para uma revolução industrial que já está em curso em muitos países desenvolvidos”, afirma Felix.
“A própria dinâmica da adaptação da economia para as necessidades deste novo perfil populacional é um fator de geração de riqueza.”
Política industrial para os idosos
Para adaptar a oferta de produtos e serviços a atender a esse crescente contingente de idosos, diversos países criaram políticas industriais para a adaptação ou transformação de suas empresas por meio de pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias.
As iniciativas ganharam força após a crise financeira global de 2008, quando cresceu na Europa e nos Estados Unidos a busca de planejamento e soluções para a questão do envelhecimento populacional.
Muitos países passaram a perceber o valor de de adotar alternativas de readaptação de seu sistema produtivo por meio de políticas industriais. Foi um movimento que emergiu na direção oposta à das escolhas de redução de investimentos sociais em meio à crise econômica.
Essas políticas voltadas para a silver economy, ou “economia prateada” (termo surgido no Japão nos anos 1970), transformaram o que era um problema em uma alternativa de incentivo ao emprego e à geração de riqueza.
São políticas industriais que estimulam, por meio de investimento em pesquisa e desenvolvimento, a criação e a inovação de produtos e serviços voltados para o processo de envelhecimento.
Gerontecnologia atrai gigantes
Essas políticas envolvem empresas gigantes de tecnologia como Google, Microsoft, HP, Nokia e Toshiba, entre outras que hoje contam com departamentos envolvidos na economia da longevidade.
Por exemplo, o Google criou um prêmio para atrair startups para este mercado, e já adquiriu algumas melhor posicionadas em temos de ideias e soluções inovadoras.
Na França, em 2013, pela primeira vez no mundo uma política governamental voltada para o envelhecimento da população uniu ministérios das áreas social e econômica.
De 2014 a 2019, a União Europeia investiu 2 bilhões de euros em pesquisa na economia da longevidade apenas no âmbito do projeto de financiamento denominado Horizon, principal programa de pesquisa dos 28 países do bloco.
Felix cita que essas iniciativas nos países desenvolvidos estão estimulando o surgimento de uma área conhecida como gerontecnologia, ou seja, de tecnologias voltadas para os cuidados com os idosos.
No Brasil, a Sociedade Brasileira de Gerontecnologia, na cidade paulista de Ribeirão Preto, funciona como uma associação científica sem fins lucrativos com a finalidade de desenvolver o conhecimento sobre a tecnologias de apoio à vida da pessoa idosa.
“Ainda estamos engatinhando nessa corrida, o que vai custar caro para a balança comercial brasileira no futuro”, afirma Jorge Felix. Ele defende que o Brasil deve se apressar e tentar recuperar o tempo perdido em um mercado que não para de crescer.
Segundo estimativas da Oxford Economics, centro de estudos e pesquisas da universidade britânica, a economia da longevidade tem potencial de mercado nos Estados Unidos de US$ 7,1 trilhões por ano.
Por outro lado, o potencial do mercado brasileiro não está dimensionado, mas é crescente, na mesma proporção em que o Brasil cada vez mais deixa de ser um país de jovens e consolida uma média etária mais madura.