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Covid-19: por que o Brasil está na rota da terceira onda

Atraso da vacinação e relaxamento de medidas de isolamento social podem levar a novos picos de contágio, internações e mortes

Aglomerações aumentam contágios de covid

Fiocruz e especialistas alertam sobre a progressão de internações e mortes por atraso de vacinas e alta de contágios | Foto: Getty Images

O Brasil estampa o gráfico mais preocupante da pandemia no novo coronavírus no controle da Organização Mundial da Saúde (OMS). Por isso o alarme global sobre terceira onda de covid-19 no país. Enquanto uma nação tem piora no controle de uma pandemia, todas permanecem em risco.

A OMS alerta que os países que suspenderem apressadamente as restrições para contenção da covid-19 podem sofrer consequências desastrosas para quem ainda não está vacinado. Um dos temas da reunião do início desta semana era a realização da Copa América no Brasil.

Saiba mais

O que é uma nova onda na pandemia

Uma onda de pandemia se configura por um pico de casos e mortes entre dois vales (quedas) de números mais baixos. Nesta terça-feira, 8, o Brasil registrava 2.693 mortes e 52 mil novos casos. Há dois meses, no dia 8 de abril, o registro diário de óbitos ultrapassou os 4mil. O primeiro pico brasileiro de mortes diárias na pandemia, entre maio e julho de 2020, foi de 1.180 mortes.

O indicador que define o aumento, a estabilidade ou diminuição de casos é chamada taxa de transmissão – coeficiente que define o número de infecções geradas por um novo transmissor da doença, que, na prática (e no caso da covid-19) só pode ser confirmado por exame no mínimo uma semana depois. No Brasil, a população em geral só testa em caso de sofrer sintomas. Isso quer dizer que infectados assintomáticos, que também proliferam a doença, não são contabilizados na taxa média de contaminação.

Gráfico na OMS deixa claro os picos da primeira e segunda ondas de contágios e mortes no Brasil, em meados de 2020 e abril deste ano

Estabilidade e queda ocorrem quando a taxa é de até 1,0, no máximo. Nos estados brasileiros, o que tem a menor taxa de transmissão é o Maranhão, com 1,2, marca mantida baixa graças às barreiras sanitárias massivas criadas no estado diante da notificação da variante Delta (a cepa indiana), há pouco mais de duas semanas. O Paraná, a maior, altíssimos 1,4.

Ao longo dos últimos 7 dias, o Brasil foi o segundo país com mais mortes por covid-19: 12 mil registros, atrás apenas da Índia, que vive a segunda onda da pandemia, com o total de 351 mil de mortos até agora. O Brasil passou dos 477 mil.

O país asiático teve pouco mais de 2 mil mortes no pico mais elevado de sua segunda onda. Sua população, a segunda maior do mundo, ultrapassa 1 bilhão de pessoas. O Brasil tem 212 milhões de pessoas.

Uma triste progressão aritmética

A chamada estabilidade, alcançada em alguns estados brasileiros, equivale muitas vezes aos números absolutos de contágios e mortes do primeiro pico da doença, em meados de 2020.

Das 27 unidades da federação, nas últimas duas semanas, sete estão com a curva de mortes em subida, sete em queda e, os 13 restantes, em patamar estável dentro desse parâmetro, a ser multiplicado, de um dia para o outro por, no mínimo, 1,2.

Quase um terço do país, portanto, já está em fase de subida na terceira onda da covid-19 no Brasil.

Embora a média de mortes registradas apresentem estabilidade na maior parte dos estados, o número de casos tende a subir em quase todo o país nas próximas semanas de junho, confirma a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

A matemática é simples: 52 mil novos doentes multiplicados pelo menor (e mais otimista) indicador de transmissão no Brasil, 1,2, representa 10 mil doentes a mais, nas próximas 24 horas, resultando em pouco mais de 61 mil, se não houver isolamento social dos contaminados.

E, nas 24 horas seguintes, serão quase 75 mil. E assim por diante se nenhum fator (conclusão da vacinação, isolamento social) for acrescentado à desastrosa equação.

A flexibilização das medidas de isolamento em quase todos os estados em que o número de contágios e mortes são considerados estáveis levará a “uma intensificação da pandemia”, alertou a Fiocruz no começo de junho diante da taxa vigente de multiplicação da doença.

Atraso da vacinação acelerou a chegada da terceira onda

“O Brasil acordou tarde para a vacinação”, diz o médico Maurício Lacerda Nogueira, professor e chefe do laboratório de virologia da Faculdade de Medicina de Rio Preto (Famerp).

“O calendário está atrasado, desorganizado e o sistema de saúde do país está à beira de exaurir – em alguns locais já exauriu. A previsão do governo de concluir a vacinação este ano é, infelizmente, completamente irreal.”

Um dos pontos mais problemáticos da situação brasileira é justamente o platô alto de casos nos períodos de estabilidade.

A matemática é simples: casos numerosos, ainda que estáveis pelos registros médicos, ganham força de multiplicação sem o isolamento social. Só poderia ser diferente se a velocidade da imunização ultrapassasse o dos contágios.

Ao menos 30% da população precisaria estar com o ciclo vacinal completo (todas as doses mais os dias de ação das vacinas no organismo, uma média de duas semanas) em todo o país. Hoje, a média de brasileiros vacinados com as doses necessárias dos imunizantes disponíveis é próxima de 11%.

