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Mercado imobiliário enfraquece nos EUA e deixa de pressionar juros

Setor de construção e vendas relativamente fracos evidenciam ser pouco provável que o setor imobiliário residencial possa pressionar os juros

Casas nos Estados Unidos

O preço mediano de novas residências cresceu mais rápido que o índice geral de preços em 2020-21 | Foto: Getty Images

O bom funcionamento do mercado imobiliário é crítico para o desempenho da economia – como a recessão de 2008 deixou evidente. A abertura do PIB americano pela ótica da demanda revela que o gasto total com investimento em construção residencial responde por cerca de 5% da produção agregada dos EUA. Mas a importância do setor vai bem além.

As transações de compra e venda de casas, por exemplo, ultrapassam 10% do PIB americano e quaisquer flutuações no preço das casas têm impacto direto no patrimônio das famílias. Além disso, o estoque de imóveis representa mais de um quarto da riqueza americana. Para a maioria das famílias, a residência é o seu principal ativo, o que as tornam muito sensíveis a variações no preço desse bem ou nas suas condições de financiamento, especialmente quando elas carregam dívidas hipotecárias. Essa sensibilidade também se estende ao setor financeiro e investidores, já que as dívidas hipotecárias chegam perto de US$ 12 trilhões, ou 50% do PIB.

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Ao contrário de 15 anos atrás, o mercado hoje está, de modo geral, sadio, como ilustrado pelo fato de que dos US$2,8 trilhões em hipotecas originadas em 2022 (incluindo refinanciamentos), 80% foi para tomadores de alta qualidade (super-prime) e apenas 2,8% para tomadores vulneráveis (subprime). Ainda assim, depois de um surto de crescimento durante a covid, o setor imobiliário vem se retraindo nos últimos trimestres, em paralelo com o crescente aperto monetário.

Em um ambiente da contração do mercado imobiliário, a divulgação pelo Census Bureau dos Estados Unidos de que o número de construções iniciadas em maio aumentou em 19% surpreendeu. Esse foi um dos maiores saltos de mês a mês na série histórica, o que deve ser ponderado pela elevada volatilidade da série e pelas numerosas evidências de que esse resultado não significa que o mercado imobiliário americano está na iminência de um novo boom.

O mercado imobiliário americano continua sendo afetado pelos reflexos da pandemia da covid-19 e da ampliação do trabalho remoto.

Durante a pandemia cresceu muito a demanda por morar fora dos centros urbanos, algo que se tornou viável com a banalização do trabalho remoto, em especial no setor de serviços, que corresponde àquele que mais emprega nos EUA.

Também acelerou a migração para os estados do Sul americano, de clima mais ameno e tributação mais hospitaleira. Isso levou a um boom na venda de novas casas, que atingiu um pico superior a um milhão de unidades (anualizado) em agosto de 2020.

O preço mediano de novas residências cresceu mais rápido que o índice geral de preços em 2020-21 e alcançou um máximo de US$ 500 mil no segundo semestre de 2022 (dólares de maio de 2023).

Entretanto, enquanto foram necessários dois anos e meio para o preço mediano de novas residências crescer US$ 100 mil (ou 25%), bastaram seis meses para que esses preços caíssem os mesmos US$ 100 mil.

O preço por residências existentes seguiu um padrão similar, e as vendas de residências novas ou existentes caiu 30% nos últimos 18 meses. O número médio anualizado de unidades vendidas cedeu em dois milhões no período, começando a se estabilizar apenas a partir de janeiro de 2023. Este alívio na queda se deu em níveis de venda já inferiores aos de 2015-2018 e muito abaixo do pico de venda do boom até 2007.

Dois outros indicadores corroboram a leitura de pouco dinamismo no setor de construção residencial dos EUA atualmente. Primeiro, o número médio de dias em que um imóvel fica anunciado antes de ser vendido subiu de 35 para 55 desde o início de 2022, como reportado pelo portal Realtor.com. Segundo, o gasto total (anualizado) com construções residenciais começou a declinar no mesmo período, de um trilhão de dólares (5% do PIB) para aproximadamente US$ 850 bilhões nas últimas leituras.

Além disso, o setor imobiliário comercial (escritórios, lojas, indústria e moradia para aluguel), que não cresceu durante a pandemia, começa a dar sinais de debilidade (como discutido no Safra Semanal de 7 de julho de 2023).

Mercado imobiliário esfriou nos últimos 18 meses com alta nas taxas hipotecárias

O esfriamento do mercado imobiliário nos últimos dezoito meses é contemporâneo ao aumento nas taxas hipotecárias na esteira do aperto da política monetária americana desde finais de 2021. O aumento das taxas hipotecárias tem dois efeitos sobre esse mercado. O primeiro é tornar os financiamentos menos accessíveis, já que para um mesmo valor do imóvel, o serviço da dívida aumenta significativamente. O Segundo, relacionado ao primeiro, é diminuir drasticamente a oferta de imóveis existentes, porque atualmente a maioria das hipotecas associadas a ele carrega uma taxa de juros mais baixa do que aquelas em novas hipotecas.

Quando os juros sobem, o proprietário de imóvel tem menos interesse em vender o bem que possui por uma possível redução do preço do seu ativo enquanto aquele que financia a compra é desincentivado a entrar em outro financiamento com uma taxa mais alta. Esse fenômeno é bem capturado pelo índice de acessibilidade (“Affordability Index”) da Associação Nacional de Corretores de Imóveis (“National Association of Realtors”).

O índice compara a renda mediana de famílias americanas à “renda qualificada” necessária para se financiar um imóvel de preço mediano, sujeita a algumas hipóteses. Um valor de 100 significa que a renda familiar mediana é exatamente a necessária para sustentar o financiamento de uma casa de preço mediano (ou seja, 100% do necessário).

O índice de acessibilidade caiu 75 pontos desde 2021, indicando que a renda efetiva das famílias não acompanhou a subida da renda necessária para financiar um imóvel de preço mediano.

A abertura do índice de acessibilidade em seus componentes revela que o fator dominante para o descompasso entre renda efetiva e “qualificada” tem sido o custo do serviço da dívida, a despeito da subida, também, do custo do material de construção junto com o ciclo das commodities e mesmo da mão de obra, mais recentemente. Esse custo da dívida deverá se manter alto enquanto a taxa de juros do banco central não cair.

Uma forma de acomodar o descompasso do índice de acessibilidade é, evidentemente, pela queda do preço mediano das casas, que já vem ocorrendo. Essa queda desestimula a construção de novas casas e, portanto, a atividade econômica. Ela também faz as famílias se sentirem mais pobres, com repercussões no consumo agregado. Essas repercussões são esperadas pelos condutores da política monetária, que contam com elas para esfriar a inflação. Assim, dado os sinais de um setor de construção e vendas relativamente fraco, é pouco provável que a última leitura do índice de casas iniciadas – admitidamente acima do esperado – indique uma retomada imediata do setor imobiliário residencial que possa pressionar os juros para cima no curto prazo.

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