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Central Única das Favelas mobiliza onda solidária

Presidente da Central Única das Favelas, Preto Zezé faz balanço das ações de combate à pandemia e defende uma renda básica no país

Preto Zezé, presidente nacional da Cufa, em frente à sede da central

Empresário, produtor cultural e escritor, Preto Zezé foi presidente global da Cufa, liderando o escritório internacional da entidade | Foto: Divulgação

A pandemia de covid-19 deixou ainda mais em evidência o tamanho da desigualdade social que existe no Brasil. Também mostrou a importância que entidades como a Central Única das Favelas, a Cufa, têm na luta pela inclusão de pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade.

Dados mais recentes do Data Favela, parceria da Cufa com o Instituto Locomotiva, mostram que 70% dos mais de 14 milhões de moradores de comunidades no país estão com dificuldade para comprar comida.

Por isso, a entidade se uniu a outras como a Gerando Falcões, liderada por Edu Lyra, no combate à fome nas 5 mil comunidades em que atua espalhadas por todas as regiões do país.

A Central também tem atuado em uma frente para levar o acesso à internet a crianças e jovens que vivem nas favelas e estão tendo a educação diretamente afetada pelo fechamento das escolas para conter a covid-19.

Em entrevista ao portal O Especialista, o presidente da Cufa, Preto Zezé, 45 anos, detalhou e fez um balanço das ações desenvolvidas pela entidade desde o início da pandemia.

Favela da Rocinha
Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro: 70% dos mais de 14 milhões de moradores de comunidades estão com dificuldade para comprar comida | Foto: Getty Images

Zezé, que é empreendedor, escritor e produtor cultural, defendeu políticas de renda básica para as famílias mais carentes.

O cearense de Fortaleza disse que o apoio à essa pauta é o próximo passo que pode ser dado pelo setor privado na guerra ao coronavírus.

“Essa questão econômica é fundamental para garantir medidas restritivas de movimentação e isolamento social, porque, do contrário, temos uma parte dos trabalhadores que está sendo sacrificada”, afirmou Preto Zezé.

Fome, não

Com a pandemia, a Cufa teve que suspender atividades educacionais e desportivas que realizava nas favelas de todo o país.

Os esforços então passaram a ser direcionados à segurança alimentar das famílias e ao auxílio escolar às crianças e adolescentes que foram forçados e acompanhar as aulas de forma online – mesmo que a maioria não tenha acesso à internet.

A atuação da Cufa se deu pelo programa Mães da Favela, que entregou entre 2020 e este ano 1,6 milhão de cestas básicas de forma física e digital a mães que, segundo Preto Zezé, representam 47% da liderança dos lares dentro das favelas brasileiras.

Favela de Paraisópolis, em São Paulo: Cufa quer tornar a internet acessível nas favelas com a instalação de torres| Foto: Getty Images

A Central projeta que, desde o início do programa, tenha alcançado quase 1,6 milhão de famílias, beneficiando 6,3 milhões de pessoas.

“A favela é mais sacrificada na pandemia e, dentro delas, as mães solteiras são as mais atingidas. Então a gente teve que criar um tratamento específico para promover transferência de renda e segurança alimentar”, explicou o presidente da Cufa.

Recentemente, a entidade se uniu à Gerando Falcões e a Frente Nacional Antirracista no Panela Cheia, que tem como objetivo arrecadar recursos e distribuir mais 2 milhões de cestas básicas.

Cufa a favor da conectividade

Segundo o Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef), 5,5 milhões de crianças e adolescentes ficaram sem acesso à educação no Brasil no ano passado.

No apoio à questão educacional a Cufa distribuiu, também por meio do Mães da Favela, 500 mil chips com acesso a ligações e internet gratuita por seis meses às mães de família para que os filhos pudessem ter acesso às aulas online.

O serviço gratuito foi viabilizado por uma parceria com a TIM, que resultou no Alô Social, empresa de telefonia com pacotes de voz e dados acessíveis.

Os planos da Cufa envolvem a ampliação da conectividade pelas comunidades do país.

Para isso foi criado o programa Mães da Favela On, que está na fase piloto. A ideia é instalar torres de acesso à internet móvel e gratuita nas favelas.

Na etapa de testes, que levará um ano, serão atendidas comunidades de capitais como Fortaleza, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador.

As torres começaram a ser instaladas em 2020 e a meta é conectar 2 milhões de pessoas até julho de 2021. 

No pós-pandemia, a Cufa também deve concentrar esforços na Digital Favela, empresa que tem a missão de reunir influenciadores comunitários e fomentar o empreendedorismo.