Diferentemente de países que viveram uma primeira e uma segunda onda, como a Inglaterra (que teve o segundo pico em janeiro, com pouco mais de 1,3 mil mortes em um dia, com a vacinação adiantada e o imediato recrudescimento da flexibilização econômica), o Brasil, além de dar início à vacinação muito depois, ainda tropeça no calendário atrasado.

Há gargalos de produção, entrega e aplicação em todos os estados e no distrito federal com contágios atingindo fatias da população mais jovens, ativas e ainda distantes da imunização.

No Brasil, pandemia tem desenvolvimento regional

Rio Preto, cidade do interior paulista, onde o virologista e professor atua, está já na chamada terceira onda, como boa parte dos Estados do Sudeste.

“Manaus teve duas ondas bem definidas. Mas a pandemia não é igual em todo o país. Em muitas situações não dá pra pensar em ondas, dado o platô elevado e picos sobrepostos”, diz o médico.

Para ele, o mais preocupante não é a projeção teórica de uma nova onda, mas sim, a falta de perspectiva de redução de contágio e da aceleração da vacina. “Estamos completamente sem controle da pandemia no Brasil”, afirma ele.

“Com a circulação de pessoas do mundo contemporâneo é difícil desenhar ciclos regulares, como ocorreu, por exemplo, com a gripe espanhola. Existe uma irregularidade e, o que é mais sério, uma superposição veloz de agravamentos da pandemia no Brasil porque a circulação do vírus não está sendo contida e a vacina chegou muito tarde”, lamenta.

A imprensa do Paraná, onde a taxa de transmissão é hoje de 1,4, não tem receio em falar de uma quarta onda para este ano.

A secretária de saúde de Curitiba, Márcia Huçulak, alertou os veículos locais que o pico de contágios, mortes e ocupação de hospitais, onde falta oxigênio, seria irreversível se não se mantivesse a fase vermelha de restrições ao comércio, há 15 dias.

A secretária advertiu que o relaxamento levaria a capital lugar para uma quarta curva da pandemia.

Mas, ainda assim, Curitiba, sob o índice de transmissão no estado de 1,4 – número que só pode ser detido se mais da metade da população estiver vacinada -, regrediu da fase vermelha à fase laranja, por pressão das entidades comerciais neste começo da segunda semana de junho.

Pouco mais de 10% da população paranaense está vacinada. Para deter o colapso iminente no estado, estudo do grupo Ação Covid-19, ligado à Universidade Federal do Grande ABC, mostra que seria necessário ao menos 56% dos paranaenses vacinados para poder haver alguma abertura com segurança.

Veja como está a vacinação nos estados e Distrito Federal

(Dados divulgados pelas Secretarias de Saúde em 8/6)

  • AC: 1ª dose – 145.581 (16,28%); 2ª dose – 59.499 (6,65%)
  • AL: 1ª dose – 771.098 (23,01%); 2ª dose – 290.314 (8,66%)
  • AM: 1ª dose – 799.510 (19%); 2ª dose – 486.905 (11,57%)
  • AP: 1ª dose – 135.840 (15,76%); 2ª dose – 60.097 (6,97%)
  • BA: 1ª dose – 3.740.975 (25,06%); 2ª dose – 1.578.601 (10,57%)
  • CE: 1ª dose – 1.978.458 (21,54%); 2ª dose – 1.088.115 (11,84%)
  • DF: 1ª dose – 699.415 (22,89%); 2ª dose – 326.127 (10,67%)
  • ES: 1ª dose – 1.145.664 (28,19%); 2ª dose – 456.054 (11,22%)
  • GO: 1ª dose – 1.572.465 (22,11%); 2ª dose – 662.071 (9,31%)
  • MA: 1ª dose – 1.460.140 (20,52%); 2ª dose – 552.039 (7,76%)
  • MG: 1ª dose – 5.193.899 (24,39%); 2ª dose – 2.462.245 (11,56%)
  • MS: 1ª dose – 938.494 (33,41%); 2ª dose – 379.391 (13,5%)
  • MT: 1ª dose – 667.602 (18,93%); 2ª dose – 292.264 (8,29%)
  • PA: 1ª dose – 1.577.738 (18,15%); 2ª dose – 774.639 (8,91%)
  • PB: 1ª dose – 915.240 (22,66%); 2ª dose – 452.452 (11,2%)
  • PE: 1ª dose – 2.135.181 (22,2%); 2ª dose – 964.679 (10,03%)
  • PI: 1ª dose – 677.378 (20,64%); 2ª dose – 300.218 (9,15%)
  • PR: 1ª dose – 2.835.578 (24,62%); 2ª dose – 1.251.898 (10,87%)
  • RJ: 1ª dose – 3.696.776 (21,29%); 2ª dose – 1.695.133 (9,76%)
  • RN: 1ª dose – 779.206 (22,05%); 2ª dose – 381.199 (10,79%)
  • RO: 1ª dose – 301.155 (16,76%); 2ª dose – 137.066 (7,63%)
  • RR: 1ª dose – 102.719 (16,27%); 2ª dose – 61.487 (9,74%)
  • RS: 1ª dose – 3.434.793 (30,07%); 2ª dose – 1.587.178 (13,89%)
  • SC: 1ª dose – 1.856.623 (25,6%); 2ª dose – 754.652 (10,41%)
  • SE: 1ª dose – 523.589 (22,58%); 2ª dose – 206.729 (8,92%)
  • SP: 1ª dose – 12.583.239 (27,18%); 2ª dose – 5.908.850 (12,77%)
  • TO: 1ª dose – 285.353 (17,94%); 2ª dose – 133.657 (8,4%)

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