Biocombustível de lixo deve crescer com Lei do Gás
Marco regulatório do setor de gás e quebra do monopólio da Petrobras nos gasodutos devem impulsionar fonte renovável
19/02/2021O marco regulatório para o setor de gás (PL 4.476/2020), conhecido como Lei do Gás, e a quebra do monopólio da Petrobras nos gasodutos devem impulsionar o biocombustível feito a partir do lixo em 2021.
A Lei do Gás, já aprovada pelo Senado, deve incentivar projetos de geração de biocombustível a partir do biometano gerado em aterros sanitários.
O texto libera o acesso do biometano à rede de gasodutos, estimulando sua regulamentação pelos Estados, a quem compete a política de distribuição do gás.
O recém-aprovado marco do saneamento também é favorável, já que o biometano pode ser produzido a partir do tratamento do biogás gerado nos aterros sanitários e nas estações de tratamento de esgotos.
Além disso, o cenário para o biocombustível se torna ainda mais promissor com a aprovação do Novo Mercado do Gás pelo Congresso Nacional.
Fora isso, há o fortalecimento irreversível da agenda ESG (sustentabilidade ambiental, social e de governança) na esteira da pandemia da covid-19.
Potencial do biocombustível a partir do lixo
Segundo a Associação Brasileira do Biogás (Abiogás), a produção nacional de biometano é pequena: 365 mil m³ por dia.
A entidade projeta um aumento de 10% em 2021, ritmo de crescimento abaixo do visto no ano passado (14%, apesar da pandemia).
O volume está muito aquém do potencial brasileiro, estimado pela entidade em 120 milhões de m³ por dia, tendo em vista a quantidade de resíduos produzidos no País. Isso é o equivalente a 39 bilhões de litros de diesel, ou 70% do consumo nacional.
O biometano pode criar um biocombustível destinado à geração de energia elétrica e substituir o gás natural de uso industrial e residencial. Porém, é no abastecimento do transporte veicular que reside seu maior potencial.
A estimativa é que ele reduza de 90% a 96% as emissões de gases do efeito estufa quando comparado ao diesel e à gasolina.
O diretor de vendas de soluções da Scania no Brasil, Silvio Munhoz, conta que, com a pandemia, cresceu a procura de empresas interessadas em caminhões a biometano e GNV (gás natural veicular).
A estimativa é fechar 2021 com a venda de mais de duas centenas de unidades no País, contra 70 em 2020. A participação dos modelos a gás na produção e nas vendas gerais da fábrica de São Bernardo do Campo (SP) é pequena: mil veículos em um total de 30 mil por ano.
A Scania foi pioneira na produção desses veículos no Brasil. A primeira entrega foi feita em 2020, para a multinacional de cosméticos L’Oréal.
No último dia 5, a fabricante apresentou o primeiro ônibus para fretamento movido a gás no País. O modelo vai transportar trabalhadores da usina de aços especiais da Gerdau, também a primeira a usar um caminhão a biometano na mineração.
Munhoz admite que os caminhões da linha podem ser até 30% mais caros, mas diz que isso é compensado pela redução de custos ao longo do tempo.
A New Holland trabalha para colocar no mercado brasileiro em até dois anos seu trator a biometano.
O modelo está em teste por aqui desde 2017, e a ideia é que seja abastecido pelo próprio produtor rural com o biogás gerado por resíduos de animais ou de culturas nas fazendas.
A fabricante calcula que o motor movido a biocombustível de biometano gere uma redução de custos de 25% a 40% quando comparada com os combustíveis convencionais.
Produção e investimento
Hoje o País tem oito usinas de biometano em produção comercial, fruto de R$ 680 milhões em investimentos, mas só três entregam o combustível no padrão exigido pela Agência Nacional do Petróleo.
A Ecometano, do Grupo MDC, opera duas delas: uma no Ceará e outra no Rio.
A presidente do Grupo MDC, Manuela Kayath, diz que, ao mesmo tempo em que a nova Lei do Gás promete destravar o chamado mercado livre – em que consumidores escolhem fornecedores -, cresce a demanda de empresas com metas de redução de emissões mais agressivas.
Para chegar a uma produção diária de 32 milhões de m³ de biometano em 2030, a Abiogás calcula que seriam necessárias cerca de mil plantas em operação.
O investimento estimado é de R$ 50 bilhões, diz o vice-presidente da associação, Gabriel Kropsch. A entidade tenta negociar com o governo formas de dar escala à produção e fomentar os projetos.
Outra demanda é a de leilões específicos para o biogás, como já ocorre para energias eólica e solar – neste ano, essa nova fonte estará contemplada em quatro licitações.
Novos projetos
De olho nesse potencial, novos projetos vêm sendo anunciados. A GasBrasiliano e a Cocal Energia fecharam em janeiro parceria para fornecimento de biometano para a região oeste de São Paulo.
O investimento em um gasoduto e uma usina é estimado em R$ 160 milhões, com distribuição a partir de julho de 2022.
Já a Zeg Biogás planeja investir R$ 460 milhões até 2024. A companhia finaliza uma planta de biometano no aterro sanitário CTL Ecourbis, na capital paulista e até meados do ano inicia a produção do primeiro de seis projetos de biogás a partir da vinhaça, resíduo da produção de etanol.
A aposta é que o combustível renovável possa revolucionar a frota pesada no Brasil, assim como o etanol o fez na frota leve. (AE)