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Agência Estado

Como os investidores de criptoativos gerenciam suas carteiras?

Estudo realizado com 100 mil investidores alemães aponta que aqueles que investem em cripto têm carteiras mais diversificadas, mas perfil de alto risco

Close de mão apontando para tela de computador com gráficos alusivos a criptoativos

Conforme estudo publicado na revista Review of Finance, investidores de criptoativos têm quase 3 vezes mais chance de já ter investido em fundos de investimentos (ETFs) ligados a setores inovadores | Foto: Getty Images

Em 1990, a Real Academia Sueca de Ciências anunciou que o professor Harry Markowitz havia ganhado o prêmio Nobel de economia daquele ano. Dentre os seus vários feitos, o que levou o referido professor a vencer o tão concorrido prêmio foram seus trabalhos, ainda na década de 1950, que mostraram matematicamente que a diversificação de ativos pode melhorar o retorno ajustado a risco de uma carteira de investimentos. Obviamente, isso passa por alguns pressupostos, como o de que há incerteza sobre a distribuição de probabilidade dos retornos futuros dos ativos, e ocorre apenas quando os retornos dos ativos que compõem o portfólio não são perfeita e positivamente correlacionados.

Sete décadas após seus trabalhos seminais, sabe-se que a maioria dos investidores, gestores de recursos e planejadores financeiros ainda utiliza princípios de diversificação para elaborar e rebalancear carteiras de investimentos. Porém, pouco se sabe sobre o papel da diversificação (se é que há algum) na elaboração e gestão de carteira de investidores de criptoativos. Esses investidores, como pesquisa da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP) com a Hashdex já mostrou, são tipicamente jovens, do gênero masculino, de perfil de risco agressivo, e se avaliam como melhores investidores do que seus pares que não investem em criptoativos.¹

Para além das características sociodemográficas e comportamentais dos investidores de criptoativos, apenas recentemente um artigo científico esmiuçou como tais investidores gerenciam suas carteiras. Andreas Hacketal e três coautores, em artigo publicado na revista Review of Finance e intitulado “The characteristics and portfolio behavior of bitcoin investors: evidence from indirect cryptocurrency investments”², encontraram evidências empíricas que nos ajudam a entender como os investidores de criptoativos tomam decisões de investimentos. Abaixo, destaco três grupos de evidências desse artigo, que avaliou com detalhes todas as transações de uma amostra de 100 mil investidores de um banco alemão digital (destes, 872 investiram em produtos estruturados de criptoativos).

O primeiro resultado refere-se a quais outros títulos os investidores de criptoativos são atraídos. As evidências das regressões multivariadas indicam que investidores de criptoativos têm quase 3 vezes mais chance de já ter investido em fundos de investimentos (ETFs) ligados a setores inovadores. Além disso, os investidores de criptoativos têm também cerca de 20% mais chances de investir em ações com grande atenção da mídia do que investidores que não têm criptoativos em carteira. Ainda, esses investidores são mais atraídos por ativos que performaram melhor no passado (high trend chasing), por “penny stocks” (ações cujo preço se aproxima de centavos), e por ações com características de loteria (isto é, com elevada volatilidade idiossincrática).

O segundo ponto que merece destaque é o aspecto de giro e horizonte temporal da carteira dos investidores de criptoativos. Eles são muito mais ativos e giram mais a carteira do que seus pares. Em particular, fazem login na plataforma seis vezes mais e fazem cinco vezes mais negócios, em média. No entanto, ao contrário do que poderia se imaginar, investidores de criptoativos mantém cerca de 6 ativos a mais em carteira do que seus pares (ou seja, possuem mais ativos em carteira, o que, a princípio, indica maior diversificação – o estudo não avalia exatamente quais ativos são mantidos nessas carteiras. No parágrafo seguinte discutirei algumas evidências sugestivas quanto a esse ponto).

Finalmente, uma terceira e interessante evidência do estudo é a quantificação do que acontece com a carteira dos investidores a partir do momento em que eles investem em criptoativos. Usando uma metodologia de diferenças em diferenças e comparando com um grupo de controle baseado em investidores parecidos em várias dimensões observáveis (idade, gênero, tempo de conta no banco, região geográfica, título acadêmico), os autores encontram significativas mudanças na carteira após o investimento em cripto. Em particular, passa-se a logar mais na conta e a investir em um maior número de ativos. Porém, esses ativos têm perfis particulares: são penny stocks, ativos com maior retorno passado, e ativos com mais volatilidade. Portanto, embora o número de ativos em carteira aumente relativo ao grupo controle, esses ativos parecem ser todos bastante arriscados, em sua maioria. Vale relembrar que os benefícios da diversificação são maiores quando os ativos tendem a apresentar movimentos em sentidos opostos, e não quando são muito correlacionados (o que pode ser o caso aqui).

Portanto, embora muitas questões ainda permaneçam não respondidas, as evidências baseadas em uma amostra de 100 mil investidores alemães nos ajudam a entender como os investidores de criptoativos gerenciam suas carteiras. Investidores de criptoativos giram mais suas carteiras e negociam proporcionalmente mais com base em aspectos ligados à análise técnica, como tendências no preço. Curiosamente, os investidores de criptoativos da amostra têm mais ativos em carteira do que seus pares. Esses ativos “extras”, no entanto, possuem características bem peculiares – são penny stocks, ações com perfil semelhante a bilhetes de loteria, e ativos voláteis e com maior performance passada. No fim do dia, relembrando o ilustre professor Markowitz, investidores de criptoativos (ao menos na Alemanha) podem estar mais diversificados do que seus pares, porém mantendo portfólios com uma característica muita peculiar: alto retorno esperado e alto risco, além de elevada rotação dos ativos que compõem a carteira.

¹Resultados da pesquisa podem ser consultados no site da FGV EESP: https://eesp.fgv.br/sites/eesp.fgv.br/files/fgv_report_-_2021_-_draft_final.pdf.
²O artigo está disponível no seguinte link: https://academic.oup.com/rof/article/26/4/855/6478303.


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