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Colchão de liquidez garante conforto fiscal para 2024?

Tesouro Nacional tem sido conservador na manutenção do colchão de liquidez, fator que dá segurança aos investidores e reduz os juros da dívida pública, na avaliação do Banco Safra

colchão de liquidez

Do ponto de vista do funcionamento do mercado de renda fixa, a gradual redução da taxa de juros pode facilitar a colocação da dívida público. | Foto: Getty Images

Como parte da gestão da dívida pública federal, o Tesouro Nacional mantém uma “reserva de liquidez” (colchão da dívida) junto à sua conta única Conta Única no Banco Central. Esse colchão lhe permite “…antecipar-se aos períodos de maior concentração de vencimentos, reduzir seu risco de refinanciamento e honrar eventuais passivos contingentes”.

A política do Tesouro considera o nível mínimo para esse caixa de pelo menos três meses do serviço dessa dívida em mercado, considerado o nível prudencial para essa liquidez. Desde que o valor do “colchão” passou a ser divulgado em 2015, ele tendeu a se manter bem acima do seu nível prudencial.

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Até 2015, o nível do colchão não era divulgado sistematicamente, mas tentativamente inferido a partir do montante na Conta Única do Tesouro no Banco Central. Naquele ano, em um quadro de reorganização das finanças federais, esse valor passou a ser divulgado e cresceu fortemente na medida em que as condições do país sugeriam deterioração das condições de mercado e aumentava a incerteza política.

Assim, a Conta Única subiu de 8,0% do PIB em janeiro de 2015 para quase 15% do PIB em dezembro, enquanto o colchão subiu de 1,2% do PIB para 8,6% do PIB, correspondentes a aproximadamente 7,5 meses de rolagem da dívida. Deste então, o colchão ficou acima do mínimo prudencial de 3 meses na maior parte do tempo, com aumento, por exemplo, nas proximidades das eleições presidenciais de 2018 e 2022.

De 2016 para cá, o índice de liquidez nunca ficou abaixo de 6 meses, mesmo durante o período de necessidades de financiamento excepcionais devidos à Covid. A média no período foi de 9,3 meses, tendo ficado acima de 12 meses logo após a Covid, quando a Selic estava baixa, reduzindo-se mais recentemente para perto de 9 meses.

O recente aumento da reserva de liquidez é contemporâneo a um aumento da necessidade de financiamento do governo federal (Gráfico 4). Observa-se que após o grande salto na reserva logo após a Covid, as necessidades de financiamento vêm crescendo mais rapidamente do que o colchão, particularmente de 2022 para cá.

Em 2023 por exemplo, a necessidade de financiamento (vencimentos mais resultado primário) acumulada nos dez meses havia sido de R$ 1.466 bilhões, para uma emissão de R$ 1.113 bilhões, equivalente a uma emissão líquida negativa de R$ 353 bilhões, sendo essa a principal causa da redução do colchão no ano (em R$ 360 bilhões).

Apesar da redução significativa, o colchão fechou outubro em R$ 816 bilhões, equivalente a um confortável índice de liquidez de 8,7 meses. Nossas projeções do colchão para 2024 sugerem gestão confortável da dívida ano que vem. Partindo de um colchão estimado de R$ 907 bilhões ao final de 2023, as reservas ao final de 2024 devem ainda ficar acima do mínimo histórico de 6 meses, mesmo mantida a recente prática do Tesouro de emitir o equivalente a apenas 75% das necessidades de financiamento contemporâneas. Nesse caso, o colchão corresponderá a R$ 584 bilhões ao final de 2024, ou 6,6 meses de emissões atualmente previstas (esse número de meses pode ser um pouco menor dependendo do prazo da rolagem da dívida ao longo de 2024, que, se for muito curto, pode aumentar um pouco o montante de vencimentos em 2025).

O eventual uso da atual folga do colchão para pagamento antecipado de precatórios implicará na necessidade de emissões acima de 75% das necessidades de financiamento em 2024. Partindo de um colchão de R$ 812 bilhões ao final de 2023 (incluindo aí pagamento imediato de R$ 95 bilhões de precatórios), chegaríamos a um índice de liquidez abaixo de 6 meses ao final de 2024 se as emissões não ultrapassassem 75% da necessidade de financiamento do período.

Algo parecido ocorreria se os o pagamento dos precatórios afetados pelas EC’s 113 e 114/2021 se desse gradualmente ao longo do ano. Assinale-se que os precatórios de anos anteriores acumulam encargos equivalentes à Selic, o que torna neutro o custo do pagamento acelerado se financiado, por exemplo, por LFTs.

Além disso, a antecipação deve trazer um ganho reputacional ao Tesouro. Essas justificativas abstrairiam o impacto macroeconômico da injeção de recursos na economia, estimada em perto de 0,24 p.p. do PIB pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda (SPE/MF), com possível impacto altista na inflação
Do ponto de vista do funcionamento do mercado de renda fixa, a gradual redução da taxa de juros pode facilitar a colocação da dívida público.

Colchão de liquidez e conforto fiscal para 2024

No cenário central, as emissões líquidas para alcançar um colchão de quase R$ 600 bilhões no final de 2024 seriam de 8,9% do PIB, valor abaixo da média histórica (13% do PIB). Mesmo em um cenário bem mais conservador, de manutenção do colchão no elevado nível de R$ 907 bi (equivalente a um índice de liquidez superior a 10 meses ao final de 2024), a emissão atingiria 11,7% do PIB, também abaixo da média histórica.

De todo modo, o pagamento dos precatórios tem que ser inserido na estratégia de ajuste do colchão às condições menos voláteis dos mercados financeiros (inclusive viés positivo nas avaliações de risco da dívida por agências especializadas) refletida na rolagem abaixo das necessidades de financiamento do governo federal, e considerando as dificuldades de se melhorar o resultado primário do governo central nos próximos 18 a 24 meses, que aumentam o valor do colchão como fator moderador do prêmio pecuniário cobrado pelos poupadores para carregar a dívida pública, refletido na curva de juros de médio prazo.

Em suma, o Tesouro Nacional tem sido conservador na manutenção do colchão de liquidez, um fator que traz segurança aos investidores e tende diminuir a taxa de juros exigida por essas para carregar a dívida pública. A recente prática de emitir o equivalente a apenas 75% das necessidades de financiamento do Tesouro tende a erodir o colchão, sem trazê-lo nos próximos 12 meses para nível próximo ao mínimo prudencial preconizado pelo Tesouro (3 meses de emissões).

O eventual uso dos recursos do colchão para o pagamento antecipado dos precatórios afetados pelas emendas constitucionais 113 e 114 de 2021, ainda que possivelmente justificável do ponto de vista estritamente financeiro, aumentará a erosão do colchão e exigirá emissões em nível acima de 75% das necessidades de financiamento do governo, para evitar que esse nível caia abaixo do mínimo histórico de 6 meses de emissão.

Íntegra da análise do Safra sobre o colchão de liquidez para 2024.

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