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Autismo: sobram mitos e faltam números no Brasil

Tratamento da síndrome é prejudicado por desinformação e falta de mão de obra especializada no país, diz especialista

criança brincando autismo

Quanto mais cedo o diagnóstico, mais fácil será a adaptação do indivíduo, explica psiquiatra | Foto: Guetty Images

Raymond Rosenberg trabalha há quase meio século com autistas de idades diferentes e suas famílias. Formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e especializado em Psiquiatria Infantil e de Adultos pela Menninger Foundation e pela Florida University, onde dirigiu a Unidade de Tratamento dos Autistas, é um dos médicos mais respeitados no tratamento da síndrome no mundo.

Ele conversou com O Especialista sobre preconceitos, mitos e dificuldades estruturais que prejudicam o tratamento de pessoas com autismo no Brasil. E também sobre o Abril Azul, campanha de conscientização sobre o tema.

O Especialista – O autismo é um distúrbio cercado por mitos e, frequentemente, objeto de notícias falsas. Existem causas conhecidas do seu surgimento?

Raymond Rosenberg – O indivíduo autista nasce com a condição que só vem a se manifestar a partir dos 18 meses de idade, por isso ela é considerada inata. Existe uma grande falta de respeito pela incapacidade que o autista apresenta. As reações comuns são a negação do problema e a busca por culpados, o que atrasa a compreensão do que está acontecendo com este indivíduo não normotípico (que escapa aos padrões considerados normais de fala, comportamento e relacionamento).

Como identificar o autismo? Quando o tratamento deve ser iniciado?

A parada no desenvolvimento na fala é o primeiro sintoma característico que costuma ser notado, junto com a resistência a mudanças (alimentares, hábitos, sono e novos ambientes). A idade ideal de intervenção é antes dos 5 anos de idade. Quanto mais cedo se fizer o diagnóstico, mais fácil será a adaptação do indivíduo.

Os primeiros sintomas na criança aparecem muito cedo. Costumam ser o não reconhecimento de dor física e desconforto com a proximidade física. Tais sinais nos levam a entender que ela tem uma dificuldade com o reconhecimento de seu próprio corpo e da harmonização de seus sentidos. Os primeiros cuidados nesses casos seguem no sentido de levar o indivíduo a se acomodar com o seu corpo, diminuindo comportamentos característicos de auto estimulação (balançar corpo, braços, objetos na frente de seus olhos) para que ele se foque mais nos estímulos ambientais distais (distantes do próprio corpo), que são os outros indivíduos que o rodeiam. 

Raymond Rosenberg
Raymond Rosenberg acompanha autistas no Brasil há quase 50 anos

Os mitos em torno da condição, como a notícia falsa de que vacinas poderia ser a causa, atrapalham diagnósticos e tratamentos?

As informações quanto às possíveis causas do autismo têm sido alvo de noticiário dramático nas mídias não especializadas. Chegou-se a falar em cura do autismo para um futuro próximo. Existe tratamento, mas nenhuma forma de cura. A ciência segue um curso lento em busca de soluções a problemas de saúde. Quando se levanta uma “possível causa”, logo aparecem detratores e apoiadores, deixando os pais e familiares dos autistas esperançosos e desesperados, em nada aliviando a sua carga. As vacinas, especificamente a da caxumba, foram amplamente divulgadas e peremptoriamente refutadas como causa de autismo pela ciência.

Outra causa levantada é a das “mães refrigeradoras”, um rótulo que vem da escola psicanalítica que aponta como “causa” do autismo a relação com mães que não conseguem responder aos sinais afetivos de seus bebês. Periodicamente essa responsabilização volta à cena, apesar de estudos científicos já provarem que essas mães são normalmente vítimas de depressão e não causadoras de autismo.

