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Criptoativos ajudam na evolução do mercado de créditos de carbono

Tokens ligados à redução de emissões de gases do efeito estufa tornam o mercado mais acessível, mas comprovação do lastro ainda é um desafio

Aérea da Floresta Amazônica, no Brasil, alusivo aos créditos de carbono

Desde outubro de 2021 quase 20 milhões de carbon offsets, unidade usada para mensurar a compensação de emissões de gases poluentes, foram transformadas em ativos digitais | Foto: Getty Images

Depois de explodirem com o início da pandemia de covid-19, principalmente no mundo dos games e das artes, os tokens não fungíveis (NFTs) têm ganhado espaço no mercado de créditos de carbono.

De acordo com o Dune, portal especializado em dados sobre criptoativos, desde outubro de 2021 quase 20 milhões de carbon offsets – unidade usada para mensurar a compensação de emissões de gases do efeito estufa e gerar os créditos – foram transformadas em ativos digitais.

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Esse movimento chamado de ‘tokenização’, apoiado sobre blockchain (entenda a tecnologia), envolvendo os créditos de carbono pode ajudar na evolução e acessibilidade ao mercado, além de contribuir para o alcance de metas sustentáveis por governos e empresas.

“É uma solução sofisticada que traz mais transparência, liquidez e facilidade de uso a um instrumento complicado de se utilizar pelo investidor sem experiência prévia com créditos de carbono”, diz João Galhardo, sócio da empresa de educação financeira Quantzed.

Porém, como com qualquer nova ferramenta, há pontos de atenção que devem ser acompanhados pelos investidores. E isso se torna ainda mais relevante por se tratar de mercados que ainda caminham para uma regulamentação mundial.

Conforme a S&P Global Platts, o preço da tonelada de carbono evitada ou removida via soluções como o reflorestamento subiu de US$ 4,65 para US$ 14, entre junho do ano passado e este mês.

Logo, a valorização relevante desses ativos liga um sinal de alerta quanto a riscos de especulação e até a efeitos nulos sobre a descarbonização – principal propósito dos créditos de carbono.

“A ideia de tokenizar algo não é ruim. Você tem as facilidades do mundo de cripto para ativos não cripto. Se eventualmente estiver havendo um uso descuidado, um uso especulativo, isso é um problema para o investidor estar atento”, afirma João Marco Cunha, gestor de portfólio da Hashdex.

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Créditos de carbono 'podres'

A tokenização das moedas sustentáveis, que tiveram diretrizes firmadas para um mercado global na última conferência sobre mundanãs climáticas da Organização das Nações Unidas (COP26), tem como expoente a criptomoeda Klima.

De acordo com a plataforma KlimaDAO, ambiente que abriga a negociação dos ativos, o objetivo da Klima é contribuir para o aumento da compra e venda e dos preços dos créditos de carbono, fomentando assim um mercado sustentável.

A emissão de novas Klima é condicionada à entrada de tokens de compensação de carbono ao tesouro do protocolo, batizado de Toucan. Somente são aceitos os tokens de emissões verificadas e rastreáveis, como os Base Carbon Tonnes (BCT) e os MCO2, tokens da empresa brasileira Moss.

Reportagem do Financial Times trouxe à tona preocupações por parte de investidores institucionais quanto a uma possível venda de tokens ligados a créditos de carbono antigos e sem efeito positivo para a descarbonização. Esse processo foi chamado pelo especialista em política Gilles Dufrasne, da organização Carbon Market Watch, de 'lavagem de créditos podres'.

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"É algo parecido com a crise do subprime, em que havia um empacotamento de um produto de crédito com venda aos investidores e as pessoas não tinham noção do que havia dentro. É possível que uma coisa semelhante esteja acontecendo com os créditos de carbono", analisa Cunha.

Em outubro passado, quando o movimento de tokenização dos carbon offsets ganhou força, uma Klima chegou a valer quase US$ 3,6 mil (R$ 17,5 mil). Atualmente, o preço está abaixo de US$ 20 (R$ 97,50).

Na visão de João Galhardo, essa diferença reflete uma correção de valor causada pela deterioração dos próprios créditos de carbono devido ao tempo. Adicionalmente, ele vê a lavagem desses créditos sendo impossibilitada pela própria natureza de lastro dos tokens.

"Existem dois mercados de carbono, o Voluntary Carbon Market (voluntário) e os Mandatory Carbon Markets (regulados a nível nacional e internacional). A estrutura de contratos inteligentes da KlimaDAO apenas aceita créditos do mercado voluntário, os quais não têm vencimento, portanto, impossibilitando essa lavagem mencionada".

"Os créditos tendem a perder valor conforme o tempo passa, o que pode ocasionar em oportunidades de arbitragem, algo presente em qualquer mercado, e isso contribui para o ajuste dos preços, o que é desejado. Antes da Klima, brokers (agentes de mercado) podiam vender esses créditos a preços muito mais altos para clientes leigos", detalha Galhardo.

Risco de desincentivo à sustentabilidade

Para especialistas em sustentabilidade, a questão do lastro de carbon offsets em créditos do mercado voluntário, por sua vez, representa um desafio sobre a comprovação de origem das emissões reduzidas ou mitigadas, já que não há o apoio de um órgão regulador.

"O grande desafio do mercado é você poder comprovar quando, onde e por quem esse carbono está sendo compensado. Nos mercados oficiais a gente sabe a origem dos créditos porque tem uma gestão de confiabilidade da ONU", diz Marcus Nakagawa, professor e coordenador do Centro ESPM de Desenvolvimento Socioambiental.

Embora considere um novo instrumento financeiro positivo para fomentar a sustentabilidade, Nakagawa alerta sobre o possível efeito reverso que o acesso facilitado aos tokens pode gerar: o aumento de emissões por parte das companhias.

"Temos que tomar cuidado para não estimular as empresas que compram o não carbono a emitirem mais carbono. A empresa precisa continuar investindo em inovação, tecnologia e em energia menos agressiva ao meio ambiente".

Benefícios dos tokens e outros criptoativos sustentáveis

Mesmo com desafios, os tokens e outros criptoativos ligados a créditos de carbono são vistos como ferramentas de grande potencial sustentável e econômico.

"A pauta de sustentabilidade está ganhando muita força no mercado financeiro. A tokenização está mais ligadas às facilidade que o mundo cripto oferece para negociação, portabilidade e visibilidade. Você reduz as barreiras desse mercado", afirma João Marco Cunha, da Hashdex.

Um exemplo positivo sobre a tokenização ligada à sustentabilidade é a da Moss, empresa que realiza a negociação, não só de tokens de créditos de carbono MCO2, como também de NFTs que equivalem aos direitos econômicos de 1 hectare da Floresta Amazônica e que deve ser preservado.

Os recursos angariados com as negociações dos criptoativos verdes vão para projetos ambientais selecionados previamente pela companhia.

Com a origem do carbono compensado e a destinação dos recursos comprovadas, os ativos digitais devem ajudar o mundo a alcançar a meta de limitar o aumento da temperatura média global a 1,5°C (grau Celsius) - além de caminhar com as pautas sociais e governança da agenda ESG.

"Quando você coloca o lastro da moeda, a gente acaba estimulando o mercado a investir em descarbonização e começar a entender a importância deste processo", diz Marcus Nakagawa. "E se uma uma grande empresa apoia esse movimento, vai acabar cascateando pro resto do mercado. Existe aí uma oportunidade para negócios de impacto social, de criação de tokens positivos. Assim como estamos falando de token de carbono zero, um token de menos fome, menos pobreza, mais diversidade, mais mulheres no poder".

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