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Qual é o gasto de energia na mineração de criptomoedas

Fontes que alimentam máquinas de mineração de Bitcoin e Ethereum podem ser sustentáveis ou ter seu excedente aproveitado, evitando o desperdício

Conceito de duas criptomoedas de Bitcoin e Ethereum sobre chips de computador, alusivo à energia empregada na mineração

Relatório da Universidade Cambridge aponta que 70% dos mineradores que trabalham com o sistema proof-of-work em criptomoedas buscam energia elétrica de fontes renováveis | Foto: Getty Images

Com cada vez mais capilaridade, o universo das criptomoedas tem incorporado pautas para debate que já estão inseridas em segmentos tradicionais do mercado financeiro e dos negócios, sendo uma delas a sustentabilidade ligada ao uso de energia.

O assunto tem ganhado relevância com o processo de migração do mecanismo de consenso da rede Ethereum de proof-of-work (PoW) para proof-of-stake (PoS) (entenda o que são ambos).

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Um dos principais argumentos para a troca está no aumento da descentralização do blockchain (banco de dados) que sustenta a rede e garante a existência da criptomoeda ligada a ela. Essa descentralização, que exige a aprovação da maioria dos participantes da rede para confirmar uma transação, é a essência da segurança do mundo cripto.

Porém, em paralelo, especialistas discutem e buscam dimensionar o impacto positivo que o proof-of-stake terá sobre o gasto de energia usado no processo de mineração e validação das transações com criptomoedas.

“Vejo de forma muito positiva a mudança do Ethereum por vários motivos e um dos principais é a redução do consumo energético. Você tem uma melhoria de 99% na eficiência energética”, diz Felipe Medeiros, sócio da Quantzed Criptos, empresa de tecnologia financeira para investidores.

Relatório mais recente da Universidade Cambridge, do Reino Unido, aponta que 70% dos mineradores que trabalham com o sistema PoW buscam energia elétrica de fontes renováveis, sendo a maioria hidrelétrica. Porém, a fatia da energia verde no consumo dos mineradores é de apenas 39%.

Conforme o jornal New York Times, um estudo publicado na revista científica Joule mostrou que a mineração mundial de Bitcoin é responsável por 65 megatoneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano.

Dados da Fundação Ethereum mostram que o uso relativo de energia por transação envolvendo o Bitcoin, cripto mais usada no mundo e que funciona via proof-of-work, é de 1,135 milhão de Wh (watts/hora). Por outro lado, a estimativa do gasto energético por transação do Ethereum quando a migração para o proof-of-stake estiver completa é de 35 Wh.

Como comparação, se convertidos em altura, os gastos energéticos de ambos se comparam ao tamanho do Burj Khalifa, prédio mais alto do mundo, no caso do Bitcoin, e ao de um prego, no caso do Ethereum.

Embora não haja dúvidas sobre o benefício ambiental envolvendo o PoS, especialistas explicam que criptomoedas que usam o PoW – e que não devem mudar de mecanismo – não devem ser taxadas como não sustentáveis.

“Não vejo necessariamente um problema sobre sustentabilidade. Tem alguns estudos e casos que mostram que o Bitcoin é positivo para a redução de emissões de carbono no longo prazo. É que no caso do proof-of-stake não vai ser mais necessário um uso tão grande de energia”, afirma Samir Kerbage, diretor de tecnologia (CTO) da gestora de criptoativos Hashdex.

Comparativo de consumo de energia entre criptomoedas Bitcoin, Ethereum proof-of-work e proof-of-stake, com watts por hora (Wh) convertidos em altura | Fonte: Ethereum Foundation Blog
Comparativo de consumo de energia entre Bitcoin, Ethereum proof-of-work e proof-of-stake, com watts por hora (Wh) convertidos em altura | Fonte: Ethereum Foundation Blog

Os porquês da diferença do uso de energia entre as criptomoedas

O uso mais intenso de eletricidade no PoW acontece porque o modelo naturalmente exige que os mineradores sejam também os validadores e participantes do mecanismo de consenso.

Porém, a recompensa em cripto pela mineração e validação também ocorre como uma loteria, onde o número de bilhetes de cada participante é proporcional à capacidade de processamento de suas máquinas. Sendo assim, o investimento em computadores potentes e o alto custo com energia acabam por tornar a atividade mais restrita.

No caso do PoS, a escolha de quem se torna um validador dentro do mecanismo de consenso é aleatória. No caso do Ethereum, o mecanismo tornará elegível quem tiver 32 ETH (abreviação da moeda da rede). Além disso, toda vez que um novo bloco de ETH é confirmado, todos os validadores ganham um percentual do prêmio em criptomoeda.