A teoria genética é alvo de estudos apurados, lentos e laboriosos com resultados ainda inconclusivos. Há que se combater a culpabilização de toda sorte, pois em nada ajuda o manejo do indivíduo autista. Destaco sobretudo a imputação recorrente de “a criança não quer colaborar”. Livros escritos por pessoas autistas (tanto falantes quanto mudos) nos contam que eles tentam sim colaborar com todo o equipamento que possuem.  

Os estudos mais recentes sobre autismo no mundo mostram que 1% da população tem o diagnóstico. Segundo a OMS, o Brasil apresenta ainda estudos incipientes, mas a organização estima 2 milhões de brasileiros diagnosticados com autismo.

Os estudos estatísticos em relação ao autismo iniciaram-se nos anos 60 na Ilha de Wright na Inglaterra e deram conta de 4 indivíduos autistas por 10.000 habitantes. Desde então proliferaram estudos estatísticos de grandes populações tais como o Estado de Utah, a cidade de Goteborg na Suécia com 1 indivíduo autista por 1000. O estudo mais recente dava conta de 1 caso de autismo em 186 habitantes. Contudo, a definição para o autismo se ampliou. Eu ficaria com uma proporção que iria de 1 em 200 a 1 em 1000. No Brasil as estatísticas não estão sendo apuradas, pois os poucos profissionais habilitados para tratar da síndrome estão envolvidos com atendimento de linha de frente.

Por que o levantamento é mais difícil no Brasil? Como essa dificuldade interfere na saúde pública e dos indivíduos?

Nosso país tem uma urgência de cura de doenças endêmicas desde as condições deficitárias de ordem sanitárias até as verminoses, subnutrição, doenças alérgicas até o seguimento necessário de Puericultura. O pessoal necessário para fazer um levantamento epidemiológico do autismo no Brasil é oneroso e não existe um centro acadêmico que esteja dedicado exclusivamente a isso. Infelizmente, não dispomos de tal pessoal no Brasil por não ser uma urgência.

O movimento das Associações dos Pais, como a Associação de Amigos do Autista (AMA), tem forçado a academia e as autoridades públicas a darem maior atenção aos autistas. Essas associações montam, com as condições locais que têm, instituições de atendimento e tentam atrair profissionais que eventualmente podem fazer este estudo epidemiológico. Contudo, a premência do atendimento diário com o autista afasta possíveis pesquisadores de um levantamento estatístico. Sem os números brasileiros em mãos fica difícil obter das autoridades instituídas um programa básico de atendimento aos indivíduos autistas, pois eles sequer são diagnosticados nas Unidades Básicas de Saúde.

Em função da idade, elas são encaminhadas para os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) onde não há profissionais treinados para lidar com a população infantojuvenil. São poucos os centros universitários onde há atenção específica para a população autista. São dignos de menção os Centros da Faculdade Mackenzie e o da Santa Casa de Misericórdia, em São Paulo. Estes são modelos a serem seguidos. 

O Abril Azul é época de visibilidade e conscientização das necessidades dos autistas e suas famílias. Ele abriu as portas da mídia para confirmação do direito de cidadania dos portadores da síndrome.

Como o autismo se desenvolve e quais são as intervenções recomendadas atualmente?

A síndrome tem 3 fases que se diferenciam nitidamente. A primeira fase vai do nascimento aos 6-7 anos de idade, a segunda, dos 7 aos 16-17 e, a terceira, dos 17 em diante. Cada fase responde de forma diferente à intervenções. A primeira fase responde muito bem a intervenção precoce de habilitação de fala, socialização, direcionamento de evolução do sistema nervoso com muitos casos de aquisição de fala e inclusão escolar. A segunda fase, se não tiver respondido à intervenção precoce, ainda pode ser alvo de habilitação, porém com ênfase em intervenções comportamentais para diminuir ou ampliar repertórios de comportamento. A terceira fase, se não houver resposta às intervenções anteriores, requer uma intervenção exclusivamente comportamental. As medicações prescritas dependem da fase do desenvolvimento e sobretudo da definição do comportamento alvo a ser alterado, como o sono, alimentação, agressividade ou angústia, por exemplo.

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