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Venda de veículos está 30% abaixo do pré-pandemia

Luiz Carlos Moraes, presidente da associação dos fabricantes de veículos, comenta os efeitos da pandemia, da falta de peças e risco de falta de energia

Fabrica da Volks

Fábrica da Volks no ABC: vendas diárias do setor são de 8,5 mil veículos, abaixo dos 11 a 12 mil de antes da pandemia | Foto: Estadão Conteúdo

A indústria automobilística encerra o primeiro semestre com vendas internas de 8,5 mil veículos por dia, ainda abaixo das 12 mil unidades vendidas por dia antes da pandemia, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

As exportações cresceram, mas a falta de componentes que já parou várias fábricas não tem perspectivas de acabar. A crise hídrica e o risco de falta de energia nos próximos meses preocupam o setor, que se queixa também da falta de política industrial no País.

Fabricantes de veículos pedem política industrial clara

“O Brasil ainda não tem uma política industrial clara”, afirma afirma Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Na entrevista a seguir, ele explica como o setor vem enfrentando a pandemia e a dificuldade em competir com rivais que avançam em tecnologia e redução de custos de produção. “A melhoria no ambiente de negócios é decisiva para a atração de investimentos para o setor automotivo no Brasil, afirma Moraes

“Mesmo que tudo ocorra bem, ainda teremos um ano com números inferiores aos de antes da pandemia”, afirma Moraes

O Especialista – O que se pode esperar do resultado do primeiro semestre de 2021, cujo balanço está para sair?

Luiz Carlos Moraes – Desde o início deste ano a produção vem beirando as 200 mil unidades mensais, um patamar razoável levando-se em conta os problemas de falta de insumos, mas um pouco abaixo do que sugere a demanda, dada a fila de espera por alguns modelos de maior procura. As vendas internas estão numa média diária de 8.500 mil unidades, ainda abaixo das 11 mil a 12 mil que tínhamos antes da pandemia. Já as exportações estão se recuperando, lentamente se aproximando aos volumes de 2019, que já não eram dos melhores. Em resumo, temos uma situação melhor do que no ano passado, quando a pandemia gerou uma das maiores crises do setor, mas ainda não temos motivos para comemorar. O segmento de caminhões e comerciais leves está apresentando melhores resultados, em função das demandas do agronegócio e crescimento do mercado de delivery urbano, enquanto automóveis e ônibus ainda sofrem bastante.

Qual a expectativa para o segundo semestre?

Se por um lado há uma expectativa de aquecimento na demanda, como tradicionalmente ocorre no nosso setor na segunda metade do ano, e também motivado pelo crescente ritmo de vacinação, por outro há fatores que muitos nos preocupam. O principal é a crise global dos semicondutores, que vem provocando interrupções de produção em várias fábricas. Não há expectativa de alívio dessa situação para este ano. A possibilidade de uma crise no fornecimento de energia elétrica também preocupa o setor. Mesmo que tudo ocorra bem, ainda teremos um ano com números inferiores aos de antes da pandemia.

Além da falta de componentes que abala a indústria mundial, quais os principais desafios do setor?

Globalmente, o setor automotivo demanda altíssima capacidade de investimento, para poder cumprir a agenda de eletrificação, automação, conectividade e serviços digitais. O Brasil se recuperava lentamente da crise de 2015/2016 quando chegou a pandemia. Em outros países desenvolvidos, o Estado entendeu a importância de ser um indutor dos processos de modernização do parque industrial, até na questão de ter fornecedores locais de semicondutores. O Brasil ainda não tem uma política industrial clara, e não ataca a questão do Custo Brasil na velocidade necessária, o que reduz nossa competitividade frente a outros mercados. A rápida implementação das reformas estruturantes que sinalizem de forma clara a melhoria no ambiente de negócios é decisiva para a atração de investimentos para o setor automotivo no Brasil.

Qual a participação dos financiamentos nas vendas? Existe oferta suficiente de crédito?

Nos últimos 3 anos o financiamento responde por cerca de 50% das compras, um nível muito baixo quando comparado com países da Europa e Estados Unidos, onde esse valor chega a 90%. Em relação à segunda pergunta, o problema não é falta de oferta crédito e sim o seu custo, que está pesando ainda mais no bolso do consumidor que vem perdendo renda com a pandemia. Outro fator que ajuda a explicar nosso baixo nível de financiamento são as poucas opções de instrumentos de crédito. Um exemplo é o leasing, que é largamente utilizado em países desenvolvidos há décadas, mas que no Brasil é uma modalidade cara, complexa, e que apresenta inseguranças jurídicas como o demorado processo de retomada do bem, a cobrança do IOF que não incentiva o financiamento de longo prazo e a confusão tributária criada pelo fato de que cada um dos nossos mais de 5.000 municípios podem estipular diferentes alíquotas de ISS.

A taxa básica vem subindo e deve subir mais até o fim do ano? Qual deve ser o impacto no setor?

A questão dos juros é um tema que estamos falando há muito tempo. Reconhecemos o trabalho do governo em abaixar a taxa de juros, mas o consumidor não se beneficia na ponta já que o crédito oferecido pelos bancos continua com taxas muito elevadas. Entendemos que o sistema bancário deve levar em consideração os riscos do momento que vivemos, mas a distância entre a taxa SELIC e o CDC é muito grande e isso impacta diretamente a retomada das vendas não apenas da nossa indústria, mas de todos os setores produtivos.

Como vê a atual política econômica?

Vemos a equipe econômica fazendo esforços para manter o teto de gastos e ao mesmo tempo auxiliar os cidadãos e empresas mais prejudicados durante a pandemia. Por outro lado, vemos uma demora na definição das reformas estruturais e das privatizações que podem reduzir o custo do Estado e melhorar o ambiente geral de negócios. Como disse anteriormente, nosso país necessita de uma política industrial clara e consistente, que crie um ambiente de previsibilidade de forma a incentivar os grandes investimentos que necessitamos, não apenas para nos recuperarmos da crise gerada pela pandemia, mas também para não perdermos essa nova onda de revolução tecnológica que já está acontecendo nas principais economias do mundo.

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