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Agronegócio terá de comprovar produção com desmatamento zero

Novo índice mede conformidade da produção agrícola em vista da exigência de desmatamento zero na União Europeia; cacau e pecuária ficam na lanterna

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Estudo foi coordenado pelo Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS) | Foto: Getty Images

As exportações de commodities brasileiras enfrentam um novo desafio com a aprovação da lei que exige comprovação de desmatamento zero para os produtos importados pela União Europeia (UE). A constatação é de um estudo estudo coordenado pelo Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS). Legislação semelhante deve ser implementada nos próximos meses no Reino Unido.

Para entender o nível de probabilidade de conformidade de seis produções agrícolas brasileiras, os pesquisadores criaram um índice inédito, que aponta a pecuária e o cacau como as cadeias mais distantes do cenário exigido. O índice inédito avalia a propensão de conformidade da produção agrícola nacional em vista da legislação europeia que determina importações com desmatamento zero.

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As novas regras da UE estabelecem que toda empresa que ofereça commodities no mercado europeu deve provar que os produtos não são originários de terras desmatadas após 2020. Os operadores têm até o final de 2024 para implementarem as mudanças, exceto micro e pequenas empresas, que terão até metade de 2025 para se adequarem.

Exportadores terão de comprovar produção livre do desmatamento

O Brasil, maior exportador mundial de carne bovina, deverá comprovar a produção livre de desmatamento para manter a receita de mais de 800 milhões de dólares relacionada à exportação de carne bovina para a UE.

Para criar o Índice de Probabilidade de Conformidade com a nova legislação europeia, que vai de 0 (baixa probabilidade de conformidade) a 1 (alta probabilidade de conformidade), a pesquisa examina indicadores considerados como incentivos (participação da produção exportada e percentual das exportações para UE) e métricas tidas como obstáculos (baixa cobertura de padrões voluntários de sustentabilidade, presença de pequenos produtores, desmatamento absoluto e relativo) para as cadeias de suprimentos de seis produtos (gado, madeira, cacau, soja, café e óleo de palma) se adequarem aos novos requisitos.

O instrumento inédito foi criado a partir de dados nacionais, compilando indicadores para todo o território brasileiro, o que permite futuras comparações. Rafael Loyola, diretor executivo do IIS, aponta que “uma futura avaliação comparativa em nível subnacional poderia exibir heterogeneidades importantes para a aplicação de mecanismos de cooperação entre UE e Brasil, facilitando a conformidade às exigências do comércio internacional”.

Resultados do Índice de Probabilidade de Conformidade

O setor cafeeiro é o que apresenta maior conformidade, bem próximo da probabilidade máxima de conformidade, com índice de 0,89. É seguido por soja (0,64), madeira (0,46) e óleo de palma (0,44). Nos últimos lugares, o cacau (0,32) e a pecuária (0,3) são os setores em que uma transição para cadeias livres de desmatamento apresenta maiores desafios.

“O Índice de Probabilidade de Conformidade mostra peculiaridades na cadeia de suprimentos de cada commodity agrícola, apontando obstáculos específicos na comprovação de uma cadeia de valor livre de desmatamento”, explica Loyola.

Café está entre as culturas mais preparadas para a conformidade

A grande parcela de exportações em relação à produção total é um dos indicadores avaliados pelo estudo que coloca a cadeia mais próxima da conformidade. É o caso do café, na primeira posição do Índice. A exportação de quase 40 milhões de sacas gera uma receita de mais de US$ 8 bilhões anualmente. Metade das exportações vai para a UE, outra característica considerada incentivo para o setor se adequar às novas exigências europeias.

Além disso, o setor cafeeiro foi um dos primeiros a adotar padrões voluntários de sustentabilidade. Cerca de um terço da área total é coberta por certificação. Outro indicador favorável é a área desmatada associada à produção de café, apenas 0,1% da área total desmatada associada à produção agropecuária. Ainda assim, a alta presença de pequenos produtores, elo mais frágil da cadeia, pode dificultar a criação de mecanismos aprimorados de rastreabilidade e prestação de informações para a conformidade com a regulamentação.

Soja está entre os destaques

Outro destaque do Índice é a soja, segunda com maior propensão à conformidade com a regulação europeia. Principal commodity agrícola das exportações, representando aproximadamente 13% do total de produtos exportados pelo Brasil, o setor destina a maior parte da produção ao exterior (68%), sendo que a UE absorve 15% dessas exportações.

A baixa participação de agricultores familiares (7% da área cultivada) pode tornar a aplicação de instrumentos para comprovação de conformidade mais simples. Adicionalmente, o grão responde por aproximadamente 13% da área total desmatada vinculada à produção agropecuária, no período de 2005 a 2018.

Pecuária fica na lanterna da conformidade

Preocupa especialmente a pecuária, setor com grande importância para o agronegócio brasileiro e que ocupa o último lugar do Índice, indicando desafios maiores para ajustar seu sistema de produção rumo a uma cadeia produtiva sem desmatamento. Como um dos maiores produtores de carne bovina do mundo, o Brasil produz aproximadamente 10 milhões de toneladas anuais, dos quais cerca de um quarto é direcionado à exportação, sendo 8% deste para a UE.

Alguns desafios para comprovar a adequação do setor ao desmatamento zero estão relacionados à elevada presença de pequenos produtores na cadeia de produção (22%) e à falta de padrões voluntários de sustentabilidade para lidar com o desmatamento. A pecuária também é responsável por 61% da área desmatada pela expansão agrícola no Brasil entre 2005 e 2018. Essa alta taxa reflete a magnitude do setor no país, já que o desmatamento relativo ao total de área produzida na pecuária é de aproximadamente 0,7%.

Desafios e recomendações dos especialistas

O estudo aponta preocupações como custos de transação para implementar sistemas de rastreabilidade, coleta e processamento de informações sobre a legalidade dos produtores. Além disso, outro ponto que requer atenção é que a regulação da UE é mais restritiva que a atual legislação brasileira, conhecida como Código Florestal, que define áreas mínimas de conservação e restauração nas propriedades rurais.

“Embora bem-intencionadas, as regulações de desmatamento zero atuam como medidas comerciais não-tarifárias, dificultando o acesso de produtos agropecuários brasileiros. Apesar de exigirem de operadores europeus o processo de due diligence, o ônus da comprovação de produção livre de desmatamento recai sobre todos os elos da cadeia de valor”, ressalta Susan Oliveira, principal autora do estudo e pesquisadora do IIS.

O estudo também aponta preocupação com efeitos negativos não intencionais, como a exclusão de pequenos agricultores. Devido à complexidade, os elos mais vulneráveis, como agricultores familiares, requerem apoio para transpor os custos transacionais atrelados à rastreabilidade e à comprovação de conformidade. Diante desse cenário, o estudo sugere que UE e Reino Unido apoiem os países produtores por meios financeiros e assistência técnica a pequenos produtores.

“Países produtores e consumidores devem negociar, em âmbito multilateral, instrumentos amplos de governança, visando coibir a conversão de vegetação nativa ligada à expansão agropecuária. Legislações domésticas, como a implementada pela UE, oferecem uma solução fragmentada, podendo gerar desvio de exportações para mercados menos restritivos”, complementa Susan.

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