Esses dois fatores acabam por extinguir a competição desigual entre mineradores com máquinas potentes e outros com máquinas comuns na busca por recompensas. Adicionalmente, torna a rede ainda mais descentralizada, aumentando a segurança, uma vez que algum criminoso teria que invadir milhões de computadores pelo mundo para derruba-la.

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“Vejo essa mudança como muito positiva para aumentar a escalabilidade do Ethereum. Ela não resolve todos os problemas da rede, mas ela está sendo essencial para inserir mais o blockchain na vida das pessoas”, afirma Samir Kerbage, da Hashdex.

Felipe Medeiros, da Quantzed Criptos, reforça que o olhar do mercado financeiro mundial passa a ser ainda mais amigável às criptomoedas com a busca pela sustentabilidade.

"Tem o olhar do mercado de validação para uma tecnologia mais sustentável. Isso vai permitir também que muitas empresas, que por questões de compliance não poderiam se aproximar da rede, tenham mais liberdade com uma tecnologia de baixo consumo de energia", analisa Medeiros.

O uso da energia em criptomoedas é realmente um problema?

No segundo semestre de 2021, a China, que até então era o centro nervoso de mineração no planeta, baniu todas as transações e atividades relacionadas às criptomoedas.

Segunda maior economia do mundo, o país asiático é conhecido por ser um local com baixo custo para consumir energia. Isso deve em grande parte à utilização frequente de fontes poluentes, como o carvão mineral.

A perseguição chinesa aos cripoativos criou um 'êxodo' de mineradores, que se realocaram em países como Estados Unidos, Cazaquistão, Rússia e Canadá na caça por energia barata.

Consequentemente, o movimento a países com leis mais rígidas sobre energia sustentável contribuiu para quebrar um estigma que se formou sobre o quão poluente seria a atividade de mineração.

Percentual de participação dos principais países mineradores de Bitcoin entre setembro de 2019 e agosto de 2021 | Fonte: Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index
Percentual de participação dos principais países mineradores de Bitcoin entre setembro de 2019 e agosto de 2021 | Fonte: Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index

"Na China existe o período de monções em que você tem muita chuva, o que favorecia a energia hidrelétrica. E o Bitcoin, por exemplo, era muito alimentado por essa energia. Quando o período de monções acabava, a mineração acontecia com carvão mineral", detalha Kerbage, CTO da Hashdex.

"O início da discussão sobre a sustentabilidade do Bitcoin foi justamente em um período em que a maior parte do consumo de energia para a mineração vinha de carvão mineral. Então se pegou uma foto do momento e criou-se o estigma que o Bitcoin era ruim para o meio ambiente".

Com grandes mineradores rumando a nações como os EUA, novos projetos de aproveitamento de energia excedente foram sendo criados.

EUA lideram a mineração mundial de criptomoedas, seguido por Cazaquistão, Rússia e Canadá | Fonte:  Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index
EUA lideram a mineração mundial de criptomoedas, seguido por Cazaquistão, Rússia e Canadá | Fonte: Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index

Kerbage conta que há atualmente estações de mineração de criptomoedas conectadas a geradores que usam a energia do gás metano vinda do processo de extração de petróleo.

Altamente poluente, porém com alto potencial energético, o metano é tratado para virar CO2 que, embora também seja um gás que também contribui para o efeito estufa, é muito menos agressivo que a sua forma primária.

Adicionalmente, as criptomoedas podem ajudar a melhorar a estrutura de capital de projetos de energia renovável. Exemplo disso é a ligação de plantas de mineração de Bitcoin a estações de energia solar, que demandam um Capex (investimento inicial) muito alto e levam um tempo maior para dar retorno financeiro.

"O pico de geração de energia elétrica dessas plantas ocorrem de dia e isso não coincide com o nosso pico de uso, que é a noite. Logo, as plantas de mineração de Bitcoin ficam próximas das plantas solares e o excedente vai para a mineração", explica. "Você passa a ter um custo de capital menor no projeto como um todo".

Mudança do Bitcoin para proof-of-stake

Especialistas lembram que a expectativa da migração do Ethereum de proof-of-work para proof-of-stake não pode ser confundida como uma tendência universal para os criptoativos.

Prova disso é a confirmação de que não há planos de mudança para o Bitcoin, criptomoeda mais popular do planeta.

Os analistas lembram que o modelo PoW existe há mais de 12 anos e, até então, não demonstrou fragilidades quanto à segurança da informação - o que gera enorme valor aos ativos digitais que seguem no mecanismo.

"Uma das propostas do Bitcoin é criar algo perene e aquela proposta de reserva de valor não é válida se a rede está sempre passando por mudanças", justifica Felipe Medeiros.

“O Bitcoin foi desenhado para ser uma rede de pagamentos que permite que pessoas mandem pagamentos ao redor do mundo segura. O mecanismo de consenso de proof-of-work para as aplicações no Bitcoin, até hoje, é comprovadamente a melhor solução”, diz Samir Kerbage.

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