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Joaquim Levy

Desafios dos créditos de carbono

Créditos de carbono podem ser uma alavanca poderosa para preservar a floresta, inclusive nas unidades de conservação e terras indígenas

Carbono

Os créditos de carbono derivados da preservação, manejo ou recuperação da floresta tropical ainda são pouco entendidos no Brasil | Foto: Getty Images

Uma pesquisa recente da Confederação Nacional da Indústria afirmava que mais de 90% da população brasileira considera a preservação da Amazônia fundamental para o Brasil e compatível com o progresso econômico.[i]  O desafio é como alcançá-la, quando a área desmatada em 2021 (13.235km2) foi praticamente o triplo daquela de 10 anos atrás (4.571km2 em 2012).

Para muitos especialistas, é preciso uma estratégia abrangente para enfrentar o desmatamento e trazer o Brasil para a trajetória assumida no Acordo de Paris e ratificada em 2021.  Cumprir esses compromissos é possível e indispensável para manter a agricultura brasileira e os mercados da nossa pecuária.  Mas, para isso, será provavelmente preciso ir além da aplicação das medidas coibitivas ao desmatamento previstas pela lei brasileira.

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No mundo em que vivemos, cortar o desmatamento exige expressar o valor econômico da floresta em pé. É preciso integrar a proteção do bioma com a necessidade de renda de quem está na Amazônia, especialmente a população mais vulnerável, como ribeirinhos, assentados e indígenas.  Créditos de carbono podem ser uma alavanca poderosa para preservar a floresta, inclusive nas unidades de conservação e terras indígenas.

O potencial do mercado voluntário de carbono vem sendo muito divulgado. São frequentes as consultas a bancos sobre como monetizar áreas preservadas em propriedades rurais ou como comprar créditos de carbono para compensar as emissões associadas a viagens ou processos industriais. 

No entanto, os créditos de carbono derivados da preservação, manejo ou recuperação da floresta tropical ainda são pouco entendidos no Brasil e enfrentam resistência em alguns círculos internacionais.  As razões são várias, inclusive o desgaste causado pelo uso dos mecanismos do Acordo de Quioto em certos projetos industriais. Mais recentemente, surgiu a preocupação de que empresas em economias avançadas compensem suas emissões com créditos de baixo custo, deixando de investir em reduzi-las. O sentimento de abusos em alguns lugares levou negociadores e instituições internacionais a precauções que respingam no que se tenta fazer hoje no Brasil.

A preocupação com a qualidade dos créditos de carbono e seu uso levou à ênfase em conceitos encapsulados em palavras como adicionalidade, vazamento, permanência e integridade. Diversas metodologias incorporando esses conceitos vêm sendo desenvolvidas em alguns países. Pelo papel central dessas palavras para o mercado de carbono, vale a pena esboçar minimamente seu sentido e implicações.

A adicionalidade é requerida para evitar que um projeto seja recompensado pela redução de carbono, quando ela é acessória ou o projeto seria viável sem os créditos. Entendível para projetos industriais em que a tecnologia de baixo carbono já é mais econômica que a convencional, ela é mais ambígua na preservação ambiental. 

Os créditos de carbono em um projeto de preservação da floresta são calculados a partir da diferença entre o desmatamento observado a cada período e uma trajetória de base que ocorreria se o projeto não existisse. Essa trajetória de base é construída olhando a história de desmatamento na área e fatores que podem afetá-la, o que pode levar a situações paradoxais. 

Pouco desmatamento no passado ou a proteção legal de uma mata permitiria a presunção de que um projeto não traz redução adicional ao risco de desmatamento e, portanto, não merece créditos. Pode-se contornar o paradoxo, incorporando outros fatores, como o asfaltamento de estradas próximas ou pressões econômicas que tornam a preservação mais difícil, justificando assim o projeto. Mas, nem sempre é um caminho simples.

O vazamento se daria quando o projeto desloca o desmatamento, sem diminuí-lo no agregado. A preocupação com a permanência vem da possibilidade de uma floresta presente hoje desaparecer amanhã. Tem-se lidado com ela retendo-se parte dos créditos para compensar eventuais desvios da trajetória de desmatamento do projeto. 

A integridade tem a ver com a capacidade de comprovar que a preservação prometida se deu, sem, por exemplo, causar prejuízo injustificável a quem vive próximo. 

Essas considerações são indispensáveis e as metodologias associadas têm mérito. Algumas, como a integridade da preservação da mata, são inegociáveis, até porque seu custo de verificação vem caindo com as novas tecnologias. Outras, criam complexidade por ambiguidades próprias, e podem inibir o mercado de carbono. A hipótese de vazamento, por exemplo, pode ser difícil de comprovar, já que um desmatamento fora do projeto pode ter inúmeras causas não associadas a ele.

A simplificação de alguns aspectos das metodologias para validação de créditos de carbono, junto com avanços no ordenamento territorial com ênfase na preservação do bioma e cuidados em relação à situação legal das terras onde os projetos venham a se desenvolver, pode ser chave para acelerar a oferta de créditos de qualidade e maior concurso das instituições financeiras. Parece, então, urgente que o Brasil desenvolva um arcabouço robusto de reconhecimento e verificação desses créditos e dos projetos que os lastreiam, inclusive na agricultura sustentável, para que o mercado voluntário de carbono mundial alcance logo a dimensão e diversidade necessárias para efetivamente contribuir para a redução de emissões globais e preservação da floresta.  

Qualquer adequação de metodologias tem que se guiar pela integridade e ser transparente, já que será necessário também persuadir compradores e a comunidade internacional da qualidade dos créditos pretendidos. O rigor e seletividade na geração de créditos são críticos porque a Amazônia é extensa e temos que canalizar os eventuais recursos obtidos para onde eles serão mais efetivos em evitar o desmatamento. Essa ambiciosa tarefa exigirá a participação da ciência brasileira, indígenas, proprietários de terras regularizadas e assentados, setor financeiro e empresas, e dos governos, além de diálogo e parceria com a comunidade internacional.  


[i] https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/economia/95-dos-brasileiros-acreditam-que-e-possivel-proteger-e-desenvolver-a-amazonia-ao-mesmo-tempo/

  • Publicado originalmente no jornal Valor Econômico

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Joaquim Levy é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Ex-Ministro da Fazenda, Levy é engenheiro naval pela UFRJ, mestre pela FGV e PhD em economia pela Universidade de Chicago. Tendo sido CFO e Diretor Gerente do Banco Mundial e Vice-Presidente de Finanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele foi Presidente do BNDES e Secretário do Tesouro Nacional do Brasil, além de ter trabalhado no mercado financeiro, tendo sido responsável por uma das principais gestoras de ativos do país.

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