“É gente que tem de 2 mil a 5 mil seguidores orgânicos e leais que estão se associando a essa plataforma”, disse Preto Zezé.

Confira trechos da entrevista com o presidente nacional da Cufa:

O Especialista – Desde o início da pandemia de covid-19, quais foram as principais ações sociais que a Cufa desenvolveu nas comunidades de todo o país?

Preto Zezé – Estávamos com a campanha “Mães da Favela”. A favela é mais sacrificada na pandemia e, dentro delas, as mães solteiras são as mais atingidas. Então a gente teve que criar um tratamento específico para promover transferência de renda e segurança alimentar para essas mulheres, que correspondem a 47% da liderança dos lares dentro das favelas.

Recentemente, o Data Favela mostrou que 70% dos moradores de comunidades no país estão com dificuldade para comprar comida. A Cufa estima quando a situação deve começar a melhorar, caso a campanha de vacinação avance no país?

Enquanto a vacinação não acelera, nós temos uma dificuldade muito grande que é a falta de políticas que contenham os impactos e danos sociais da pandemia. Pelo andar da carruagem, comenta-se que lá para setembro teremos um grande processo de vacinação. Mas até lá, o que a gente faz com quem está desempregado, com as pessoas que não estão recebendo renda nenhuma, o que a gente faz com os 20 milhões de pessoas que estão passando fome? Precisamos de um plano de emergência para cruzar esse mar vermelho. Até lá precisamos de um programa de transferência de renda, de renda básica. Essa questão econômica é fundamental para garantir medidas restritivas de movimentação e isolamento social, por que do contrário, temos uma parte dos trabalhadores que estão sendo sacrificados, que pegam todos os dias ônibus, trem e metrô. A outra parte está na favela que já é isolada socialmente dos direitos, 75% da população sem saneamento básico.

O que o setor privado pode fazer a mais para continuar contribuindo com o terceiro setor na luta contra a fome e outros problemas que se acentuaram com a pandemia?

O setor privado deu uma força enorme. No ano passado teria sido impossível a gente realizar as ações que realizamos. Acho que o setor privado deveria começar a pautar uma renda pública de interesse da maioria, porque está provada que senão ajudam as pessoas a economia vai ser prejudicada. Está provado que se a gente não agiliza a proteção a essas pessoas nesses territórios vulneráveis, o prejuízo é na saúde e no desenvolvimento do país todo. Por isso é importante que a gente foque muito na vacinação, que tenha um programa de transferência de renda até que a pandemia se mantenha e que a gente possa passar juntos por essa tempestade e ninguém fique para trás.

No mundo hoje, há alguma nação que seja exemplo de assistência social em meio à pandemia e na qual o Brasil pode se espelhar?

Já que o Brasil gosta tanto de comemorar o que acontece nos Estados Unidos, vemos por exemplo que o Joe Biden lançou um grande programa de proteção às micro e pequenas empresas, um programa de financiamento pra garantir os empregos. Os mais de 50 Estados americanos lançando programas de renda básica para que as pessoas tenham o mínimo para sobreviver. Poderia se inspirar nessas políticas de proteção econômica e social.

Ao seu ver, a onda de solidariedade iniciada em 2020 continua no mesmo ritmo neste ano e deve crescer exponencialmente nessa década?

Acredito que vai, sim. Tivemos o exemplo no ano passado de algo entorno de R$ 5 bilhões foram mobilizados em doações. Comparado aos níveis de riqueza que o Brasil tem e desigualdades, para um início em um país que não tem a cultura de doação e filantropia é um bom sinal no sentido de que, para além das doações desses movimentos pontuais, a gente possa caminharmos juntos para fazer da solidariedade um movimento permanente.

No pós-pandemia, quais devem ser as prioridades de trabalho da Cufa nas comunidades pelo Brasil?

A gente vai retomar as ações engatilhadas, como a Taça das Favelas, o Prêmio Pretos Empreendedores, o Top Cufa, a Liga Comunitária de Empreendedores. Mas, principalmente, impulsionar mais as empresas e os negócios que criamos durante a pandemia, que é o Digital Favela, empresa de micro influenciadores que estão cadastrando milhares de influenciadores das favelas do Brasil, gente que tem de 2 mil a 5 mil seguidores orgânicos e leais e que estão se associando a essa plataforma. A outra é a Alô Social, empresa de telefonia com pacotes de dados mais acessíveis. A gente iniciou doando mais de 500 mil chips que promoveram mais de 6 meses de ligação gratuita, acesso à internet e redes sociais.

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